Sandra Duarte Tavares - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sandra Duarte Tavares
Sandra Duarte Tavares
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É mestre em Linguística Portuguesa pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. É professora no Instituto Superior de Comunicação Empresarial. É formadora do Centro de Formação da RTP e  participante em três rubricas de língua oortuguesa: Agora, o Português (RTP 1), Jogo da Língua  e Na Ponta da Língua (Antena 1). Assegura ainda uma coluna  mensal  na edição digital da revista Visão. Autora ou coa-autora dos livros Falar bem, Escrever melhor e 500 Erros mais Comuns da Língua Portuguesa e coautora dos livros Gramática Descomplicada, Pares Difíceis da Língua Portuguesa, Pontapés na Gramática, Assim é que é Falar!SOS da Língua PortuguesaQuem Tem Medo da Língua Portuguesa? Mais Pares Difíceis da Língua Portuguesa e de um manual escolar de Português: Ás das Letras 5. Mais informação aqui.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Fizeram-me uma pergunta quando eu estava explicando um conteúdo de formação de palavras e acabei ficando sem saber responder. A aluna perguntou-me sobre o prefixo sub dizendo que o significado deste é «sob, inferior, embaixo». Disse a ela que a afirmação estava correta, então ela veio com a seguinte indagação: «Já que sub quer dizer embaixo, porque a palavra substantivo inicia com sub? Tem alguma relação com o significado do prefixo?»

Achei ótimo ela ter questionado já que tem 9 anos e está no 4.º ano, no entanto fiquei preocupada em não ter uma resposta plausível.

Por favor me ajude nessa. Obrigada.

Resposta:

Os prefixos e os sufixos são unidades linguísticas portadoras de um significado. Ou seja, ainda que não sejam palavras autónomas, é possível atribuir-lhes um valor semântico. Vejamos alguns exemplos:

sufixos

«carrinho» -inho = pequenez

«beleza» -eza = qualidade de

«aterragem» -agem = acção de

prefixos

«infeliz»  in- = negação

«desarrumar» des- = acção contrária

«subaquático» sub- = debaixo de

Há, no entanto, elementos que parecem prefixos e sufixos, mas, na verdade, não são.

Por exemplo, na palavra carinho, «inho» não é um sufixo, porque não exibe qualquer significado. O mesmo acontece com imagem, em que «agem» não é um elemento derivacional. Trata-se de palavras simples, que não se decompõem.

Quanto à palavra substantivo, o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa refere que a mesma provém do latim substantīvus,a,um, «substancial», de substantìa,ae, «substância, ser que existe» <sub «sob» e stāre «estar».

Todavia, do ponto de vista sincrónico, esta palavra funciona como uma unidade indecomponível, pelo que podemos dizer que sub- perdeu o seu significado original: «sob, inferior, debaixo de».

Disponha sempre!

Pergunta:

Qual é a forma gramaticalmente correcta?

— «O que precisamos é de decisões atempadas e informadas por parte do responsável.»

— «O que precisamos são de decisões atempadas e informadas por parte do responsável.»

Ou poderão ser ambas aceitáveis?

Desde já agradeço e louvo o vosso serviço disponibilizado através do Ciberdúvidas.

Resposta:

Estamos perante um problema de concordância em frases designadas por alguns gramáticos construções de foco. Observem-se os seguintes exemplos:1

(1) «A biblioteca precisa de livros novos.»
(2) «É de livros novos que a biblioteca precisa.»
(3) «Do que a biblioteca precisa é de livros novos.»
(4) *«São de livros novos que a biblioteca precisa.»
(5) *«Do que a biblioteca precisa são de livros novos.»

