Nuno Carvalho - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Nuno Carvalho
Nuno Carvalho
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Investigador do ILTEC; foi leitor de Português na Universidade de Oxford (2001-2003).

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Sou aluna do último ano da Faculdade de Letras de Lisboa (Estudos Germanísticos) e na disciplina de Linguagem e Comunicação surgiram temas para uma apresentaçao de trabalho; num leque de propostas surgiu o tópico de eufemismos. Gostaria de elaborar um trabalho que me pareçe pertencer a esta categoria, no entanto desconheço a designação para os seguintes "fenómenos":


1. "criadas" passa para "empregadas" e depois para “auxiliares de apoio doméstico”.
2. "contínuas da escola" para “auxiliares de acção educativa”.
3. "operários" passam a ser chamados de “colaboradores”.
4. "operador de call-center" passa para "supervisor de telecomunicações".
5. "segurança" passa a ser "responsável pela integridade humana" 

etc. (existem muitos outros exemplos que não me ocorrem neste momento, mas julgo ter sido explícita com estes exemplos).

Ou seja, quando uma determinada expressão, palavra ou designação existente no nosso vocabulário "sofre" uma actualização e mudança de forma a que a mesma palavra receba uma nova conotação mais "embelezada" e pomposa.

Aguardo resposta.

Resposta:

O Novo Dicionário Aurélio Eletrônico diz que eufemismo é o «ato de suavizar a expressão duma idéia substituindo a palavra ou expressão própria por outra mais agradável, mais polida». Ora, esta é uma definição muito próxima da que a consulente dá aos fenómenos que apresenta.

Podemos, claro, discutir qual é a «palavra ou expressão própria» nestes casos, se a nova, se a antiga denominação de cada profissão, e se esta actualização das denominações corresponderá ou não a uma actualização da própria profissão. No entanto, aceitando que se trata de designações novas para realidades conhecidas, assiste-se em todos estes casos à substituição de palavras que começaram a ter uma conotação mais ou menos pejorativa por outras em que essa carga negativa não é sentida. Nesse sentido, parece-me correcto afirmar que se trata de casos de eufemismos.

Pergunta:

No texto de Carlos Reis sobre o Acordo Ortográfico: para além de Portugal afirmou-se que «Escrevemos “pronto” (e já não “prompto”), mas parece que alguns resistem em passar a escrever “perentório” em vez de “peremptório”, usando ainda aquele “p” (que ninguém pronuncia) bem à vista.» Talvez ninguém diga "peremptório" em Portugal, mas fazemo-lo no Brasil, já que lemos, de forma geral, todas as letras que a nossa ortografia prevê.

Resposta:

É verdade que actualmente existe esta diferença entre a ortografia do português europeu e a ortografia do português do Brasil: a norma ortográfica brasileira prevê o uso de perentório, ao passo que a lei ortográfica portuguesa prevê peremptório. É também verdade que em Portugal se notam algumas reservas quanto à possível aplicação do novo acordo ortográfico, que está neste momento em discussão e que, em caso de aprovação — que apesar das reservas não parece estar neste momento em risco —, levará a que se escreva perentório nas duas variedades, como podemos ler na alínea b da Base IV do referido Acordo:

«Quando, nas sequências interiores mpc, mpç e mpt se eliminar o p de acordo com o determinado nos parágrafos precedentes, o m passa a n, escrevendo-se, respetivamente, nc, e nt: assumpcionista e assuncionista; assumpção e assunção; assumptível e assuntível; peremptório e perentório, sumptuoso e suntuoso, sumptuosidade e suntuosidade

Se bem percebo, aquilo que o caro consulente diz é que o facto de uma letra aparecer escrita faz com que as pessoas ...

Pergunta:

Na frase «Porque proíbem os meninos de brincar no jardim?», não deveria escrever-se «aos meninos»?

A meu ver, o sujeito é «eles» ou «vocês», que está elidido, o complemento directo é «de brincar no jardim», e o complemento indirecto é «os meninos», porque proibimos uma coisa, neste caso, «brincar no jardim» (complemento directo) a alguém, neste caso «os meninos» (complemento indirecto) portanto deveria levar preposição.

Se a frase estiver correcta, simplesmente com mudar de lugar «os meninos», teríamos uma frase diferente: «Porque os meninos proíbem de brincar no jardim?» Nesta última frase, «os meninos» é o sujeito.

Resposta:

O verbo proibir permite duas construções diferentes no que diz respeito aos seus complementos:

1. proibir algo a alguém

2. proibir alguém de algo

No primeiro caso, temos algo como objecto directo (proibi-lo a alguém) e a alguém como objecto indirecto (proibir-lhe algo).

No segundo caso, temos alguém como objecto directo (proibi-lo de algo) e de algo como complemento preposicional, uma vez que é introduzido pela preposição de. É o que acontece com a frase que o consulente apresenta: «Porque proíbem os meninos de brincar no jardim?» «Os meninos» é o objecto directo («Porque os proíbem de brincar no jardim») e «de brincar no jardim», o complemento preposicional.

Quanto à questão «não deveria ser aos meninos?», vale a pena referir o Dicionário Prático de Regência Verbal, de Celso Pedro Luft (Editora Ática, 1987), que na página 420 diz o seguinte: «A variação regencial proibir-lhe algo ou proibi-lo de algo pode dar o cruzamento proibir-lhe de algo, construção rara, destoante e desaconselhável  em nível culto formal.»

Pergunta:

Na frase «O menino precisava de roupas novas», qual é a função sintáctica desempenhada por «de roupas novas»?

Resposta:

Nesta frase, «de roupas novas» é um constituinte seleccionado pelo verbo precisar. Uma vez que é introduzido por uma preposição, mas não pode ser substituído pelo pronome lhes(s), tem a função sintáctica de complemento preposicional.

Pergunta:

Explicitassem, de forma clara, a distinção entre os determinantes possessivos na 3.ª pessoa do singular e os determinantes possessivos na 3.ª pessoa do plural, tendo em conta que são "iguais", mas apresentam diferentes possuidores. De que forma posso proceder a uma distinção clara entre ambos, através de exemplos.

Muito obrigada.

Resposta:

Os determinantes possessivos de terceira pessoa são:
seu
sua
seus
suas

Como em português, estes determinantes concordam com a coisa possuída (que é o nome que se lhes segue), e não com o(s) possuidor(es), não sabemos se há apenas um possuidor ou se há mais, quando não nos é dado o contexto. Assim, uma frase como «Estes são os seus livros» poderá significar:

«Estes são os livros dele(a).»
«Estes são os livros deles(as).»
«Estes são os livros do(a) senhor(a)/de você.» (Ou seja, do(a) interlocutor(a) — os pronomes de terceira pessoa são também usados para designar a pessoa com quem se está a falar — 2.ª pessoa — quando a forma de tratamento não é tu.)

A única forma de os distinguir será, pois, não os utilizar e escolher as formas dele, dela, deles, delas — que não são consideradas determinantes ou pronomes possessivos, mas contracções  da preposição de (que designa posse) com os pronomes pessoais ele, ela, eles, elas — tal como são usadas nas frases acima.