Maria João Matos - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Maria João Matos
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Maria João Matos, professora de Português do ensino secundário, licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Num texto comunitário traduzido para português li a "palavra" "sobredeclaração" no sentido de, por exemplo, uma área de vinha que não pode ser declarada mais do que uma vez para medidas de apoio, ou seja, não poderá haver "sobredeclaração". Poder-me-ão informar se haverá alguma palavra na língua portuguesa que possa ter este significado, tendo em consideração que me parece que a utilizada no texto não existe.

Muito obrigado.

 

Resposta:

Através de uma pesquisa na Internet, encontrei o termo em textos oficiais da União Europeia, nomeadamente no Jornal da União Europeia, o que me leva a crer que se trata de um termo técnico, não me surpreendendo, por isso, que os dicionários comuns não o registem.

Para a sua formação, juntou-se à palavra declaração o elemento sobre-, que pode exprimir as noções de: 1. «Posição ou lugar superior.» 2. «Maior grau ou intensidade.» 3. «Excesso.» Este elemento de formação está presente em numerosas palavras portuguesas.

Como exemplo, e tendo em conta a proximidade à palavra em apreço, dá-se o termo sobrecarta, cujo significado é: carta que se envia após outra para corroborar ou modificar a primeira.

Nos referidos textos da União Europeia pude ainda verificar as palavras correspondentes a sobredeclaração noutras línguas, nomeadamente no francês (surdéclaration), no espanhol (sobredeclaración) e no inglês (overdeclaration).

Parece-me, pois, que não haverá vantagem em encontrar um termo alternativo, quando já existe um específico comum aos vários países.

Pergunta:

Qual a função sintática do pronome se nas frases seguintes?

«O trem se movimentou com rapidez.»

«A menina se chamava Maria.»

«A situação se modificou num instante.»

«Ele se curou da gripe.»

«Ela se operou do apêndice.»

«O vaso se partiu em dois.»

«Luís se batizou aos dez anos.»

Obrigado.

Resposta:

Analisando as frases, e pese a ambiguidade de alguns dos exemplos apresentados, optei pelas seguintes classificações para o pronome pessoal se:

Se reflexo: A acção expressa pelo verbo recai sobre o mesmo sujeito que a pratica. Este desempenha a função sintáctica de complemento directo. O sujeito pode ser reforçado com as expressões a si mesmo/próprio.

É o que acontece com a frase: «Ele se curou da gripe.»

Embora com características particulares, também se podem integrar neste grupo as frases:

  «A menina se chamava Maria.»

(Em Portugal, a análise habitual é: «se» — complemento directo; «Maria» — predicativo do complemento directo.)

          «Luís se baptizou aos dez anos.»

É óbvio que, nestes dois exemplos, a acção expressa pelo verbo não recai sobre o sujeito (nem Maria se chamava a si mesma, nem Luís se baptizou a si próprio), mas pode considerar-se que há «uma atitude de aceitação consciente do nome dado ou do batismo recebido», como podemos ler na Moderna Gramática Portuguesa, de Evanildo Bechara, 37.ª edição, pág. 223. Este mesmo autor refere, em relação a estes dois verbos, a oscilação na classificação do pronome se (reflexo ou passivo), por parte de alguns estudiosos.

Se inerente: Este se faz parte integrante do verbo. A acção expressa pelo verbo não recai sobre o sujeito, mas também não existe um causador dessa acção. O se inerente não desempenha qualquer função sintáctica na frase.

...

Pergunta:

Em português, é lícito usar a palavra recorrência para se referir a cada uma daquelas festas e comemorações religiosas e cívicas que sempre se repetem a cada ano, tais como Natal, Ano Novo, Páscoa, Carnaval, 7 de Setembro (Independência do Brasil), Primeiro de Dezembro (Restauração da Independência, de Portugal), bem assim às antigas festas religiosas pagãs, como saturnais, mercurália, agonália, etc.?

Agradecidíssimo sempre e sempre.

Resposta:

O Dicionário da Língua Portuguesa Novo Aurélio apresenta para o termo recorrência vários significados, de entre os quais seleccionei: «1. Acção de recorrer. 2. Med. Reaparecimento de sintomas de moléstia após a remissão deles. 3. P. ext. Reaparecimento periódico ou frequente de fato ou fenômeno.»

Podemos então verificar que se trata de um termo médico cujo significado se estendeu ao uso comum da língua, como acontece muitas vezes na evolução das palavras.

Tanto quanto sei, os termos recorrência e recorrente vêm normalmente associados a determinados fenómenos ou factos (sismos, doenças, situações, comportamentos...) cujo ressurgimento é previsível, mas não ligado a datas precisas.

Assim, pela minha experiência de falante, em relação aos acontecimentos que refere, eu usaria sem problemas a palavra repetição, mas com bastantes dúvidas a palavra recorrência

O uso indevido da preposição já se tornou num caso infeliz de celebridade ridicularizado até à náusea.

O certo é que a preposição anda a ser evitada de forma tão flagrante e com frequência tal, que o mínimo que se pode fazer é um reparo sobre o assunto.

A questão, neste caso, prende-se com a preposição que acompanha o pronome relativo e que depende do verbo que se está a utilizar.

Apenas alguns exemplos por entre os inúmeros casos que se poderiam registar:

Omissão da preposição a:

Pergunta:

Qual é a diferença entre pronomes, artigos, proposições e advérbios? Qual a função de cada um deles numa frase? Pode-me dar uma explicação simples, com exemplos fáceis de perceber, se faz favor?

Resposta:

A sua pergunta insere-se num contexto mais vasto que é o das classes e subclasses gramaticais. Suponho que, ao escrever «proposições», pretendia significar «preposições», que é uma classe gramatical, enquanto uma «proposição» é uma frase ou oração.

As palavras «arrumam-se» — segundo a actual terminologia do ensino básico português — dentro das seguintes classes: nomes ou substantivos; determinantes; pronomes; adjectivos; verbos; numerais; advérbios; preposições; conjunções; interjeições. Cada classe gramatical tem uma função e características próprias, que permitem distingui-la das outras classes. Cada classe subdivide-se em subclasses.

Artigos: inserem-se dentro da classe dos determinantes. Os artigos são palavras variáveis, que concordam em género e número com o nome que antecedem. Os artigos vêm sempre antes dos nomes, delimitando-lhes o sentido.

Classificam-se em:

Artigos definidos: o, a, os, as

Exemplo: «Vi a rapariga ao fundo do cais.»

Artigos indefinidos: um, uma, uns, umas

Exemplo: «Vi uma rapariga ao fundo do cais.»

Quer num exemplo quer noutro, o artigo vem antes do nome (rapariga) e concorda com ele em género e em número.

Para além dos determinantes artigos, há os determinantes ...