Pedro Mateus - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Pedro Mateus
Pedro Mateus
30K

Pedro Mateus, licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, Estudos Portugueses e Franceses, pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa; mestrado em Literaturas Românicas, na área de especialização Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea pela mesma Faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Tenho lido por vezes em diversos blogues, maioritariamente dedicados à política portuguesa, o termo tudólogo, designando alguém que discursa e tem opinião sobre diversa áreas (política, sociedade, actualidade internacional, etc.), visando essencialmente os comentadores que discursam no canais de televisão (mas também em jornais e Internet). O termo é utilizado de uma maneira algo depreciativa. Será a palavra tudólogo um neologismo e uma palavra possível de ser formada?

Resposta:

A forma -logo é um «sufixo nominal, de origem grega, que traduz a ideia de estudioso, especialista (craniólogo, metodólogo)» (Infopédia); «especialista» é «que ou quem se especializou em determinada área do saber ou sabe muito sobre determinada coisa = perito» (Priberam).

Deste modo, se, por exemplo, um sociólogo é um «especialista em sociologia», e um psicólogo é um «especialista em psicologia», um tudólogo será um «especialista em tudo». Ora, esta definição parece-me levantar alguns problemas semânticos, pois é manifesto o elevado grau de incompatibilidade entre os conceitos especialista e tudo, isto é, como é possível um especialista, tendo em conta até a definição transcrita, ser «especialista em tudo»? Assim, apesar de compreender o mecanismo de formação utilizado na construção do referido vocábulo, parece-me que, do ponto de vista semântico, tudólogo terá fracas possibilidades de sobrevivência na língua portuguesa.

Porém, como o prezado consulente bem nota, uma breve pesquisa via Google prova que o termo em análise é bastas vezes utilizado, na maior parte das vezes de forma ir{#ó|ô}nica e com o recurso a aspas, em blogues e até em jornais portugueses de referência.

Pergunta:

Gostaria de saber se perante uma questão em que é pedido ao aluno que reescreva uma asserção caraterizada pela certeza de modo a traduzir uma dúvida, fazendo as adaptações necessárias, posso aceitar que a resposta seja uma interrogativa iniciada por «será que».

Passo a exemplificar: dois versos de Fernando Pessoa, Mensagem: «O homem e a hora são um só/Quando Deus faz a e a história é feita.» Era meu objetivo que os alunos usassem expressões como talvez, «é provável que»; mas, muitos foram os que responderam «Será que o homem e a hora... e a história é feita?».

Pergunto: posso, neste contexto, aceitar a resposta como certa? Esta interrogativa não faz com que deixe de ser uma asserção caraterizada pela dúvida para ser um ato ilocutório diretivo?

Grata pela vossa atenção.

Resposta:

João Malaca Casteleiro, Américo Meira e José Pascoal (Nível limiar: para o ensino, aprendizagem do português como língua segunda, Conseil de l'Europe, Strasbourg, Division des publications et des documents, 1988) referem que as interrogativas totais (tipo de interrogativa que «apresenta em geral uma estrutura semelhante à das frases declarativas, distinguindo-se, na oralidade, por uma entoação ascendente na parte final e, na escrita, pelo ponto de interrogação»: p. 409) «podem ser realizadas com forte entoação dubitativa. Neste caso [...] introduz-se a forma verbal será com o subordinador que: será que o Pedro vai ao Porto no sábado? Será que o comboio chega à hora?». Notam ainda os referidos autores que «a posposição do sujeito relativamente ao verbo, nas interrogativas totais, ocorre também em frases fortemente dubitativas, em que a forma verbal se encontra no futuro, simples ou composto: será a Ana capaz de vencer essas dificuldades? Terá o Pedro chegado a horas?» (p. 410).

Cunha e Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo, em sintonia, de certa forma, com esta linha de raciocínio, concluem que o futuro do presente simples e o futuro do presente composto se podem também empregar «para exprimir a incerteza (probabilidade, dúvida, suposição) [...] Será que desta vez ele fica mesmo? Quanto tempo terá levado ele a fazer este caminho?» (pp. 457/460).

No que diz respeito aos actos ilocutórios directivos, o Dicionário Terminológico define-os como aqueles «cuja finalidade consiste em levar o interl...

Pergunta:

Felicidades quanto ao excelente trabalho que fazem.

Teriam a bondade de dizer-me como se pronuncia o apelido Reis em português europeu-padrão? Eu digo [Rajš], mas, não tenho a certeza de que seja a pronúncia correcta.

Infinitamente obrigado.

Resposta:

A pronúncia do apelido Reis, em português europeu-padrão, será [Rɐjʃ], muito semelhante, por exemplo, à da palavra leis [lɐjʃ] (cf. Maria Helena Mira Mateus e outros, Gramática da Língua Portuguesa, 2003, p. 994).

