Miguel Moiteiro Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Miguel Moiteiro Marques
Miguel Moiteiro Marques
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Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas (Estudos Portugueses e Ingleses) pela Faculdade Letras da Universidade de Lisboa e mestrando em Língua e Cultura Portuguesa na mesma faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Estou neste momento a estudar o código da estrada (para tirar a carta de condução) e ao responder a um teste de preparação (composto pelas mesmas perguntas que podem constar num exame) deparei-me com uma pergunta que julgo que contém um erro de português. A pergunta é muito simples, sobre a condução sob o efeito de álcool, e qualquer pessoa deve conseguir responder, mesmo sem estudar o código. Tenho a certeza de que ela está incorrecta, mas gostaria de ter a confirmação de alguém com autoridade. A questão do teste era a seguinte:

A ingestão de bebidas alcoólicas pode provocar no condutor um falso estado de euforia e confiança, o que o leva a:

a) Conduzir com maior segurança.

b) Necessitar de menos tempo para reagir.

c) Sobrevalorizar as suas capacidades e minimizar o risco de acidente.

A resposta correcta, segundo o teste, é a terceira. Mas parece-me que, ao completarmos a frase com a terceira opção, estamos a dizer que o álcool, além de levar o condutor a sobrevalorizar as suas capacidades, leva-o a minimizar o risco de acidente; o que, obviamente, é falso. Queria então saber se a resposta c) diz ou não aquilo que quem elaborou a pergunta pretende que diga.

Já agora, pergunto também se a resposta a) não poderia estar certa, por implicar que o condutor conduz com maior segurança de si próprio (e não segurança rodoviária).

Resposta:

Tem razão o consulente ao considerar que o sentido imediato da frase c) é de que o consumo de álcool leva o condutor a minimizar o risco de acidente, uma vez que o verbo minimizar, conforme indica o Dicionário Houaiss, significa «reduzir ao mínimo». Só que, ainda de acordo com esta fonte, minimizar tem também o sentido figurado de «considerar ou fazer que considera de menor importância», podendo ser utilizado em frases como «O governo minimizou as perdas e valorizou os ganhos» com o sentido de que o governo não deu importância às perdas, subvalorizando-as. Neste sentido, a frase c) indicaria que «o condutor sob o efeito do álcool sobrevaloriza as suas capacidades e subvaloriza o risco de acidente».

De todo o modo, prestando-se a frase em questão a ambiguidades, o verbo deveria ser substituído por outro (p.ex. menosprezar ou subavaliar), sobretudo dado o contexto de exame que exige rigor e precisão da parte de quem responde.

Quanto à resposta a), a ambiguidade sugerida pelo consulente não é tão evidente e parece bem formulada a frase do exame. A noção de estar seguro de si próprio só poderia ser confundida com segurança rodoviária se a frase fosse menos específica, por exemplo «conduzir seguro».

Pergunta:

O verbo chegar pede a preposição a em «Cheguei a casa». Quais as outras preposições que rege o verbo chegar? Gostaria de um exemplo com a preposição de.

Resposta:

Outras preposições que podem ser usadas com o verbo chegar são para e de, havendo casos em que não se usa preposição e outros em que a preposição a tem um significado diferente de «atingir um lugar», como foi apresentado pela consulente.

Com a preposição de:

a) nos casos em que se pretende dar a noção de proveniência, como no caso do verbo vir:

1) «Eu cheguei de S. Paulo atrasado para a reunião.»

b) para indicar que algo é suficiente, com o sentido impessoal do verbo bastar:

2) «Chega de promessas, queremos mais ações!»

Com a preposição para:

a) com o sentido de «ser suficiente»:

3) «O dinheiro chega para o almoço.»

b) com o sentido de aproximar algo:

4) «Chega a cadeira para a mesa.»

Com a preposição a:

a) para indicar uma posição ou um estado:

5) «A nave espacial chegou a um ponto de não retorno.»

6) «Os sindicatos não chegaram a acordo com o governo.»

b) com o sentido de «ser suficiente»:

Pergunta:

As seguintes palavras são palavras parónimas?

Crica: aparelho sexual das mulheres (calão)

Carica: cápsula de algumas bebidas engarrafadas, que se costuma remover com a ajuda de um abre-cápsulas.

Resposta:

Não creio que se possa considerar estas duas palavras parónimas (palavras diversas na significação que têm a pronúncia tão aproximada, que facilmente se podem confundir). Mesmo a uma velocidade de produção rápida (ritmo de fala acelerado), julgo que o núcleo da sílaba ca- da palavra carica será preservado ao nível fonético.

A supressão de vogais entre consoantes ocorre no português europeu com a vogal [ ɨ ] (como o primeiro e em pequeno), a partir do recuo das vogais átonas / e / e / ɛ /, em palavras como pequeno [pkenu], telefone [tlfɔn] ou mesmo despregrar [dʃpɾgaɾ] (ver Mira Mateus, Gramática da Língua Portuguesa, pp. 1016 e 1043). O caso apresentado pelo consulente não se confunde, por isso, com este.

Por isso, na minha opinião, a produção rápida de carica não provoca a supressão da primeira vogal e consequente supressão da sílaba, o que levaria a uma sequência de duas consoantes como ataque de uma eventual sílaba cri-, resultando em

Pergunta:

A palavra denim existe, de acordo com o dicionário da Academia das Ciências?

Resposta:

A palavra denim é o vocábulo inglês para referir ganga, um «tecido de algodão, forte e resistente, em geral azul ou amarelo, usado na confeção de diversos tipos de vestuário» (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa). Como tal, não faz parte do vocabulário da língua portuguesa, ainda que possa ser usada, tal como outros termos estrangeiros, como marca de produtos, por exemplo.

Pergunta:

Estudo português e tenho dúvidas na hora de usar estar ou ficar. Quando posso usar esses dois verbos sem alterar o sentido? Os dois verbos têm sentidos diferentes, ou aproximados?

Resposta:

O único caso em que podemos usar alternadamente os verbos estar e ficar é para localizar edifícios e localidades no espaço.

1) «O hospital está ao lado do hotel.»

2) «O hospital fica ao lado do hotel.»

Nos restantes casos, os dois verbos têm sentidos diferentes, pelo que não é possível substituir um pelo outro sem alterar, mesmo que ligeiramente, o significado da frase.

Entre outros usos, o verbo estar serve habitualmente para referir estados (incluindo meteorologia) ou localizações (tempo e espaço).

1) «Estou feliz com a notícia.»

2) «Ele não veio trabalhar porque está doente.»

3) «Está frio.»

4) «Nós estamos em casa.»

5) «A bagagem está no aeroporto de Lisboa.»

6) «Estamos em janeiro.»

O verbo ficar também pode reportar estados e localizações, mas tem subjacente uma ideia de permanência ou de mudança não planeada, eventualmente súbita.

a) «Fico feliz com a notícia.»

(O meu estado mudou para «feliz» ao receber a notícia inesperada.)

b) «Ele não veio trabalhar porque ficou doente.»

(Ele planeava trabalhar, mas o estado de saúde mudou para «doente».)

c) «Ficou frio.»

(Estava um tempo agradável e, sem se prever, a temperatura ficou baixa.)

d) «Nós ficamos em casa.»

(Iremos permane...