No Projecto Diversidade Linguística na Escola Portuguesa, coordenado por Dulce Pereira e desenvolvido pelo Instituto de Linguística Teórica e Computacional, em parceria com a Fundação Calouste Gulbenkian e o Ministério da Educação (2006), é referido que «As palavras rosa e muro possuem ambas a letra <r>. No entanto, apesar de semelhantes, são sons diferentes: o <r> de rosa é um som mais carregado – /R/ – e o de muro mais suave – /r/. É esta diferença que faz com que distingamos as palavras carro e caro. O som mais carregado ou forte (vibrante velar) ocorre em posição inicial e medial de palavra, grafando-se com <r> em início de palavra e com <rr> em posição medial de palavra; o som mais suave ou fraco (vibrante alveolar) ocorre apenas em posição medial de palavra e grafa-se com <r>» (Cd2, p. 13). Note-se que a vibrante múltipla [R] é geralmente descrita como uvular, embora se use também o termo velar (cf. Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, p. 45).
Deste modo, de acordo com a citada passagem do referido projecto, pensado, em grande medida, para alunos que não têm o português como língua materna, existem duas formas de se pronunciar o «r» em português, isto é, como vibrante velar (som formado na região do véu palatino, compatível, portanto, com a "vocal gutural" referida pelo consulente), [R], ou como vibrante alveolar, [ɾ], não sendo feita qualquer referência à vibrante múltipla alveolar.
Sabemos, no entanto, como refere Fernando Venâncio nesta resposta, que continua a ser verificável também a «pronúncia apical, mas múltipla, ou seja, com mais toques, o que lhe dá [ao r] o chamado som rolado, muito usado ainda sobretudo no Norte de Portugal».
Aliás, Maria Helena Mira Mateus e outros, na Gramática da Língua Portuguesa, nesta mesma linha de raciocínio, salientam que «A consoante uvular representada por [R] é a vibrante que se encontra no dialecto-padrão do português europeu, em que a sua produção implica a acção da úvula. Em alguns dialectos existe uma variante dental, a vibrante múltipla que se representa por [r]» (p. 1000).
Leda Bisol (org.), em Introdução a Estudos de Fonologia do Português Brasileiro (EDIPUCRS, 4.ª ed. 2005), citando Jorge Morais Barbosa (Introdução ao Estudo da Fonologia e Morfologia do Português, Coimbra: Almedina, 1994, p. 38), confirma que «a vibrante uvular aparece no português de Portugal, em Lisboa, como uma pronúncia vulgar no final do século XIX». Já «a aparição de r como uma fricativa sonora [ɤ] é assinalada desde 1883, entre os jovens, segundo Gonçalves Viana, Estudos de Fonética Portuguesa, 1973». Antes disso, o som r era «somente articulado como uma vibrante alveolar múltipla [r], segundo as gramáticas» (p. 218).
Indo de certa forma ao encontro das palavras do prezado consulente, pude saber1 que, na zona de Coimbra, há cerca de trinta/quarenta anos, os falantes assinalavam o [R] uvular como pronúncia intrusiva, porque a articulação generalizada era [r] (vibrante alveolar múltipla). Assim, é possível que alguns professores da referida região tenham tido algum excesso de zelo. Porém, actualmente, com a evolução linguística registada, tal facto encontrar-se-á ultrapassado, porque habitantes dessa zona, na casa dos 30 anos, já usam também o [R] (vibrante uvular). Na zona de Lisboa, nunca dei conta de que o [R] fosse corrigido na escola.
1 Comunicação pessoal de Carlos Rocha.