Maria Regina Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Li em um texto científico que a palavra sexualidade só começou a constar dos dicionários em Espanhol em 1974; como eu poderia descobrir quando esta palavra teve aceitação oficial em Português?

Sou mestrando em Ciências da Religião na PUC/SP e esta resposta é muito importante para minha dissertação de mestrado. Agradecerei muito a resposta.

Resposta:

Para descobrir quando é que uma palavra tem aceitação oficial em Português, tem de consultar os dicionários, os vocabulários, os prontuários, dos mais recentes para os mais antigos, até verificar qual o seu primeiro registo. Os dicionários etimológicos são essenciais para, no início da pesquisa, verificar se a palavra provém do Latim ou de outra língua ou se foi já formada no Português por derivação ou composição.

Naturalmente que o registo nos dicionários é posterior à primeira utilização dessa palavra por autores credenciados.

Um dicionário que lhe poderá ser útil para este tipo de pesquisa é o Dicionário da Língua Portuguesa, de António de Morais Silva, dicionário esse que, até 1949, teve as seguintes edições, sempre acrescentadas: 1789 (a partir do dicionário composto pelo padre D. Rafael Bluteau), 1813, 1823, 1831, 1844, 1858, 1877-78, 1890, s/d, 1949. Nesta data, já este dicionário se chama de Grande Dicionário da Língua Portuguesa (12 volumes, 12 278 páginas e 306 949 vocábulos). Posteriormente, surge o Novo Dicionário Compacto da Língua Portuguesa (5 volumes, 1.ª ed. - 1961, 2.ª ed. - 1980, 3.ª ed. – 1987), da Editorial Confluência.

Outros dicionários a referir podem ser os de Antenor Nascentes e de

Pergunta:

Como se explica a pronúncia de palavras como sequestro, tranquilo e outras, quando se aprende desde a primária que: quo e qua = quociente e quadrado e qui e que = ki e ke, como em quimera e queque?

Resposta:

Aprendeu na escola primária, e muito bem, que a semivogal u /w/ do grupo qu se pronuncia quando seguida das vogais a ou o, não acontecendo tal quando as vogais que se lhe seguem são o e ou o i.

Esta é efectivamente a regra da pronúncia deste grupo.

A justificação assenta na etimologia e evolução das palavras.

Na evolução do Latim para o Português, essa semivogal u /w/ normalmente desaparece, absorvida pela vogal seguinte, reduzindo-se o q a c. Por exemplo: quadragesima- > quaresma > coresma (arcaico e popular); quantitate- > cantidade (arcaico e popular). Antes de e e i, também desapareceu o som, mas manteve-se a grafia qu, para indicar que o q continuava a manter o som gutural.

Sob influência literária, a partir do século XVI, esse u foi a pouco e pouco reaparecendo antes de a e o, reavivando-se o étimo latino. Reaparece na grafia e lê-se, tem realização fonética, sendo essa considerada a pronúncia correcta. E assim perdurou até aos nossos dias.

Entretanto, antes de e e i, na maior parte das vezes o som do u não existia. Esta semivogal servia, pois, graficamente, apenas de suporte à consoante q. E isto porque:

   a) ou essas palavras não eram originárias do latim mas do grego, sendo o grupo qu uma evolução do ch grego (ex. quilo que vem do grego chylós);
   b) ou o seu étimo lati...

Pergunta:

Sou professora da Universidade Federal da Paraíba e gostaria que os Srs. me esclarecessem a respeito da denominação utilizada para definir o profissional especialista em ofídios e o especialista em pedras preciosas (gemas).

Agradeço o envio da devida resposta.

Resposta:

Ao profissional especialista em ofídios damos o nome de ofiologista, ou seja, especialista em ofiologia, que é a parte da zoologia que trata dos ofídios. Também existem os termos herpetólogo e herpetologista, designando as pessoas que se dedicam ao estudo dos répteis em geral (herpetologia: parte da zoologia que trata dos répteis).

O profissional especialista em pedras preciosas é um gemólogo. Gemologia é a parte da geologia que trata das pedras preciosas. Chama-se pedrista ao negociante de pedras preciosas.

