Maria João Matos - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Maria João Matos
Maria João Matos
25K

Maria João Matos, professora de Português do ensino secundário, licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria de saber se amigo e amor partilham o mesmo radical e, consequentemente, se pertencem à mesma família de palavras.

Grata pela atenção.

Resposta:

Ambas as palavras partilham do radical am-, presente no verbo latino amare, que significa «amar, ter afeição por alguém, ter amizade ou amor a, querer bem, estimar, ter agrado por» (cf. Dicionário de Latim-Português, de A. Gomes Ferreira). 

Este verbo está na base do adjectivo amicus, amica, amicum («que ama, que gosta de, que é amigo») e do nome amor, amoris («amizade, afeição, amor»).

Da proximidade entre os termos nos dá testemunho a literatura, como na conhecida cantiga de amigo, de D. Dinis:

«Ai, flores, ai, flores do verde pino,

se sabedes novas do meu amigo?

           Ai, Deus, e u é?

Ai, flores, ai, flores do verde ramo,

se sabedes novas do meu amado?

           Ai, Deus, e u é?

(…)»

ou no célebre soneto de Luís de Camões:

«Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
(…)
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor

Pergunta:

Na Gramática da Língua Portuguesa de Maria Helena Mira Mateus et alii aparecem as seguintes construções:

1. «Por serem expressões referencialmente autónomas, os pronomes pessoais parecem formar por si sós o SD» (p. 351).

2. «Tradicionalmente designam-se como "pronomes' este tipo de palavras, dado que são expressões referenciais, constituíndo por si sós aquilo que temos vindo a designar SD.» (p. 353)

Tenho dúvidas em ambos os casos da correcção da expressão «por si sós». Será antes «por si só» sendo uma palavra invariável? Não será o uso mais adverbial do que adjectival e daí a invariabilidade de ?

Obrigada.

Resposta:

Essa expressão pode utilizar-se no plural, como reforço do pronome si, à semelhança do demonstrativo mesmo ou próprio, que também varia em género e número. Assim, «por si sós» equivale a «por si mesmos» ou «por si próprios» (cf. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa).

No entanto, é de uso generalizado em Portugal a expressão «por si só» — ou «só por si» — como locução adverbial, com o sentido de isoladamente, e, neste caso, invariável.

Pergunta:

Eu tenho uma dúvida relativamente à evolução fonética da palavra água: Aquam > Aqua > Água. A minha dúvida é a seguinte: a substituição do q pelo g pode considerar-se uma sonorização? Se não, quais são então todos os fenómenos fonéticos presentes em Aquam > Aqua > Água?

Obrigada.

Resposta:

Os fenómenos fonéticos que se registam na evolução da palavra são:

sonorização: transformação de uma consoante surda (q) numa sonora (g);

apócope do -m  (supressão do fonema no fim da palavra).

Pergunta:

Está correto utilizarmos a partícula se na frase «Oferece-se recompensa»?

Resposta:

Sim, a frase está correcta, podendo considerar-se o se  uma partícula apassivante (= «recompensa é oferecida») ou um pronome indefinido (= «alguém oferece recompensa»).

Sem o se («oferece recompensa»), o sujeito fica omisso, não se percebe quem oferece a recompensa, pelo que não é uma frase equivalente à anterior.

Pergunta:

No verso de Caeiro «uma aprendizagem de desaprender», estamos perante um paradoxo ou um oximoro?

Resposta:

O verso de Alberto Caeiro «uma aprendizagem de desaprender» reúne as condições próprias do oximoro1, a saber:

— Apresenta uma expressão antitética, ou seja, uma expressão com dois termos com significados opostos (aprendizagem/desaprender);

— Apresenta um paradoxo, uma vez que esses dois termos estabelecem entre si uma relação parodoxal; ou seja, verifica-se uma contradição a nível de sentido (ou há aprendizagem ou há desaprender; como pode haver, no desaprender, aprendizagem?);

— Essa relação parodoxal dos dois termos antitéticos implica uma interpretação do leitor, da qual resulta um novo conceito.

Por exemplo:

Este verso exprime a necessidade que o poeta tem de se libertar de todos os condicionalismos de ordem intelectual, virando-se para aquilo que existe em si de espontâneo, livre e puro…

O oximoro implica que haja, numa só expressão, antítese e paradoxo.

São exemplos de oximoros, entre muitas, as seguintes expressões:

instante eterno; lúcida loucura; grito do silêncio; obscura claridade.

1 N. E.: Oximoro ou oxímoro — a palavra pode ser acentuada das duas maneiras (ver perguntas relacionadas).