Miguel Moiteiro Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Miguel Moiteiro Marques
Miguel Moiteiro Marques
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Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas (Estudos Portugueses e Ingleses) pela Faculdade Letras da Universidade de Lisboa e mestrando em Língua e Cultura Portuguesa na mesma faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na frase a seguir, a conjunção nem foi bem empregada? Não deveria ligar orações de igual natureza, no caso, negativa (não... nem)?

«Como eles se convenceram de que este novo federalismo fiscal será indolor nem implicará austeridade, ninguém percebe.»

Resposta:

Tal como refere a consulente, o uso da conjunção nem não está correto. Esta conjunção deve ocorrer após uma oração ou elemento oracional negativados, o que não acontece neste caso, apesar do sentido que a palavra indolor poderá ter de que «não haverá dor».

Assim, não havendo o elemento negativado anterior, a frase deveria ficar «Como eles se convenceram de que este novo federalismo fiscal será indolor e não implicará austeridade, ninguém percebe» ou « […] não será doloroso nem implicará austeridade, ninguém percebe».

Pergunta:

Deve dizer-se «fauna e flora marinha», ou «fauna e flora marinhas»?

Após consulta da gramática de Celso Cunha e Lindley Cintra, sobre a concordância do adjetivo com o substantivo, pode ler-se:

1. Se os substantivos são do mesmo género e do singular, o adjetivo toma o género (masculino ou feminino) dos substantivos e quanto ao número vai:

a. Para o singular (concordância mais comum):

Estudo a língua e a literatura portuguesa.

b. Para o plural (concordância mais rara):

Estudo a língua e a literatura portuguesas.

Portanto, entendo que pode dizer-se das duas maneiras, sendo a primeira a mais comum. Todavia, sendo fauna e flora nomes colectivos não contáveis, que não aceitam plural, não estará apenas a segunda correta?

Resposta:

Embora possamos admitir que, em termos semânticos, a ideia de coletivo pode ser mais evidente em fauna e flora, não podemos também afastar a noção de conjunto (ou de nome coletivo) do exemplo dado por Cunha e Cintra na Nova Gramática do Português Contemporâneo. Na frase em questão, literatura é o «conjunto de obras literárias de reconhecido valor estético», e língua é o «sistema de representação constituído por palavras e por regras que as combinam em frases que os indivíduos de uma comunidade linguística usam como principal meio de comunicação e de expressão, falado ou escrito» (Dicionário Houaiss).

Deste modo, causa-me igual estranheza dizer «fauna e flora marinha» como «língua e literatura portuguesa», excepto quando surgem como matérias de currículos académicos.

Pergunta:

A frase «Apresentar caução no valor de 100,00 €, incluindo IVA à taxa legal em vigor» significa que o valor a apresentar é de 100,00 €, ou de 100,00 mais a taxa de IVA?

Resposta:

Embora a frase possa parecer ambígua, levando a pensar que deveremos apresentar a caução e, ato contínuo, adicionar o montante relativo à taxa de IVA, a verdade é que incluir não pode ser tomado como sinónimo de acrescentar ou adicionar. Incluindo deverá será parafraseado por abrangendo, integrando ou contendo.

Assim, a referência feita pela frase é de que, no valor a pagar, o IVA está incluído, por oposição às formas habitualmente usadas nos casos em que não se inclui IVA, como aquela que o consulente apresenta ou, por exemplo, «apresentar caução no valor de 100,00 €, acrescida da taxa de IVA em vigor».

Pergunta:

Gostaria de saber como se lê a palavra caracterizar.

Resposta:

O Portal da Língua Portuguesa apresenta duas grafias para caracterizar, cada uma baseada em duas formas diferentes de pronunciar a palavra:

1) caracterizar (pronunciando-se a consoante);

2) caraterizar (em que a consoante é muda e, como tal, não é grafada).

Consequentemente, parece ser possível pronunciar esta forma verbal das duas maneiras. Uma vez que a consulente escreveu caracterizar, pressuponho que pronuncie a consoante; poderá continuar a fazê-lo e a escrevê-la com c em concordância com essa pronúncia da palavra.

Pergunta:

Apesar de encontrar no dicionário o termo intervenção e o termo intervencionado, não encontro uma forma verbal intervencionar, mas apenas o verbo intervir. Quando é correcto usar o termo intervencionar?

Resposta:

Encontrámos a forma verbal intervencionar aqui, a qual está também atestada no vocabulário do Portal da Língua Portuguesa, onde pode verificar como é conjugado este verbo. Contudo, não encontrámos o seu significado descrito nos dicionários ao nosso dispor. Sem conhecer uma fonte que indique a etimologia e o significado do verbo, poderemos aventar algumas ideias sobre o uso correto desta palavra.

As palavras que estão mais próximas do verbo em questão são o nome intervencionismo e o adjetivo intervencionista. Segundo o Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, ambos derivam por sufixação do termo latino interventio (intervenção) e estão relacionados com uma forma específica de intervenção: «uma interferência do Estado ao nível político ou económico; uma interferência de um ou vários Estados na política de outro ou no conflito entre nações; uma ingerência de um ou mais Estados nos negócios internos ou na política externa de outro; ou uma ingerência militar».

Se considerarmos que intervencionar é um enriquecimento lexical recente derivado por sufixação de intervencionismo, poderemos concluir que quando «alguém intervenciona» está a realizar um tipo de intervenção específico, nomeadamente uma interferência ou uma ingerência.

Será, então, adequado dizer «Ele inte...