Maria Regina Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Não fiquei esclarecida com a resposta de 6/07/01 ("Há que"), pois o verbete do verbo haver no Aurélio diz:

haver 12. Haver meio de; ser possível: "E lá se vão [os bois]; não há mais contê-los ou alcançá-los." (Euclides da Cunha, Os Sertões, p. 128); "Não há entender mulheres, Sr. Aires Ruivo" (Tristão da Cunha, Histórias do Bem e do Mal, p. 79).

Resposta:

O verbo haver apresenta um grande número de construções e regências, cada uma com a sua significação.

Vou referir as três que me parece serem objecto de dúvidas da consulente:

1. Haver + infinitivo – tem o significado de existir.
Ex.: Há mar e mar, há ir e voltar.

2. Haver + infinitivo – pode ter o significado de existir meio de, existir a possibilidade de, como os exemplos apresentados pela consulente (pág. 1029 do Dicionário Aurélio Século XXI).

3. Haver que + infinitivo – tem o significado de ter de, dever.

Ex.: Há que empregar todos os meios nesta operação.

Há que explicar isto bem, para que todos compreendam.

Repare-se na diferença de sentido destas duas construções:

a) Não há entender mulheres. = Não há meio de entendermos as mulheres; é difícil compreendermos as mulheres.

b) Não há que entender as mulheres. = Não devemos tentar compreender as mulheres; não temos nada que compreender as mulheres; não queremos compreender as mulheres.

Retomando agora o exemplo que a consulente apresentou na questão anterior, de 6/07/01 (Há que), porque descontextualizada, interpretei essa expressão como querendo significar que não se devia falar em derrota. Nesse sentido, repito, deverá utilizar a construção “haver que”. Se pretender dar a essa expressão um outro significado, espero que tenha ficado esclarecida.

Pergunta:

A criança abraçava-se alegremente ao brinquedo.
O verbo abraçar, neste caso, é VTDI ou VTI e VP com a prep. a (entrelaçar-se?)
Investi-me imediatamente em novas atividades.
O verbo investir, neste caso, é VTDI ou VTI e VP com a prep. em (propor-se)?
Eles se anexaram a nós.
O verbo anexar, neste caso, é VTDI ou VTI e VP com a prep. a (juntar-se, unir-se)?
Qual a função sintática da palavra se nos três exemplos?
Obrigado por ajudar-me.

Resposta:

1.ª frase: O verbo abraçar-se é um verbo reflexo, transitivo directo e indirecto, pois o pronome reflexo “se” é o complemento directo e “ao brinquedo” o indirecto. Se se considerasse este “se” como um pronome de realce ou expletivo, o termo “ao brinquedo” assumiria a função de complemento directo, como se se dissesse “abraçou o brinquedo”. No entanto, semanticamente, as frases não são rigorosamente iguais e sintacticamente a construção é diferente, daí a minha classificação inicial.

2.ª frase: Na frase que construiu, não deverá usar o verbo investir na forma reflexa.

Na acepção de “nomear, dar posse a alguém, conferir funções, cargos ou a responsabilidade de actividades a alguém”, pede complemento directo, e não é um verbo reflexo (ex.: A academia investiu o nosso grande amigo nas funções de presidente.). Assim, é um verbo transitivo directo. Nesta acepção, digo que não é um verbo reflexo, pois, em princípio, ninguém se investe a si próprio, mas, se tal acontecesse, mesmo reflexo, continuaria a ser um verbo transitivo.

Na acepção de aplicar o seu dinheiro ou as suas capacidades em alguma coisa, então também o verbo se não utiliza reflexamente (ex.: Investi imediatamente em novas actividades.).

3.ª frase: O verbo anexar-se é um verbo reflexo, transitivo directo e indirecto, sendo o pronome reflexo o complemento directo e “a nós” o indirecto.

A função sintáctica de “se”, nos três casos é a de complemento directo, função normal do pronome pessoal reflexo.

Pergunta:

   Na frase: “Se a pergunta for difícil, avise-me, que eu lhe enviarei a resposta.”, o correto seria “...que eu lhe enviarei a resposta” ou “...que eu enviar-lhe-ei a resposta”?

   A palavra “que” atrai o pronome em quaisquer condições? A palavra “que” citada na frase é conjunção coordenativa? Qual a sua função sintática?

Resposta:

   O facto de a oração ser iniciada pela conjunção coordenativa explicativa “que” leva à colocação proclítica do pronome (antes do verbo). Essa posição decorre da percepção de subordinação ao sentido do discurso.

