Maria Regina Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Na resposta à questão em epígrafe, ocorreu-me a palavra aval que a respondente, Maria Regina Rocha, não considerou. Trata-se, é certo, de um francesismo, mas há muito que a palavra está consagrada na actividade comercial.
Obrigado por manterem vivo o Ciberdúvidas.

Resposta:

Agradecemos o seu contributo.
Aval é uma palavra que pertence ao léxico português, encontrando-se dicionarizada há muito tempo.
A Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira apresenta-a como proveniente do francês faire valoir (do gr. aval) e transcreve a definição do nosso Dicionário Jurídico Comercial, de 1840, p. 49: «A palavra aval vem de faire valoir as letras ou bilhetes, isto é fazê-las pagar no caso que não sejam pagas, e afiançá-las; assim os que assinam ou dão o seu aval em letras ou bilhetes não podem pretender nem reclamar o benefício de divisão ou discussão.»
E acrescenta que, além do seu significado etimológico geral, esta palavra tem uma origem própria em direito comercial, a qual deriva do lugar onde se fazia a respectiva assinatura, ou seja, por baixo da assinatura do sacador.
O Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, refere que a palavra vem do francês aval, este do italiano avallo, que, por sua vez, vem do árabe hauala (“delegação, mandato”).

Pergunta:

Gostava de saber como se põe esta frase em discurso indirecto:
«A bebida que me ofereceram pôs-me completamente tonto.».

Resposta:

A transposição para o discurso indirecto da frase «A bebida que me deram pôs-me completamente tonto.» poderá originar qualquer destas frases:

1.ª- «Ele diz que a bebida que lhe deram o pôs completamente tonto.»
2.ª- “Ele disse que a bebida que lhe tinham dado (= deram) o pusera (= tinha posto) completamente tonto.»
3.ª- «Ele dizia que a bebida que lhe tinham dado (= deram) o pusera (= tinha posto) completamente tonto.»
Como se verifica, esta transposição exige a modificação de certos elementos do enunciado. Vou referir os que ocorrem nesta frase.

1. No caso desta frase, no discurso indirecto, ela é introduzida por um verbo declarativo: dizer, afirmar, referir, indicar, confessar, responder, etc.
2. Se se utilizar o verbo introdutor no presente do indicativo («ele diz»), o tempo dos verbos da frase a ser transposta mantém-se («deram», «pôs»).
3. Se se utilizar o verbo introdutor no pretérito perfeito ou no pretérito imperfeito («ele disse», «ele dizia»), o tempo dos verbos da frase a ser transposta, como estavam no pretérito perfeito («deram», «pôs»), passa para o pretérito mais-que-perfeito. Esse pretérito mais-que-perfeito pode ter a forma composta («tinham dado», «tinha posto») ou a simples («deram», «pusera»).
3.1. O tempo verbal é o mais-que-perfeito, pois traduz uma acção pretérita anterior à acção pretérita do verbo introdutor.
4. O pronome na 1.ª pessoa (“me”, de «me deram»), com a função de complemento indirecto, passa para a 3.ª pessoa (“lhe”).
5. O pronome na 1.ª pessoa (“me”, de «pôs-me»), com a função de complemento directo, passa para a 3.ª pessoa (“o”).
6. O pronome clítico “o” precede o verbo, passando, pois, a uma posição proclítica. No discurso directo, a forma de 1.ª pessoa desse pro...

Pergunta:

Para além de mal/males, que outras palavras portuguesas, terminadas em l, formam o plural acrescentando -es?

Resposta:

De momento, ocorrem-me apenas três palavras: cônsul, procônsul e vice-cônsul.
Os substantivos e adjectivos terminados em -l formaram o plural com o acrescento de -es, mas a generalidade dessas palavras sofreu determinadas transformações fonéticas que fizeram com que hoje essa terminação pareça não existir.
Exemplos:
oficial + es > oficia(l)es > oficiaes > oficiais
anel + es > ane(l)es > anees > anéis
fácil + es > faci(l)es > facies > fáceis
funil + es > funi(l)es > funies > funiis > funis
lençol + es > lenço(l)es > lençoes > lençóis
azul + es > azu(l)es > azues > azuis

Pergunta:

Numa das respostas do Ciberdúvidas (a propósito da origem da expressão saco azul), encontrei a frase seguinte: «Consistia numa forma de cobrança do imposto de selo». Imposto de selo ou imposto do selo?

Resposta:

Nas obras da especialidade, aparecem ambos os registos: imposto de selo e imposto do selo.
No entanto, considero mais adequada a expressão que utilizei (imposto de selo), que é a designação genérica do tipo de imposto. O imposto de selo era uma contribuição paga por diversos meios, sendo o papel selado apenas um deles. Havia o papel selado (folha de papel que já continha uma marca, como o selo branco), mas também havia estampilhas a colar em documentos, selos de verba, selo a tinta de óleo, selo especial, e hoje ainda há o imposto de selo aplicado a letras bancárias, pago por meio de guias, que não contêm qualquer estampilha.
Deverá ser, pois, de selo e não "do selo", já que não se trata do imposto pertencente ou relativo a um determinado selo em particular, mas sim um imposto que se tem de pagar porque se realiza uma determinada acção a respeito da qual existe um documento (requerimento, escritura, recibo, etc.) e cujo meio de pagamento é a aquisição de uma marca, de um selo.

Pergunta:

Muitos consulentes fizeram-nos esta pergunta: qual a origem e significado preciso da expressão saco azul? Muitos outros quiseram mesmo saber quando e como ela entrou no léxico comum, agora que histórias menos edificantes reveladas ultimamente em Portugal lhe deram um protagonismo especial...
Não foi fácil - nem está fechada - esta primeira tentativa de resposta.

Resposta:

Significado e conotação

O termo saco azul não teve sempre a conotação tão negativa que hoje lhe é atribuída.
Segundo o Grande Dicionário da Língua Portuguesa de António de Morais Silva, de 1945, «saco azul» era a designação dada ao conjunto de importâncias provenientes de receitas eventuais, sem designação oficial, donde saíam verbas para despesas não previstas, em certos serviços públicos. Como as verbas atribuídas pelo Estado tinham uma grande rigidez de aplicação em rubricas específicas, a existência de um «saco azul» permitia por vezes agilizar o sistema.
Posteriormente, não só em organismos oficiais como sobretudo na escrita de firmas e empresas particulares, o termo ganhou a conotação de dinheiros ilícitos, ou porque provenientes de corrupção ou porque, mesmo não sendo daí provenientes, não eram registados de forma lícita e apenas um número restrito de pessoas sabia do seu montante ou proveniência, não sendo, pois, declarados para quaisquer fins oficiais, nomeadamente os impostos. O seu registo interno, para quem a ele tinha acesso, também era (é) denominado de «Contabilidade Paralela» ou «Caixa 2», sendo este último termo o utilizado no Brasil.

Origem

Primitivamente, o dinheiro era guardado e transportado em sacos. Daí a associação de saco a dinheiro, desde o tempo dos romanos. Em Roma o sacculus (saco para o dinheiro) desempenhava um importante papel na administração pública e era uma das insígnias dos quaestores, magistrados encarregados dos dinheiros públicos, da cobrança de impostos.
Com o termo «saco azul» está relacionada a expressão «contas de saco». As «contas de saco», segundo o dicionário acima referido, são despesas de que se não toma nota ou gastos de dinheiro sem contar ou recebimentos e gastos sem cálculo.
O facto de o termo «saco azul» já estar dicionarizado pelo menos de...