Miguel Moiteiro Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Miguel Moiteiro Marques
Miguel Moiteiro Marques
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Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas (Estudos Portugueses e Ingleses) pela Faculdade Letras da Universidade de Lisboa e mestrando em Língua e Cultura Portuguesa na mesma faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual a diferença entre cópia, falsificação, imitação e contrafação?

Porque é que dizemos que um CD é uma cópia deste, mas uma jóia é uma falsificação? Porquê que dizemos roupa de contrafação e não de imitação? A atribuição destes nomes depende do objecto que identificam?

Resposta:

As palavras que o consulente apresenta fazem parte do mesmo campo lexical e, por isso, permitem ao falante optar por uma ou outra com vista a realçar um traço semântico do enunciado.

Começando pelo termo com um escopo mais alargado, imitação é a «reprodução, o mais exato possível, de algo». O termo é usado na filosofia, nas artes, na literatura, na música, nas ciências naturais, sociais e económicas, etc. Também com um sentido mais alargado temos cópia, definida como «reprodução de um original (texto, gravura, filme, fita etc.) obtida por meio de qualquer processo de impressão, de reprografia, de gravação fonográfica, de fotografia etc.» (Dicionário Houaiss).

A distinção entre imitação e cópia pode ser, por si só, um debate, e no caso em questão não parece ser relevante ir além da noção tradicional (platónica) de que a imitação é um processo de reprodução menos exato do que a cópia (sobre este particular assunto, veja-se o uso dos dois termos nestes artigos sobre a filosofia de Platão: O Estatuto Ontológico da Imagem no Sofista de Platão e Mimesis e Personagem Dramática). Por isso, dizemos «Fiz uma cópia do CD» e não «Fiz uma imitação do CD». Aquilo que deveremos ter em conta é que as duas palavras não têm traços semânticos como [+ ilegal], por exemplo, e apenas o contexto do enunciado distinguirá uma cópia ilegal de um CD de uma cópia legal de uso pessoal.

Ao usarmos a palavra <...

Pergunta:

Gostaria de saber como fica na passiva a seguinte frase ativa:

«O rapaz exprimiu o desejo de partir.»

Resposta:

Na passiva, a frase deverá ficar «O desejo de partir foi expresso pelo rapaz».

O verbo exprimir é um verbo abundante, com duplo particípio: (tinha) exprimido e (foi) expresso. Este último particípio é “partilhado” com o verbo expressar, sinónimo de exprimir segundo o Dicionário Houaiss, e tem os seguintes particípios: (tinha) expressado e (foi) expresso.

Pergunta:

Como designar a selecção angolana: «os palancas negras», ou «as palancas negras» (sendo palanca um nome feminino)?

Resposta:

Na base do epíteto dado à seleção angolana — a palanca é um género de antílope, sendo a palanca-negra uma espécie particular — está um nome epiceno, ou seja, um nome que dispõe de um único valor de género, qualquer que seja o sexo da entidade referida. Referindo nós um grupo de jogadores do sexo masculino, poderá ser considerado natural que a apropriação metafórica do nome palanca seja antecedida do artigo definido os para marcar o género dos jogadores da equipa. Nesse sentido, temos também «o pantera negra», referente à antiga estrela do futebol português Eusébio, em vez de «a pantera negra». Ao nível linguístico, poder-se-ia argumentar que quando há um uso metafórico de um nome epiceno — nomes que têm os traços [+ ser animado] e [- humano] — este será antecedido de um determinante que concorda com a entidade a que remete e que altera o traço [- humano] em [+humano]. 

Contudo, esta proposta esbarra em exemplos nos quais não há concordância entre o artigo e o referente externo da metáfora: «Rommel, a raposa do deserto» (e não «o raposa», nem «raposão»), ou «as águias», seja como referência ao clube português Benfica, como nesta notícia, ou como referência ao nome de guerra da seleção nigeriana Super Águias (Super Eagles), como se lê nesta notícia

Para complicar, não só poderemos ter «as águias», como também «os águias». Exemplos s...

Pergunta:

Gostaria de saber se está correcto o uso do vocábulo comunzíssimo para nos referirmos a algo bastante comum.

Resposta:

A forma correta do grau superlativo do adjetivo comum é comuníssimo (cf. Portal da Língua Portuguesa), tal como nos especifica a Nova Gramática do Português Contemporâneo (Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 259), de Cunha e Cintra, para os casos dos adjetivos «terminados em vogal nasal (representada por -m gráfico) [que] formam o superlativo em -níssimo: comum/comuníssimo».

A proposta apresentada pelo consulente parece ser um paralelo daquilo que acontece com os denominados sufixos z-avaliativos (p. ex.: -zinho, -zito, -zão), casos em que a consoante [z] parece surgir como elemento de ligação entre a forma-base e o sufixo, mas em que, na verdade, temos um tipo de sufixo distinto dos sufixos avaliativos como -inho, -ito, -ão (conforme refere Alina Villalva sobre sufixação avaliativa em Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa, p. 958). A principal diferença entre os dois tipos de sufixos é que os z-avaliativos se associam a palavras (1), enquanto os avaliativos se ligam a radicais (2).

1) livrozito

    homenzarrão

    sabonetezinho<...

Pergunta:

Peço o favor de me informarem qual a expressão correcta:

– «advertir (alguém) que»;

– «advertir (alguém) de que».

Agradeço a atenção, e congratulo o Ciberdúvidas pelo seu precioso contributo para a língua portuguesa e seus falantes.

Resposta:

As duas formas são possíveis. Na formação de frases com uma oração subordinada, poderemos usar as preposições de e para com frases finitas (1 e 2) e as preposições a e para com frases não finitas (3 e 4).

1) «Ele advertiu o patrão de que não iria ao trabalho.»

2) «Os pais advertiram o filho para que estudasse mais.»

3) «O advogado advertiu a cliente a apresentar queixa.»

4) «O médico advertiu o paciente para não beber álcool.»

Segundo o Dicionário Gramatical de Verbos Portugueses (org. Malaca Casteleiro), «nas construções que admitem frases finitas, as preposições podem ser omitidas». Tal parece acontecer sobretudo quando o objeto direto não está realizado, como em 5 e 6:

 

5) «Ele advertiu [o patrão] [de] que não iria ao trabalho.»

6) «Os pais advertiram [o filho ] [para] que estudasse mais.»

Agradecemos as suas palavras de apreço e esperamos ter respondido à sua dúvida.