   A palavra “que”, quer pronome, quer conjunção, leva à próclise do pronome pessoal complemento. A frase deveria, então, ser assim construída: “Se a pergunta for difícil, avise-me, que eu lhe enviarei a resposta.”

   No entanto, como as orações coordenadas têm um certo grau de independência entre si, se a frase for dita pausadamente, de modo a que a relação de dependência semântica seja desvalorizada, poderá utilizar o pronome em posição mesoclítica.

   A conjunção coordenativa “que” desta oração não tem qualquer função sintáctica, nem nesta oração nem noutra qualquer, pois as conjunções não desempenham função sintáctica; são apenas elementos de ligação.

Pergunta:

   Prestei um concurso recentemente e fiquei em dúvida nas seguintes questões:
   1) Aponte a alternativa que não tenha um verbo de ligação
   a) O uso de drogas tem prejudicado a vida de muitos jovens.
   b) Os cientistas não ficam indiferentes à situação dos moradores.
   c) Os Professores estão no laboratório, conversando com os melhores alunos.
   d) Poucos intelectuais permanecem em atividades físicas.

    2) Aponte o período que não contém objeto direto
    a) Os romances policiais pediam um cenário de fortificação feudal.
    b) Sua falta de verdadeira cultura, ele conseguia dissimulá-la encadeando mentiras ilusórias.
    c) Ao cair da tarde, entraram, no automóvel, quatro funcionários do Departamento Pessoal.
    d) Muito assustado, o proprietário da mansão puxou do revólver e atirou no ladrão.

   Na primeira questão a alternativa apontada como correta foi a A e na segunda foi a alternativa C. Gostaría de saber se as alternativas apontadas estão realmente corretas e por quê.
   Grata.

Resposta:

As alternativas apontadas estão correctas. No entanto, a elaboração da primeira pergunta pode prestar-se a dúvidas.

Passo a explicar:    

1. Verbos de ligação, copulativos, relacionais ou predicativos (termos utilizados como sinónimos neste contexto) são aqueles que estabelecem a união entre o sujeito e o seu predicativo, como, por exemplo, ser, estar, ficar, permanecer, parecer. No entanto, estes verbos nem sempre são utilizados como verbos de ligação, sendo por vezes verbos intransitivos. O verbo ser é, na maior parte das vezes, utilizado como verbo de ligação. Os outros podem ser ou não, em função do valor que apresentam em determinada frase.

Ex.:
1.1. O Manuel está muito contente. – o verbo estar é um verbo de ligação; funciona como elo entre o sujeito (“o Manuel”) e o seu predicativo (“muito contente”, expressão que caracteriza o Manuel);
1.2. O Manuel está em casa da irmã. – o verbo estar não é verbo de ligação, pois o sujeito continua a ser “o Manuel”, mas o termo “em casa da irmã” não é predicativo do sujeito, não caracteriza o sujeito, apenas indica uma circunstância de lugar; é um complemento circunstancial de lugar onde (ou adjunto adverbial – NGB).
Referindo, então, cada uma das alíneas desta primeira questão, tenho a dizer que:    
a) O predicado desta oração é “tem prejudicado”. Trata-se do verbo prejudicar no pretérito perfeito composto do indicativo. Este verbo tem um complemento directo (objecto directo): “a vida de muitos jovens”. Não é, pois, um verbo de ligação, mas, sim, um verbo transitivo directo.    
b) O predicado é “não ficam”. Trata-se do verbo ficar. O sujeito é “os cientistas” e o nome predicativo do sujeito é “indiferentes”. Trata-se de um verbo d...

Pergunta:

Na oração "Muito poucos presos poderão doar após a morte", qual a classe a que pertence a palavra muito. Por que essa palavra não concordou com poucos?

Obrigada pela atenção.

Resposta:

Muito é um advérbio de quantidade que está a intensificar o sentido do indefinido poucos. Não concorda com poucos precisamente porque se trata de um advérbio, e os advérbios são palavras invariáveis.

O indefinido poucos tem aqui um valor adjectival (precede o substantivo presos e especifica-o, modifica-o), sendo denominado, consoante as gramáticas, de adjectivo determinativo, pronome adjunto, determinante indefinido, pronome indefinido adjectivo.

Assim, o advérbio muito reforça o sentido do indefinido poucos, tal como acontece quando se constrói com um adjectivo: postais muito lindos; conversas muito importantes, etc.