Pergunta:
Ao discutir um texto com um amigo, deparei-me com uma frase que para mim não faz sentido: «Ao mesmo tempo que me apetece falar, também apetece-me vêr e ouvir. De gritar e mostrar todas as minhas ideias.» Este de no início da frase não me soa bem, uma vez que o verbo utilizado na anterior é o verbo apetecer e não «ter vontade». Segundo o meu amigo, este texto já foi revisto por uma professora de português que lhe disse que esta situação é possível de acontecer, uma vez que de pode ser usado como reforço de uma ideia e neste caso substituir o verbo. Sempre vi a palavra de como sendo uma preposição e não me faz sentido conjugá-la com o verbo apetecer. É possível esclarecer-me? Obrigada.
Resposta:
De facto, não me parece correta a construção sugerida. Realmente, como bem nota a estimada consulente, de é uma preposição que não se enquadra no enunciado em análise, pois os contextos regenciais do verbo apetecer não o permitem. Assim, a passagem «De gritar e mostrar todas as minhas ideias» carece de um constituinte que a valide, já que, tal como se encontra formulada, no quadro semântico transcrito, parece não fazer sentido. Deste modo, seria expectável, como mais uma vez a consulente refere, que a preposição de fosse antecedida por um constituinte do tipo «tenho vontade de [...]».
Valerá a pena dizer, no entanto, que seria eventualmente aceitável, sobretudo se este se tratasse de um texto de cariz literário, que a preposição de surgisse (tal como realmente acontece) em início de frase, mas nunca, julgo eu, sob o escopo do verbo apetecer. Poderíamos, assim, no limite, aceitar o seguinte enunciado: «Ao mesmo tempo que me apetece falar, também tenho vontade de ver e ouvir. De gritar e mostrar todas as minhas ideias» (naturalmente que o mais comum seria talvez optar pelo uso da vírgula, e não do ponto final, antes da preposição).
Nota: a forma ver não comporta acento circunflexo, e o pronome me, nomeadamente no português europeu e no contexto aqui em análise, deverá ser colocado antes do verbo (neste caso, apetecer), e não depois deste, como se verifica na frase em apreço.