Rúben Correia - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Rúben Correia
Rúben Correia
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Licenciado em Estudos Portugueses e Lusófonos pela pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa - Português Língua Estrangeira/Língua Segunda na referida. Prepara atualmente um doutoramento na mesma área.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Tenho visto recorrentemente o uso da palavra subscrição como sinónimo de assinatura no contexto de «assinatura/subscrição de um serviço ou bem». Por exemplo, «subscrever um pacote de serviços televisivos». Consultando os dicionários da Priberam e da Porto Editora, encontro para assinatura a definição «Direito que se tem a alguma publicação ou comodidade mediante certo preço por determinado tempo» e «Contrato através do qual se adquire o direito de receber determinado bem (publicação periódica) ou usufruir de um serviço (frequência de espetáculos, utilização de transportes públicos, etc.), mediante o pagamento de uma dada quantia». Não encontro uma definição semelhante para a palavra subscrição, embora encontre assinatura como sinónimo. Gostaria de saber se, neste contexto, é possível o uso de ambas palavras (ou se, eventualmente, há aqui alguma variação entre português de Portugal e do Brasil).

Muito obrigado.

Resposta:

O vocábulo subscrição designa o ato ou efeito de subscrever(-se), ou seja, de corroborar ou de aprovar, mormente por escrito, uma opinião, uma decisão, um compromisso, um julgamento. O Novo Aurélio Século XXI define subscrição como «compromisso de contribuição com certa quantia para uma empresa, obra meritória, homenagem, etc.» Implica, pois, a obrigação de contribuir para um determinado fim. A mesma fonte apresenta assinatura como sinónimo de subscrição. A assinatura, no sentido que o consulente refere, consiste no estabelecimento de um acordo, novamente mediante o pagamento de uma dada quantia, que possibilita o direito de receber, durante um período previamente estipulado, uma publicação periódica ou volumes de uma obra, de assistir a um determinado número de espetáculos distintos, mas também de usufruir de um serviço de televisão/Internet/telefone e ainda de viajar em transportes públicos, tais como o comboio ou o elétrico. Assim, e tratando-se neste caso da adesão a um serviço de televisão, o termo a aplicar seria assinatura.

No entanto, navegando pelos sítios na rede onde as principais operadoras de televisão, Internet e/ou telefone divulgam a sua vasta panóplia de serviços, constatamos o uso recorrente do vocábulo subscrição («cancelar a subscrição/data da subscrição») a par de assinatura. Tal facto poderá derivar de uma analogia com a forma inglesa subscription, igualmente de origem latina.

Pergunta:

É mais adequado dizer «a bola quicou», ou «a bola picou»? Há regionalismo na expressão?

Obrigado.

Resposta:

Pelo que pude compreender, «a bola quicou» e «a bola picou» são duas expressões com o mesmo sentido. O dicionário Houaiss indica que, de facto, «a bola quicou» é um regionalismo, de uso informal, usado no Brasil. O verbo quicar pode ser empregado como um verbo intransitivo com o sentido de «saltar repetidas vezes» («a bola quicava na frente do goleiro e não aparecia ninguém para chutar»), mas também como um verbo transitivo com o sentido de «fazer com que salte» («a mãe proibiu-o de quicar a bola dentro de casa»). No caso de «a bola picou», o sentido será semelhante ao primeiro exemplo.

O verbo quicar não existe na variante europeia do português. No entanto, «picar a bola» é uma expressão de uso corrente na gíria futebolística com o mesmo sentido de «fazer com que a bola salte» («o avançado do Benfica quis marcar uma grande penalidade à Panenka, picou a bola, mas não conseguiu enganar o guarda-redes»).

Pergunta:

Como posso explicar a jovens do 6.º ano de escolaridade a diferença entre provérbio e expressão idiomática?

Muito obrigada.

Resposta:

Segundo o Dicionário Terminológico, uma expressão idiomática é um segmento frásico, cujo significado não resulta, consequentemente, dos significados parciais dos elementos que a compõem, nem da sua forma de combinação, ou seja, a interpretação do significado de uma expressão idiomática não se pode basear apenas numa leitura literal dos seus constituintes, mas implica sempre uma leitura fraseológica (p. ex.: «Dar com a língua nos dentes»).

Um provérbio, segundo o Dicionário Houaiss, é uma frase curta de origem popular, frequentemente com ritmo e rima, rica em imagens, que sintetiza um conceito a respeito da realidade ou uma regra social ou moral, integrando algum tipo de alegoria ou ensinamento (p. ex.: «Em casa de ferreiro, espeto de pau»).

Noutra perspetiva, seguindo a classificação de H. Burger (Phraseologie. Eine Einführung am Beispiel des Deutschen, Berlim, 2003), e segundo um critério funcional, os provérbios e as expressões idiomáticas são categorizados como fraseologias de valor referencial que possuem a capacidade de denotar objetos ou «estados de coisas» da realidade extralinguística. Porém, e através da aplicação de uma subdivisão semântica, os provérbios são classificados como fraseologias proposicionais, com capacidade para realizar asserções sobre objetos e «estados de coisas» («Em casa de ferreiro, espeto de pau», «A galinha da vizinha é sempre melhor do que a minha»), e as expressões idiomáticas são classificadas como fraseologias denominativas, que referem/denominam objetos e «estados de coisas». Por exemplo, um «sorriso amarelo» é...

Pergunta:

Gostava de saber como distinguir aspeto habitual e iterativo. Igualmente, gostaria que me esclarecesse qual o valor aspetual das seguintes frases:

«Temos de acabar o trabalho até ao fim do mês.»

«Havemos de fazer o impossível para que o jornal saia no prazo estabelecido.»

«Chegaram soldados durante horas.»

«A Maria chega sempre atrasada às aulas da manhã.»

«A Ana vai estudar com o João.»

Obrigado!

Resposta:

Tanto o valor aspetual iterativo como o habitual têm um valor durativo. O valor aspetual iterativo descreve um estado de coisas, localizado num dado intervalo, ocorrendo n vezes nesse intervalo. A construção «andar a» (+ adjetivo ou infinitivo) exprime esse valor aspetual. O valor aspetual habitual também descreve um estado de coisas, localizado num dado intervalo. No entanto, ocorre também em intervalos temporais posteriores, sendo apresentado como um comportamento ou característica habitual de um dos participantes no estado de coisas descrito, nos intervalos em questão. Construções como costumar, ser costume, ser habitual e o presente simples exprimem este valor aspetual.

Atentemos nas frases:

a) «O João janta todos os dias às oito horas.»

b) «O João janta raras vezes às oito horas.»

As duas frases descrevem ocorrências plurais de um dado estado de coisas. Enquanto em a) o estado de coisas descrito ocorre em todos os intervalos (neste caso, dias), em b) o número o número de subintervalos relevantes em que tal estado de coisas ocorre é inferior a um valor considerado médio. Assim a) exprime um valor habitual, e b), um valor aspectual iterativo.

A frase «Chegaram soldados durante horas» tem um valor aspetual iterativo, enquanto a frase «A Maria chega sempre atrasada às aulas da manhã» tem um valor aspetual habitual. A primeira frase corresponde a uma ação que decorre n vezes num determinado intervalo temporal (nesse caso, horas), enquanto a segunda se refere a um hábito.

As frases «Temos de acabar o trabalho até ao fim do mês», «Havemos de fazer o impossível para que o jornal saia no prazo estabelecido» e «A Ana vai estudar com o João» demonstram um valor aspetual du...