Pedro Mateus - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Pedro Mateus
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Pedro Mateus, licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, Estudos Portugueses e Franceses, pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa; mestrado em Literaturas Românicas, na área de especialização Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea pela mesma Faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual é o campo semântico da palavra dimensão?

Resposta:

Em primeiro lugar, convém referir que o significado da expressão «campo semântico» não é consensual, sendo por isso difícil perceber exatamente o seu escopo.

Carlos Ceia, por exemplo, no E-Dicionário de Termos Literários, chama a atenção para dois ou três aspetos que me parecem ser cruciais para um melhor entendimento do conceito com que estamos a lidar. Nota o referido professor que se «deve evitar a confusão entre campo semântico e campo associativo ou conceptual, porque este não dá conta das relações linguísticas entre os termos considerados. O campo semântico é, pois, toda a área de significação de uma palavra ou de um grupo de palavras. Se quisermos descrever o campo semântico da palavra luva, por exemplo, incluiremos nele todas as possibilidades semânticas como: luvaria, luveiro, assentar como uma luva, atirar a luva, de luva branca, deitar a luva, macio como uma luva».

Por outro lado, será ainda importante ter em conta que «não é possível demonstrar que todo o vocabulário esteja coberto por campos semânticos. A teoria dos campos semânticos tem-se concentrado apenas em alguns grupos bem definidos como as cores, as relações de parentesco, as experiências religiosas, etc.» (Carlos Ceia, E-Dicionário de Termos Literários).

Finalmente, salienta o professor...

Pergunta:

«Corre-se riscos.»

«Correm-se riscos.»

«Riscos são corridos»?

Ou «correr risco» é estar exposto a perigo, a risco, e portanto não é o risco que corre ou que é corrido — a pessoa é que fica exposta ao risco, que corre o risco. Nesse caso, o correto seria «corre-se riscos»!

Resposta:

O tipo de construção que a consulente aqui nos propõe é designado, pela tradição gramatical (Cintra e Cunha, Nova Gramática do Português Contemporâneo, p. 150; Evanildo Bechara, Moderna Gramática Portuguesa, 1999, p. 435), por «passiva pronominal» ou «passiva reflexa». Telmo Móia e João Andrade Peres (Áreas Críticas da Língua Portuguesa, 1995, p. 215) chamam-lhe «construção passiva de clítico», e Mateus e outros (Gramática da Língua Portuguesa, p. 533) preferem o termo «passiva de -se».

Ex.: «Pintaram-se dez salas.»

De acordo com Móia e Peres (secundados por Mateus e outros), «a propriedade sintática que leva a classificá-la [esta estrutura] como passiva é a concordância entre o predicador verbal e um seu argumento interno — no caso, entre o verbo pintar e o sintagma nominal «dez salas». A existência desta concordância, que mostra que o argumento em causa desempenha a função sintática de sujeito, confirma-se facilmente: se colocarmos a expressão nominal no singular e passarmos o verbo para o singular, obtemos uma forma gramatical, ao passo que, se deixarmos o verbo no plural, geramos uma estrutura agramatical:

Ex.: «Pintou-se uma sala»/*«Pintaram-se uma sala» (o asterisco indica a agramaticalidade do enunciado).

Assim, e respondendo diretamente à questão apresentada pela consulente, concluímos que a formulação correta do enunciado proposto será «correm-se riscos».

E, sim, os riscos podem ser corridos: «é agora possível fazer uma ideia mais aproximada da violência do acident...

Pergunta:

Nunca entendi bem porque por (preposição) e pôr (verbo) são homógrafas, pois escrevem-se de forma diferente, a pronúncia é diferente e significado diferente.