A diferença residirá essencialmente na pronúncia da vogal a: o consulente propõe a vogal aberta, [a], como em pai [paj] (cf. Maria Helena Mira Mateus e outros, Gramática da Língua Portuguesa, idem), mas, na verdade, deverá pronunciar a vogal média semiaberta, [ɐ], como a verificada na pronúncia da palavra cama [cɐmɐ] («Sobre a natureza fonológica da ortografia portuguesa», Maria Helena Mira Mateus, FLUL/ILTEC, 2006, p. 12).

Pergunta:

Apesar das numerosas respostas acerca do tema, creio que nenhuma é perfeitamente clara: qual a forma mais correcta, a forma mais «ideal», digamos assim (e não a mais generalizada ou a correspondente à pronúncia-padrão), de se pronunciar o R no início de palavras ou rr em palavras como, por exemplo, carro?

Esta questão surgiu por me terem dito que a pronúncia mais correcta é aquela em que o R é alveolar (vibrante múltipla alveolar) e que aquela em que o R é gutural (vocal gutural) não ser tão correcta, porque se trataria de influência do francês, devido à fixação de indústrias e empresas em Portugal no século XIX.

Além disso, também me foi dito por um senhor que, antigamente (julgo que antes do 25 de Abril), eram repreendidos os alunos na escola dele que pronunciavam «mal» este R.

Desde já um sincero obrigado por explicitarem esta questão.

E parabéns pelo fantástico sítio em que todos podemos esclarecer as nossas dúvidas sobre a nossa língua.

Resposta:

No Projecto Diversidade Linguística na Escola Portuguesa, coordenado por Dulce Pereira e desenvolvido pelo Instituto de Linguística Teórica e Computacional, em parceria com a Fundação Calouste Gulbenkian e o Ministério da Educação (2006), é referido que «As palavras rosa e muro possuem ambas a letra <r>. No entanto, apesar de semelhantes, são sons diferentes: o <r> de rosa é um som mais carregado – /R/ – e o de muro mais suave – /r/. É esta diferença que faz com que distingamos as palavras carro e caro. O som mais carregado ou forte (vibrante velar) ocorre em posição inicial e medial de palavra, grafando-se com <r> em início de palavra e com <rr> em posição medial de palavra; o som mais suave ou fraco (vibrante alveolar) ocorre apenas em posição medial de palavra e grafa-se com <r>» (Cd2, p. 13). Note-se que a vibrante múltipla [R] é geralmente descrita como uvular, embora se use também o termo velar (cf. Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, p. 45). 

Deste modo, de acordo com a citada passagem do referido projecto, pensado, em grande medida, para alunos que não têm o português como língua materna, existem duas formas de se pronunciar o «r» em português, isto é, como vibrante velar (som formado na região do véu palatino, compatível, portanto, com a "vocal gutural" referida pelo consulente), [R], ou como vibrante alveolar, [ɾ], não sendo feita qualquer referência à vibrante múltipla alveolar.

Sabemos, no entanto, como refere Fernando Venâncio nesta r...

Pergunta:

Poderíeis vós confirmar-me se franciliano é mesmo o gentílico (substantivo e adjetivo) português da região francesa da Ilha-de-França e de seus habitantes? Tenho-o encontrado em alguns sítios da Web em português, inclusive um que parece ser oficial do governo francês.

Outra indagação: o referido topônimo, na sua forma portuguesa, é hifenizado?

Muito obrigado.

Resposta:

De facto, no dicionário francês Petit Robert, mais concretamente no anexo «dérivés des noms de lieux» («derivados de nomes de locais»), surge o vocábulo francilien, ienne, relativo à Ilha-de-França. Assim, a palavra portuguesa franciliano (tradução correcta do referido termo francês) será a adequada para designar o gentílico da Ilha-de-França.

No que diz respeito à segunda pergunta do consulente, e ainda que o Acordo Ortográfico já em vigor nada diga sobre estes casos específicos1, penso que o mais correcto e sensato será manter os traços de união, tal como constam no topónimo francês Île-de-France, até mesmo para prevenir eventuais confusões que possam surgir. A França tem, como se sabe, uma ilha por entre as suas 26 regiões administrativas, a Córsega, o que pode originar ambiguidades facilmente evitáveis. Ex.: «Na ilha de França [referindo-se à Córsega] actua um separatismo que diz operar em nome de uma maior autonomia ou da independência.» Deste modo, mantendo-se os hífenes, fica clara a distinção entre a região da Ilha-de-França e a região da (ilha de) Córsega, por exemplo, ou até outras ilhas que já tenham pertencido a este país europeu. Ex.: «Mahé – primeiro nome do governador da então ilha de França [referindo-se à Maurícia]» (Corpo: CETEMPúblico).

1 «Emprega-se o hífen nos topónimos/topônimos compostos iniciados pelos adjetivos grã, grão ou por forma verbal ou cujos elementos estejam ligados por artigo: Grã-Bretanha, Grão-Pará; Abre-Campo; Passa-Quatro, Quebra-Costas, Quebra-Dentes...