Maria Regina Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria que comentassem as duas frases seguintes:
1) «Amanhã vai vir o João».
2) «Amanhã vou ir a Braga».
Trata-se, como sabem, de duas frases que uma grande percentagem de gente utiliza. Eu penso que quanto à primeira se deve dizer «amanhã há-de vir o João». Quanto à segunda frase, ela deverá ser dita «amanhã vou a Braga».

Resposta:

As frases 1) e 2) estão incorrectas, e as sugestões que o consulente apresenta são uma boa alternativa.
Em ambas as frases se pretende utilizar uma locução verbal que traduza a ideia de um futuro próximo. «Vou comprar uma saia.» e «Ele vai chegar atrasado.» são exemplos do uso desta construção.
O verbo ir seguido de infinitivo pode significar:
– que algo está na iminência de acontecer: «Vai chover.»;
– que a acção se aproxima, está para principiar: «Esse leite vai verter.», «Escuta, ela vai falar.»;
– que se pretende realizar a acção num futuro preciso, próximo ou determinado: «Nestas férias, vou conhecer Coimbra, que é a Capital Nacional da Cultura 2003.»;
– no pretérito perfeito, que a acção acabou de ser praticada: «Ele foi fazer o jantar.»
No entanto, neste tipo de construções verbais não se utiliza de seguida o mesmo verbo ou semelhante (ir e vir), para se evitar uma desagradável repetição, não só de palavras como de ideias.
Os exemplos que apresenta fazem lembrar a construção inglesa “I’m going to + verbo no infinitivo”, que exprime o futuro próximo e pode ser utilizada com a repetição do verbo “to go”, por exemplo, “I’m going to go away.”

 

N.E. – Com a aplicação do Acordo Ortográfico de 1990 e conforme a sua Base XVII, as formas hei-de, hás-de, há-de e hão-de perdem o hífen e passam a escrever-se hei de, hás de, há de e hão de. 

 

 

Pergunta:

Gostava que me dissessem como se chama um natural de Tóquio.

Agradecia também que me indicassem a obra onde posso ver este tipo de dúvidas esclarecidas.

Obrigado.

Resposta:

Não há, em português, registado em nenhum dicionário ou prontuário, o nome gentílico que designa os naturais de Tóquio. São designados de uma forma analítica como «naturais de Tóquio». Em japonês, utiliza-se a expressão "Tokyo no hito" (em sistema romanizado), que significa «pessoa de Tóquio».

A designação dos naturais de cidades ou terras pode ser feita:

a) por um substantivo formado a partir do nome do local (na sua forma actual, arcaica, ou da língua de origem); do nome do rio que o banha; do nome de uma região ao qual a terra está associada; de um acontecimento histórico ou lendário; de uma alcunha;

b) também ou apenas de uma forma analítica, usando o nome da terra precedido de "o", "a", "os", "as" (ex.: «os da Mealhada») ou de «natural de» (ex.: «natural da cidade da Horta»).

Para esclarecer este tipo de dúvidas, poderá consultar dicionários, gramáticas e prontuários, estes no capítulo dedicado a nomes étnicos, pátrios e gentílicos. E, ainda: Dicionário de Gentílicos e Topónimos (Portal da Língua Portuguesa) + Código de Redação Interinstitucional (da União Europeia) + Guia de Estilo (do Centro de Informação Europeia Jacques Delors).

N.E. – Esta resposta destina-se igualmente ao consulente André Macedo, também ele jornalista, de Lisboa.

Pergunta:

Qual o plural de coca-cola?
Sou estudante, tenho 16 anos, estou no 2.º ano do Ensino Médio, moro em Jandaia do sul - PR, e minha professora de Gramática não conseguiu responder a essa minha dúvida; por isso recorro a vocês.

Resposta:

A palavra coca-cola é um neologismo que sofreu uma derivação imprópria. De nome de marca, substantivo próprio, passou a designar a própria bebida como substantivo comum. Inicialmente dizia-se «duas garrafas de Coca-Cola»; agora diz-se «duas coca-colas», pois o primeiro elemento de formação (coca), embora seja um substantivo, é sentido como um elemento invariável, por designar a marca (por exemplo, por diferenciação em relação a Pepsi-Cola). Por outro lado, quem usa essa palavra (e essencialmente no discurso oral), já deixou de sentir o valor semântico de cada um dos elementos constitutivos, considerando-a como uma unidade, o que ainda mais justifica este plural: coca-colas.

Pergunta:

Sobre os 78 anos do grande guitarrista português Carlos Paredes, ouvi na RTP uma frase que lhe é atribuída: «Gosto demasiadamente da música para viver às custas dela».
«Às custas» ou «à custa»?
Muito obrigado.

Resposta:

À custa de é uma locução prepositiva já registada, por exemplo, no Vocabulário Português e Latino pelo Padre Bluteau., em 1712.
Esta locução pode ter os seguintes significados:
a) por meio de, mediante, com o sacrifício de, através do trabalho ou do esforço ou da experiência ou do sacrifício de; por causa do valor ou do poder ou da influência de: «Fez o curso à custa de muito estudo.»
b) a expensas de, na dependência de, mediante o dinheiro de: «Vive à custa da mulher.»
Custas é um substantivo feminino plural inicialmente (e actualmente) utilizado em contexto judicial com o significado de uma pena pecuniária em que os juízes condenam as partes envolvidas num processo. Este vocábulo é referido normalmente com o artigo definido: as custas.
Com esta palavra «custas» há quem forme uma locução prepositiva («às custas de») quando pretende empregar a locução «à custa de» na acepção b) acima referida, ou seja, sempre que haja dinheiro envolvido e alguém que o pague ou o dê.
Não é locução valorizada como padrão.
Na frase que apresenta, o emprego da expressão «às custas de» em frase negativa reflecte a pretensão de separar claramente a música do aspecto pecuniário, da dependência económica, e talvez daí a necessidade que o autor sentiu de utilizar a palavra «custas».

Pergunta:

Qual a diferença entre se não e senão?

Resposta:

Senão, uma só palavra, pode ser um substantivo ou um elemento de ligação (uma conjunção, um advérbio ou uma preposição).
Se não são duas palavras: “se” (conjunção condicional, pronome ou partícula apassivante), seguido do advérbio de negação “não”.
Vou apresentar exemplos de diversas situações em que ocorrem.
1. Senão
1.1. Como substantivo, significa mácula, defeito, leve falta: “Não há bela sem senão.”
1.2. Como elemento de ligação, pode ter os seguintes significados:
a. de outro modo, de contrário, de outra forma, quando não (na sequência de uma ordem, pedido, conselho, ameaça ou expressão de intenção): “Fala mais alto, senão não te oiço.”
b. mas, mas sim, porém: “Não dá quem tem, senão quem quer bem.”
c. a não ser, mais do que: “O que é a vida senão uma luta?”
d. à excepção de, excepto: “Ninguém falou senão o meu irmão.”
e. apenas, só: “Ela não é dona, senão sócia.”
f. na construção “não... senão”, que significa só, somente, apenas, unicamente (equivalente à construção francesa “ne...que”): “Ele não tinha senão uma atitude a tomar: proteger a mãe.”
g. na locução conjuncional “senão quando”, que significa de repente, quando subitamente, eis que: “Estávamos quase a dormir, eis senão quando se ouve um estrondo.”
h. na locução “senão que”, que significa mas antes ou mas ao contrário: “Não há que falar, senão que agir.”
i. na construção “não só... senão”, significando mas também: “Não só roubou, senão...