Pergunta:

Examine-se a seguinte frase:

"Não é possível cair um prédio, mas os cálculos estarem certos".

Minha dúvida é a colocação ou não da vírgula antes de "mas".

Observe-se que as orações "cair um prédio" e "mas os cálculos estarem certos" são ambas sujeito da oração principal, e os núcleos do sujeito não devem ser separados por vírgula. No entanto, no Brasil a regra manda antepor vírgula antes da palavra "mas". Com a vírgula, contudo, a relação de dependência entre a oração iniciada por "mas" e a oração principal deixa de existir. Como resolver o problema?

Obrigado.

Resposta:

Confesso que não compreendi muito bem a sua dúvida.
   Tanto no Brasil como em Portugal, é regra a colocação de vírgula antes da conjunção coordenativa adversativa "mas", precisamente porque esta conjunção faz a ligação entre orações cujas ideias estão de algum modo em oposição.
   Na frase que apresenta, a conjunção a ser utilizada numa situação não enfática não deveria ser a coordenativa adversativa, mas sim a copulativa "e". Efectivamente, se essa frase está completa, ela é composta de duas orações que, cumulativamente, traduzem a impossibilidade: cair um prédio e os cálculos estarem certos não é possível. Ou seja, é possível cair um prédio, é possível os cálculos estarem certos, mas a junção das duas situações é que não é possível. A frase deveria então estar assim redigida: Não é possível cair um prédio e os cálculos estarem certos.
   A construção que apresenta é, no entanto, adequada ao falante que quer enfatizar o facto de os cálculos estarem certos e de isso estar em contraste com a queda do prédio. Muitas vezes a adversativa "mas" substitui a copulativa em situações deste género. E, nesse caso, a utilização da vírgula continua a ser correcta, contribuindo, até, para essa ênfase, a ligeira pausa determinada pela vírgula.
   Quanto ao sujeito, quando se trata de um sujeito composto, pode ter vírgula a separar os seus componentes. Se esse sujeito composto for constituído por orações, ainda mais se justifica a vírgula.
   Ex.: É bom que vejas o filme, que prestes atenção e estejas calado.
   No que diz respeito à relação de dependência entre orações, ela não é perturbada pela existência da vírgula, quando as orações completivas são mais do que uma.
   Ex.: Gostava que visses o programa, (que) tomasses as tuas notas e fizesses o devido comentário.
 &...

Pergunta:

Funções monológicas e funções dialógicas.

Quero saber o que são essas funções. Dê exemplos.

Agradeço.

Resposta:

O diálogo e o monólogo são modos de expressão cuja função varia consoante diversos aspectos, como, por exemplo, a situação comunicativa, a tipologia textual, a intenção do autor.

Vou considerá-las no âmbito do texto ficcional.

O diálogo, forma tradicional de interacção verbal, pode ter as seguintes funções:

   – contribuir para a construção da verosimilhança;
   – caracterizar a personagem, quer pela veiculação de pontos de vista, quer pelas marcas formais do próprio discurso utilizado;
   – fornecer informações sobre acontecimentos, situações, personagens, etc.;
   – fazer progredir a acção.

Em qualquer texto dramático e na generalidade das obras narrativas, encontra exemplos de diálogos, cuja análise lhe permitirá identificar estas funções.

O monólogo é uma variante do diálogo. Trata-se de um diálogo interiorizado, em que o "eu" se desdobra em dois, um que fala e outro que escuta.

No texto dramático, o monólogo pode assumir essencialmente duas funções:

   – revelar o mundo interior da personagem em causa;

   – fornecer informações sobre acontecimentos anteriores cujo conhecimento é necessário para a compreensão da situação presente.

Como exemplo, refiro os monólogos da peça de Almeida Garrett, Frei Luís de Sousa.

Na narrativa, tem a forma de monólogo interior, representando a corrente de consciência da personagem, e assume essencialmente a função de revelar pensamentos, recordações, emoções, contribuindo também para a caracterização indirecta da personagem.