João Malaca Casteleiro, Américo Meira e José Pascoal (Nível limiar: para o ensino, aprendizagem do português como língua segunda, Conseil de l'Europe, Strasbourg, Division des publications et des documents, 1988) referem que as interrogativas totais (tipo de interrogativa que «apresenta em geral uma estrutura semelhante à das frases declarativas, distinguindo-se, na oralidade, por uma entoação ascendente na parte final e, na escrita, pelo ponto de interrogação»: p. 409) «podem ser realizadas com forte entoação dubitativa. Neste caso [...] introduz-se a forma verbal será com o subordinador que: será que o Pedro vai ao Porto no sábado? Será que o comboio chega à hora?». Notam ainda os referidos autores que «a posposição do sujeito relativamente ao verbo, nas interrogativas totais, ocorre também em frases fortemente dubitativas, em que a forma verbal se encontra no futuro, simples ou composto: será a Ana capaz de vencer essas dificuldades? Terá o Pedro chegado a horas?» (p. 410).
Cunha e Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo, em sintonia, de certa forma, com esta linha de raciocínio, concluem que o futuro do presente simples e o futuro do presente composto se podem também empregar «para exprimir a incerteza (probabilidade, dúvida, suposição) [...] Será que desta vez ele fica mesmo? Quanto tempo terá levado ele a fazer este caminho?» (pp. 457/460).
No que diz respeito aos actos ilocutórios directivos, o Dicionário Terminológico define-os como aqueles «cuja finalidade consiste em levar o interlocutor a agir de acordo com o conteúdo proposicional do acto de fala (ordens, pedidos, convites, sugestões, etc.)».
Por outro lado, Maria Helena Mira Mateus e outros (Gramática da Língua Portuguesa), ao reflectirem sobre a relação dos actos ilocutórios directivos com as frases interrogativas, salientam o seguinte: «Realizam-se pedidos de informação com base em: [...] frases simples interrogativas […]»; «Constituem actos ilocutórios directivos indirectos frases interrogativas contendo uma negativa com valor positivo, cuja força ilocutória é semelhante à dos pedidos de confirmação [...]: Não achas que tens de comer a sopa toda?; Não te disse para teres cuidado com o fogo?» (pp. 76-77).
Ora, de acordo com o exposto, e respondendo directamente à questão, direi o seguinte:
1. A expressão «será que» pode claramente traduzir uma dúvida (= talvez).
2. Não me parece que, no contexto em análise, e tendo em conta a definição e reflexões aqui transcritas, a frase interrogativa «Será que o homem e a hora...?» possa ser considerada um acto ilocutório directivo (directo ou indirecto), pois também não creio que a mesma tenha como objectivo «tentar que o alocutário realize futuramente uma acção verbal ou não verbal que reflicta o reconhecimento, por parte desse mesmo alocutário, do conteúdo proposicional do enunciado proferido pelo locutor» (Mateus e outros, op. cit., p. 76).
3. Penso que o enunciado sugerido pela consulente será mais compatível com uma pergunta retórica, já que não me parece que a mesma tenha como objectivo a obtenção de uma resposta: «[…] há interrogativas globais que não se destinam a ter qualquer resposta: é o caso das perguntas retóricas, formuladas com fins argumentativos ou como expressão da avaliação que o locutor faz de um determinado estado de coisas: Terei eu feito algum mal a Deus?» (Mateus e outros, op. cit., p. 462); «Quem é que não gosta de ir à praia?» (Malaca Casteleiro e outros, op. cit., p. 144).
4. Assim, julgo que não será forçado considerar o exemplo aqui sugerido um enunciado «caracterizado pela dúvida». Já agora, aproveito para abrir um breve parêntesis para dizer apenas que a formulação sugerida pela consulente, «asserção caraterizada pela dúvida», será talvez algo paradoxal, pois o termo «asserção» significa justamente «alegação, afirmação categórica» ou «valor modal de um enunciado, positivo ou negativo, através do qual o enunciador assume validar ou não validar uma relação predicativa e que se opõe a outros valores modais, como dúvida, exclamação, pedido, ordem» (Priberam e Dicionário Houaiss).
Finalmente, penso que valerá a pena dizer o seguinte: desconheço os termos exactos em que terá sido redigida a questão referida pela prezada consulente. Porém, pelo que nos diz, é possível que o enunciado da mesma tenha eventualmente permitido aos alunos uma abordagem mais lata. Isto é, para se poder afirmar, de forma categórica, que a resposta dada pelos alunos em questão («Será que...?) está correcta (ou não), será necessário analisar, em primeiro lugar, a forma como a pergunta foi elaborada: por exemplo, terá sido pedido, apenas, que os alunos transformassem uma asserção em dúvida, fazendo, para isso, «as adaptações necessárias», ou, pelo contrário, ter-se-ão dado coordenadas mais específicas1, com vista à obtenção de uma resposta mais limitada em termos de escopo linguístico. Do meu ponto de vista, caso se tenha optado pela primeira hipótese, penso, pelo exposto, que a resposta dos alunos transcrita pela consulente deverá ser aceite; se a opção foi por algo mais parecido com a segunda solução, julgo que a citada resposta não deverá ser validada, pois, nesse caso, não corresponderá aos pressupostos que terão norteado a pergunta.
1 Partindo das próprias palavras da consulente, ex.: «Reescreva a seguinte asserção, marcada pela certeza, recorrendo a um advérbio, ou a uma expressão modal, por forma a que a mesma possa traduzir uma dúvida. Faça as alterações necessárias.»