Pedro Mateus - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Pedro Mateus
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Pedro Mateus, licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, Estudos Portugueses e Franceses, pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa; mestrado em Literaturas Românicas, na área de especialização Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea pela mesma Faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria, antes de mais, de felicitá-los pelo excelente trabalho desenvolvido neste sítio. Tenho-me valido muitas vezes dos vossos esclarecimentos a outros consulentes e leio sempre com muito interesse os artigos aqui publicados.

Escrevo para pedir que me expliquem, por favor, que significado possui a preposição a na expressão «às vezes». Procurando a resposta em esclarecimentos anteriores prestados nesta mesma página, li algures que, por vezes, as preposições perdem o seu conteúdo nocional. Será este o caso?

Resposta:

«Às vezes» é uma locução adverbial, com valor temporal, que significa «em algumas ocasiões ou circunstâncias; por vezes» (Dicionário Priberam; Houaiss).

Segundo o Dicionário Houaiss, por exemplo, a referida preposição pode veicular a ideia de tempo (ex.: «A que horas?»), podendo empregar-se «também [...] em locuções adverbiais (ex.: à mão; a máquina; a tempo; ao lado)».

Pergunta:

Queria perguntar se na seguinte frase deveria usar o infinitivo pessoal do verbo sentir sentirmos ou o infinitivo impessoal sentirmo-nos: «Ao lermos um livro, tendemos a sentirmos/sentirmo-nos na pele de uma personagem.» Estou mais inclinada para o infinitivo impessoal, mas ainda assim queria saber a vossa opinião.

Resposta:

Em primeiro lugar, convém referir que ambas as formas verbais elencadas pela consulente se encontram no infinitivo pessoal (Lindley Cintra, Celso Cunha, Nova Gramática do Português Contemporâneo, pp. 391-392) ou infinitivo flexionado (Mateus e outros, Gramática da Língua Portuguesa, p. 440).

Exemplos de infinitivo impessoal ou não flexionado: cantar, vender, partir, sentir.

Deste modo, a diferença residirá no facto de o referido verbo se encontrar (ou não) na sua forma pronominal. De facto, se atentarmos nos dois enunciados, reparamos que, no primeiro caso – sentirmos –, o verbo é usado na forma simples, enquanto, na segunda ocorrência – sentirmo-nos –, é utilizado na forma pronominal (cf. Cintra e Cunha, op. cit., p. 405).

Assim, e no que diz respeito à questão concreta da consulente, direi que, neste enquadramento específico, a formulação correta corresponderá efetivamente à segunda proposta – «Ao lermos um livro, tendemos a sentirmo-nos [= a nós próprios] na pele de uma personagem» (cf. Dicionário Priberam).

Finalmente, valerá a pena dizer que, num outro tipo de enquadramento da mesma frase, seria possível utilizar o referido verbo numa aceção transitiva direta (isto é, verbo + complemento direto), ex.: «Ao lermos um livro, tendemos a sentir(mos) a pele de uma personagem». Porém, neste caso, o valor semântico do enunciado seria, como é fácil de constatar, bastante diferente daquele que ...

Pergunta:

Na frase «Penso que o vício dos livros veio no meu código genético», a palavra genético corresponde a que função sintática?

 

Resposta:

O constituinte «no meu código genético» deverá ser considerado como um todo e classificado sintaticamente como complemento oblíquo (leia-se esta resposta de Sandra Duarte Tavares e veja-se, no Dicionário Terminológico, o Domínio B.4: Sintaxe: Complemento oblíquo).

Pergunta:

Qual a diferença entre as seguintes frases (sintaticamente): «Nós rimo-nos» e «Nós apresentamo-nos»?

Resposta:

Em ambos os casos, verificamos a existência de verbos na sua forma pronominal. Na forma simples, teríamos «Nós rimos» e «Nós apresentamos...».

Em «Nós apresentamo-nos», o pronome oblíquo nos (cf. Lindley Cintra e Celso Cunha, Nova Gramática do Português Contemporâneo, pp. 279-280) é classificado sintaticamente como um complemento direto (= «Nós apresentamo-nos [a nós próprios ou um ao outro]»; em «Nós rimo-nos», o pronome nos não tem caráter obrigatório, servindo essencialmente para introduzir «um sentido mais explícito de zombaria, de troça» (veja-se esta resposta de Edite Prada), ou até de espontaneidade (Celso Luft, Dicionário Prático de Regência Verbal, São Paulo, Ática, 2003). Deste modo, e neste caso concreto, direi que o referido pronome assume a função sintática de modificador verbal (DT, B.4.2. Funções sintáticas).

Pergunta:

Edito um site de variedades cujo nome é Pindaíba. Nele, entre outras coisas, divulgamos vários programas (culturais) gratuitos e baratos.

Ou o correto é: «nele, entre outras coisas, divulgamos vários programas (culturais) gratuitos ou baratos»

Ou o correto é: «nele, entre outras coisas, divulgamos vários programas (culturais) gratuitos e/ou baratos.»

Na dúvida, escrevo: «nele, entre outras coisas, divulgamos vários programas (culturais) gratuitos... e também os baratos.»

Explico a dúvida: não é possível ser ao mesmo tempo gratuito e barato.

Resposta:

Julgo que nas duas primeiras formulações propostas pelo consulente se percebe que o que se pretende dizer é que existem dois tipos de programas culturais, os gratuitos e os baratos, já que, como muito bem se nota, não é possível que o mesmo programa seja, ao mesmo tempo, gratuito e barato.

Deste modo, subentende-se uma elipse: «Nele, entre outras coisas, divulgamos vários programas (culturais) gratuitos e [vários programas] baratos»; «Nele, entre outras coisas, divulgamos vários programas (culturais) gratuitos ou [vários programas] baratos.»

Já a terceira proposta não se me afigura viável, porque nela se admite a hipótese de existirem programas culturais que são simultaneamente gratuitos e baratos, sendo que o recurso à expressão «e/ou» tem justamente como propósito prever uma possível simultaneidade de ações ou de acontecimentos. Atente-se, por exemplo, nas seguintes ocorrências transcritas do Corpus CETEMPúblico: «O adiamento das decisões – acusa a sociedade – resultou de iniciativa de Rui Silva e/ou Estrela Ribeiro.» «Rui Vilar expressou a sua opinião por ocasião da conferência Banca: crise e/ou reestruturação promovida pela revista Nova Economia, que se realizou na terça-feira à noite na Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa.»

Para se evitarem eventuais ambiguidades, eu sugeriria um enunciado do tipo: «Nele, entre outras coisas, divulgamos vários programas (culturais), alguns gratuitos e outros baratos.»