Pergunta:
Diz o Cíber em 01/10/2008
«... numa frase como: "Ele disse muitas asneiras, o que não convém que se saiba", "o que" desempenha na frase a função de objecto directo do verbo saber...»
«... o constituinte objecto directo é composto pelo pronome que e pelo determinante o que o acompanha.»
Nuno Carvalho :: 01/10/2008
Digo eu:
— Trata-se do sujeito da oração completiva ou integrante que se saiba, uma vez que estamos perante uma passiva de se (partícula apassivante).
Comentário:
Reconheço que alguns analistas falam dum se indefinido — e talvez, nalgumas situações, se possa vislumbrar vaga hipótese da existência de tal categoria. Mas... não neste caso.
Se fosse professor de Latim, aquele colega consultor teria de sancionar como errado o caso acusativo (complemento directo) e validar, exclusivamente, o nominativo, que é o caso do sujeito.
Resposta:
Agradeço a sua questão, caro consulente. Deixe-me dizer-lhe que toca no ponto fulcral: «o que» é o objecto directo da oração completiva se interpretarmos o «se» de «que se saiba» como impessoal.
Quanto às suas reservas acerca da existência de um se impessoal, e também ao que diz sobre o Latim, remeto-o para um artigo de Ana Maria Martins, investigadora da Universidade de Lisboa que se dedica ao estudo da história da língua, chamado Construções com se: mudança e variação no português europeu (que pode encontrar aqui). Neste artigo, de que retiro um excerto, a autora mostra a evolução das construções com se e a emergência do se impessoal na Idade Média:
«No final do período medieval manifesta-se uma nova mudança que afecta as estruturas com se, incrementando a sua diversidade. Como mostram Naro (1976), para o português, e Lapesa (1981, 2000), para o espanhol, surgem a partir do século XV e tornam-se mais frequentes no século XVI frases como (4)-(5), sem concordância entre o verbo e o seu argumento interno, evidenciando a emergência de estruturas activas em que se, e já não o argumento interno do verbo, se encontra associado à posição de sujeito.
(4) As outras cousas da grandeza desta terra e do seu governo e costumes se guarda pera os livros de geografia (séc. XVI. Rodrigues 1913: 177)
(5) en el pueblo (...) se falla e deue fallar diversos linages e condiçiones (séc. XV. Lapesa 2000: 813)
As frases (4) e (5) são exemplificativas da construção de se impessoal nascida de um processo de reanálise da construção de se passivo. O carácter activo da nova construção m...