Rúben Correia - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Rúben Correia
Rúben Correia
10K

Licenciado em Estudos Portugueses e Lusófonos pela pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa - Português Língua Estrangeira/Língua Segunda na referida. Prepara atualmente um doutoramento na mesma área.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Tenho ouvido e lido agravante ora no masculino, ora no feminino. As duas formas estão corretas?

Resposta:

Quando usada como adjetivo, a palavra agravante – entendida como «que ou o que agrava, sobrecarga», de acordo com o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa – é uniforme, ou seja, apresenta uma única forma tanto para o masculino como para o feminino. O Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa (DLPCAC), indica, de igual modo, tratar-se de um adjetivo uniforme. No entanto, o género de agravante como substantivo, na aceção de «circunstância ou situação que torna mais grave um crime, um defeito, um pecado», parece diferir entre aquilo que é determinado pela norma do português europeu e o uso na variante brasileira1. Ao passo que o DLPCAC afirma estarmos perante um substantivo do género feminino, Maria Helena de Moura Neves, no Guia de Uso do Português (São Paulo, Editora Unesp, 2003), não negando que à palavra se atribui tradicionalmente o género feminino, assinala que agravante, entendida como «um fator que agrava», se usa com maior frequência no género masculino, de acordo com o corpus de textos brasileiros recolhido pela autora. Estamos, portanto, perante uma palavra cuja norma em Portugal, não contrariada pelo uso corrente, determina o género feminino, mas a respeito da qual, na variante brasileira, se verifica uma oscilação quanto à atribuição do género, predominando o uso do género masculino.

1 O DLPCAC também tem entrada para agravante como substantivo comum de dois («o agravante», «a agravante»), usado na área jurídica e a que se dá o significado de «pessoa que recorre da decisão que lhe foi desfavorável, que apresenta agravo em justiça e que é a parte contrária ao agravado». Trata-se de um uso que não afeta o de agravante na aceção de «circunstância que agrava», ao qual o ref...

Pergunta:

Qual a forma correta de se escrever o plural de palavras compostas, como jurídico-política e econômico-social? Essas palavras variam no gênero?

Resposta:

Os plurais dos adjetivos compostos que o consulente menciona são jurídico-políticos e económico-sociais. Observamos, portanto, que apenas o segundo elemento do termo composto varia em número. No que respeita à flexão em género, verificamos algo de semelhante, quando o segundo elemento do termo composto permite essa variação em géneros. Pegando nos termos compostos referidos anteriormente, temos, portanto, «aspeto jurídico-político» e «matéria jurídico-política». Quanto a económico-social, dado o segundo elemento ser uniforme (apenas uma forma para os géneros masculino e feminino), manterá a mesma forma independentemente do género do substantivo que qualifica. Ou seja, «estudo económico-social» e «questão económico-social».

Refira-se que os primeiros elementos destes compostos, jurídico- e económico-, são formas invariáveis, neste aspeto semelhantes às formas curtas que ocorrem em adjetivos pátrios compostos: «amizade anglo-americana», «trovadores galaico-portugueses» (exemplos de Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, pp. 251/252).

Pergunta:

Da mesma forma que existe o verbo anualizar, é possível utilizar o verbo "semanalizar"?

É possível utilizar a palavra "semanalização" para descrever uma análise de dados com base periódica semanal?

Resposta:

Os vocábulos “semanalizar” e “semanalização” não se encontram registados em nenhuma das fontes que consultámos, ainda que o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa registe o verbo anualizar, «tornar anual; fazer com que (algo) corresponda a período de um ano», e o substantivo anualização, «ato ou efeito de anualizar». De acordo com as regras morfológicas de derivação da língua portuguesa, é possível a construção tanto do verbo “semanalizar” como do substantivo “semanalização”, seguindo os mesmos processos morfológicos que estão na origem de anualizar, derivado do adjetivo anual, e anualização, cuja base de derivação é o tema do referido verbo. No entanto, note-se que as palavras "semanalizar" e "semanalização" parecem ainda não ser usadas pela generalidade dos falantes nativos, pelo menos da variante europeia da língua portuguesa, pelo que se recomenda o emprego de formas menos sintéticas, como «analisar (dados) semanalmente» e «análise de dados semanal» (esta no sentido de «análise de dados feita ou distribuída por semanas»).

Pergunta:

A palavra "infotoshopeável" pode ser considerada um neologismo? A partir do substantivo para o adjetivo?

Resposta:

Pode dizer-se que as regras de formação de palavras do português permitem a construção de "imphotoshopeável" (ou "imphotoshopável")1. Contudo, formas como esta, que incluem na sua estrutura palavras estrangeiras, só em certos casos, que envolvem nomes próprios pessoais, são aceites sem restrições pela norma-padrão. Participando uma palavra de origem inglesa – Photoshop – na construção em "imphotoshopeável" e sabendo que este nome inglês, se bem que referente a uma marca, não é um nome próprio de pessoa, torna-se difícil aceitar tal neologismo2.

Observe-se que, num escasso número de páginas na Internet, é possível encontrar “fotoshopar” e "fotoshopear" (mais corretamente grafadas "photoshopar" e "photoshopear", tendo em conta a grafia inglesa), base de derivação dos adjetivos “fotoshopável” e "fotoshopeável", donde finalmente se derivam por prefixação "imphotoshopável" e "imphotoshopável". Mesmo assim, nenhuma destas formas se encontra dicionarizada, ao contrário de outros termos oriundos da área da informática/novas tecnologias, tais como googlar ou chat (com alguma controvérsia). Tal pode dever-se em parte, pensamos, à relativa novidade que constitui o software em questão, mas também devido a opiniões mais conservadoras, que podem não aceitar a base de origem estrangeira sobre a qual se formam "fotoshopar" ou "fotoshopear".

Assim sendo, em alternativa a "imphotoshopeável", o mais aconselhado é usar construções como «usar o Photoshop» ou «editar com o Photoshop».

 1

Pergunta:

Em Moçambique é comum ouvir frases como esta – «vou fazer banho» –, talvez por analogia a «vou fazer barba».

No português europeu, é ou não permitida a construção «vou fazer banho»?

Resposta:

Na variante europeia da língua portuguesa, os falantes utilizam a construção «vou tomar banho». Não nos parece ser comum, nem mesmo coloquialmente, o uso da construção «vou fazer banho». Quanto a «vou fazer barba», a expressão registada inclui sempre o artigo definido: «Vou fazer a barba.» 

Cf.  Glossário de moçambicanismos, recolhido pelo tradutor e professor português Vítor Santos Lindgaard