A agramaticalidade dos exemplos (4) e (5) decorre do facto de a expressão nominal livros novos ser introduzida pela preposição de, não podendo por isso desempenhar a função de sujeito da estrutura. Se assim não fosse, a concordância em número seria legítima, isto é, em presença do verbo ser, mas sem qualquer preposição:

(6) «O que a biblioteca solicita são livros novos

Comparem-se agora as seguintes construções de foco introduzidas por outras preposições:

(7) «O Joãozinho telefona aos avós regularmente.»
(8) «É aos avós que o Joãozinho telefona.»
(9) *«São aos avós que o Joãozinho telefona.» 

(10) «O árbitro conversou com os treinadores no intervalo do jogo.»
(11) «Foi com os treinadores que o árbitro conversou.»
(12) *«Foram com os treinadores que o árbitro conversou.» 

Em conclusão, o verbo ser deverá ocorrer sempre no singular neste tipo de construções introduzidas por uma preposição.

Por consegui...

Pergunta:

Discuto com os meus colegas se a palavra mitocôndria se diz «mitocôndria» ou «mitócôndria». Parece-me que a segunda forma está incorrecta: desde logo, porque tornaria tónica a "anteantepenúltima" sílaba, ou por fazer com que a palavra passasse a ser "biacentuada" (que, tanto quanto sei, não está previsto na língua portuguesa, salvo raras excepções). Podem ajudar-me?

Muitíssimo obrigado!

Resposta:

Há dois elementos de composição mito-. O primeiro tem origem no grego mûthos e significa «fábula, história», entrando, por exemplo, na formação de palavras como mitologia, mitografia.

O segundo elemento mito- provém do grego mítos (fio, filamento) e entra na composição de palavras das biociências, com a acepção de «filamento celular», por exemplo: mitoplasta, mitossoma, mitocôndria.

A sua questão prende-se com a pronúncia do segundo elemento. Eu diria que mito- (fábula) se lê /mitu/, ao passo que mito- (filamento) se lê /mitó/. Por conseguinte, a palavra que apresenta deve ler-se /mitòcôndria/.

O facto de a vogal o de mito- ser aberta não a torna a vogal tónica. Vogal tónica é a vogal que se pronuncia com maior intensidade. Há muitos casos em português de vogais abertas que não são tónicas: teclado, fotocópia, avozinha.

Disponha sempre!

Pergunta:

O que é «reconhecer o valor estético da língua»?

Resposta:

A língua não é apenas um veículo de comunicação. É também o meio pelo qual expressamos os nossos pensamentos, as nossas emoções, os nossos afectos...

Eu diria que a língua não tem somente o género gramatical feminino; ela é 100% feminina, e, como tal, também ela é vaidosa!

Por trás dos bastidores, que são as regras firmes da gramática, está também o encanto de ela aparecer em palco e mostrar a beleza das suas roupas, que são as palavras; das suas jóias, que são as figuras de estilo; da sua maquilhagem, que são as reticências e os pontos de exclamação a mais!!

E ninguém ouse censurar esta vaidade de “alguém” que não envelhece, mas que, pelo contrário, rejuvenesce a cada dia que passa!

Reconheceu o valor estético da língua?!

Pergunta:

Encontrei em duas gramáticas classificações diferentes do nem na frase: «Nem estudo, nem trabalho»; uma fala que o segundo nem é conjunção aditiva; a outra diz que os dois nens são conjunções alternativas. Qual é a verdade?

Grato.

Resposta:

A conjunção nem é inequivocamente uma conjunção coordenativa copulativa, porque exprime uma ideia de adição, e não de alternativa.

A frase «nem estudo, nem trabalho» significa: «não estudo e também não trabalho». Trata-se da negação da conjunção copulativa e.

Observe-se agora a seguinte frase, que contém duas conjunções claramente disjuntivas (ou alternativas):

«Quer estude, quer trabalhe, ele sente-se sempre insatisfeito.»

Neste caso, estamos perante uma estrutura de disjunção: se estuda, não trabalha; se trabalha, não estuda.

Em conclusão, dizer «nem estudo, nem trabalho» é o mesmo que dizer «não estudo e não trabalho»; logo, trata-se de uma conjunção aditiva.

Disponha sempre!