Resposta:

Na Infopédia, por exemplo, a questão apresentada pela consulente surge esclarecida, penso eu, de forma bastante clara: «Palavras que possuem forma gráfica igual ou semelhante, mas que se pronunciam de maneira diferente, possuindo também significados diferentes. Por vezes, a alteração reside na acentuação [...], como se pode observar pelos seguintes exemplos — alívio/alivio; cópia/copia; dúvida/duvida; hábito/habito [...]. Noutros casos, as palavras são completamente iguais no que respeita à sua grafia, residindo a diferença no timbre de uma vogal — este (pronome)/ este (ponto cardeal); governo (nome)/ governo (verbo); pregar (cravar pregos) /pregar (dar um sermão).»

Pergunta:

Tenho algumas dúvidas sobre o uso da vírgula.

A respeito do uso de vírgula antes de sim nos exemplos abaixo. O uso está correto? A vírgula poderia ser omitida?

1)«– Quer assistir ao jogo lá em casa?

     – Quero, sim.»

2) «Renata faz, sim, quatro horas de academia por dia.»

Em relação ao uso de vírgula entre as conjunções e e quando.

3) «Fui ao mercado e, quando estava voltando para casa, começou a chover.» /p>

(Neste caso, penso que a vírgula deveria ser obrigatória, pois a oração adverbial temporal está intercalada, porém quase nunca vejo essa vírgula ser usada).

Vírgula em «ou ainda».

O correto é:

4) «Se fizer isso, ele pode ser preso ou ainda, executado.»

Ou

5) «Se fizer isso, ele pode ser preso ou, ainda, executado.» (com vírgula depois de ou).

Resposta:

De acordo com Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, p. 641), a vírgula pode servir «para isolar o aposto, ou qualquer elemento de valor meramente explicativo: Conheço, sim, o cansaço do nosso corpo; A meu pai, com efeito, ninguém fazia falta; Alice, a menina, estava feliz».

Deste modo, nas frases 1) e 2), está correta a colocação das vírgulas, nos moldes propostos.

No enunciado 3), tem razão de ser a observação do estimado consulente, pois, ainda de acordo com os autores citados, p. 644, a vírgula serve igualmente «para isolar as orações intercaladas».

No caso do enunciado 4), diria que a colocação da virgula não se justifica, já que quebra um constituinte que deverá funcionar como um bloco (= «ou executado»).

No que diz respeito a 5), é aceitável a opção sugerida, visto que «ainda» é um elemento não obrigatório na frase (= modificador), acabando por se enquadrar, grosso modo, na explicação sugerida para os enunciados 1) e 2). Ainda no que se refere à frase 5), poder-se-ia igualmente optar pelas seguintes soluções «Se fizer isso, ele pode ser preso, ou, ainda, executado»; «Se fizer isso, ele pode ser preso, ou ainda executado», pois Cintra e Cunha (ibidem, p. 643) referem claramente que a vírgula é usada «para separar orações coordenadas sindéticas, salvo as introduzidas por e: [...] Ou elas tocavam, ou jogávamos os três [...]».

Pergunta:

Tenho bem presente os conceitos de palavras homónimas e homófonas. Sempre considerei as palavras às (preposição) e ás (nome) como homónimas, tendo em conta que a pronúncia e grafia são iguais, no entanto, hoje, num programa de rádio, estas mesmas palavras foram consideradas homófonas, considerando o tipo de acento (grave/agudo) como grafia distinta. Qual a situação correta?

Resposta:

Segundo o Dicionário de Termos Linguísticos, da Associação de Informação Terminológica, homónimo é definido como «cada um dos termos de uma dada língua que têm a mesma forma gráfica ou fónica, mas que designam noções diferentes. Exemplo: saia (substantivo) e saía (forma do verbo sair)». Por outro lado, «uma unidade lexical é homófona de outra, se com ela tiver uma relação de homofonia, isto é, se ambas tiverem a mesma forma fonética e significados diferentes, como acontece, por exemplo, com concelho e conselho, cozer e coser

Deste modo, conclui-se que os vocábulos ás e às estabelecem entre si uma relação de homonímia, tal como a estimada consulente bem nota.