Pedro Mateus - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Pedro Mateus
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Pedro Mateus, licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, Estudos Portugueses e Franceses, pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa; mestrado em Literaturas Românicas, na área de especialização Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea pela mesma Faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria que me esclarecessem as seguintes dúvidas:

Diz-se «Celebrar a missa nas intenções de», ou «Celebrar a missa pelas intenções de»?

Resposta:

De acordo com o sítio oficial do Secretariado Nacional de Liturgia, a expressão correta será «celebrar uma missa por intenção de alguém».

Pergunta:

Gostaria que me esclarecessem as seguintes dúvidas:

Diz-se «Nós, os portugueses,...», ou «Nós, portugueses,...»?

«Eles, os alunos,...», ou «Eles, alunos,...»?

Resposta:

No que diz respeito a estas questões apresentadas pelo consulente, verificamos que, apesar de as duas formulações sugeridas serem corretas, existem, ainda assim, diferenças contextuais que convém valorizar.

Repare-se que as opções «Nós, os portugueses,...» e «Eles, os alunos,...» são, do meu ponto de vista, mais abrangentes do que «Nós, portugueses,...» e «Eles, alunos,...».

Imaginemos, por exemplo, os seguintes enunciados:

1. «Eles, os alunos desta escola, são mais trabalhadores do que os alunos da outra escola.»

2. «Eles, alunos desta escola, são mais trabalhadores do que os alunos da outra escola.»

3. «Nós, portugueses, somos muito patriotas.»

4. «Nós, os portugueses, somos muito patriotas.»

Se atentarmos nas quatro frases propostas, sem prejuízo de outras eventuais interpretações, reparamos que 1 e 4, que contêm o artigo/determinante definido os, tendem a abranger, respetivamente, o universo de todos os alunos daquela escola, e o universo de todos os portugueses (= «O povo português é muito patriota»).

Os enquadramentos 2 e 3 parecem inclinar-se mais, respetivamente, para apenas uma parte do universo total da escola (= «Eles, [que são] alunos desta escola, são mais trabalhadores do que os alunos da outra escola»), e para apenas uma parte do universo total dos portugueses (= «Nós, [que somos] portugueses, somos muito patriotas»). Neste caso, creio, a referência do enunciado não será tanto «o povo português», mas, sim, um eventual grupo de pessoas portuguesas.

É evidente que podemos eventualmente conceber um tipo específico de enquadramento em que as formulações d...

Pergunta:

Tenho algumas questões a respeito do correto uso de algumas palavras próprias da minha área de estudo, a biologia.

Qual a correta distinção entre os termos procariota, procarionte e procariótico?

São utilizados pelos meus professores de forma aparentemente arbitrária.

Resposta:

Os termos procariota — «do grego pró-, "antes de; em vez de"+ káryon, "noz; núcleo", pelo francês procaryote (Infopédia e Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora) — e procarionte são apresentados, na generalidade das obras consultadas, como nomes masculinos [e adjetivos (Vocabulário Ortográfico do Português)] sinónimos (Dicionário Priberam).

Por sua vez, a palavra procariótico encontra-se registada no Vocabulário Ortográfico do Português e na Infopédia como adjetivo.

Pergunta:

Gostaria que me explicassem o uso do travessão e da vírgula nesta frase retirada de um concurso público:

«Em metade dos municípios brasileiros, os detritos são despejados em lixões – pontos clandestinos, ou quase, em que tudo é jogado e nada é tratado, ameaçando a saúde dos catadores e da população em geral com a contaminação do solo e dos cursos de água.»

Eu imaginava que o deveria haver duplo travessão em: «(...) em lixões – pontos clandestinos, ou quase –, em que tudo é jogado e nada é tratado (...).»

O gabarito está afirmando que a frase anterior está correta. Qual é a explicação para este uso da pontuação?

Resposta:

De acordo com Lindley Cintra e Celso Cunha, Nova Gramática da Língua Portuguesa, pp. 662-663, «o travessão emprega-se principalmente em dois casos:

1.º) para indicar, nos diálogos, a mudança de interlocutor [...]

2.º) para isolar, num contexto, palavras ou frases. Neste caso, em que desempenha função análoga à dos parênteses, usa-se geralmente travessão duplo [...]».

Porém, e ainda no mesmo instrumento linguístico, é também salvaguardado o seguinte:

«Mas não é raro o emprego de um só travessão para destacar, enfaticamente, a parte final de um enunciado [...]» e «às vezes, para dar maior realce a uma conclusão, que representa a síntese do que se vinha dizendo, usa-se o travessão simples em lugar dos dois-pontos [...].»

O excerto proposto, retirado da edição especial de 11 de dezembro de 2011 da revista brasileira Veja, poderá enquadrar-se, do meu ponto de vista, nesta última possibilidade, isto é, o travessão simples é usado em substituição dos dois-pontos, como forma de destaque.

Resta-me dizer que a opção pelo travessão duplo, sugerida pelo caro consulente, seria igualmente viável no contexto em análise.

Pergunta:

A dúvida sobre a aplicação dos termos perfusão e infusão já foi colocada, mas a resposta não é totalmente esclarecedora no que diz respeito às bombas de insulina, utilizadas para tratamento da diabetes.

Inclino-me para o referido no Dicionário de Termos Médicos

Embora a raiz latina permita ambas as interpretações, parece-me que perfundir indica mais o conceito de passagem por estrutura oca (por exemplo, vaso ou túbulo) enquanto infundir ilustra mais o conceito de infiltração/difusão em tecidos como realmente ocorre na administração de insulina através das bombas habitualmente disponíveis.

Na literatura anglo-saxónica, ambos os termos são utilizados (por vezes indistintamente), e terão origem latina como os portugueses, no entanto a designação Continuous Subcutaneous Insulin Infusion (CSII) está inequivocamente consagrada.

Claro que também há bombas de insulina que fazem a administração endovascular, tecnicamente mais complexa e exigente, e essas, sim, seriam perfusoras.

Considerando o exposto, creio que infusão seria o termo preferencial, embora perfusão não seja incorrecto.

Será admissível esta interpretação?

Resposta:

Tendo em conta que a resposta de Carlos Marinheiro me parece suficientemente lata e exaustiva no que diz respeito às diversas aceções das referidas palavras em instrumentos linguísticos e especializados de referência, acrescentarei o seguinte, com o intuito de tentar apenas burilar alguns aspetos:

No Oxford Concise Medical Dictionary, podemos ler o seguinte:

«Perfusion: The process of passing through an organ or tissue a fluid, esp. treated blood or a substitute for blood [...]»1

«Infusion: spec. in Surg. Injection [...]»2

Posteriormente, ainda no referido dicionário, é citada, como exemplo do uso do vocábulo infusion (em termos médicos, naturalmente), a seguinte passagem do Lexicon of Medicine & Allied Sciences (SAUS), de 1886:

«In Surgery, the act of introducing medicinal substances into the veins by means of the Infusor, or into these or other cavities, or into the parenchyma of organs, by hydrostatic pressure.»3.

Por outro lado, no sítio oficial da empresa farmacêutica Roche Portugal, verificamos que o termo técnico usado para descrever as referidas bombas de insulina é justamente «bomba infusora de insulina», o que nos remete, portanto, na linha do sugerido pelo estimado consulente, para a ideia de...