Maria João Matos - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Maria João Matos
Maria João Matos
25K

Maria João Matos, professora de Português do ensino secundário, licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Na frase:

«A filha estava com quatorze anos/mas era muito fraquinha/e não fazia nada/a não ser namorar os capadócios/que lhe roubavam a rótula» (Machado de Assis).

Vemos que a primeira oração é a principal, a segunda é uma coordenada adversativa, a terceira é uma coordenada aditiva, e a quinta é uma subordinada adjetiva. Mas como posso analisar morfossintaticamente a parte em destaque («a não ser namorar»), visto que o ser é um verbo no infinitivo, mas aparece meio nominalizado, assemelhando-se a uma locução condicional?

Afinal, que papel essa parte («a não ser namorar») desempenha na oração? Qual sua função gramatical? E as outras orações estão analisadas corretamente?

Ficarei muito grata se me ajudar!

Resposta:

A oração «a não ser namorar os capadócios» é uma oração reduzida de infinitivo fixa, iniciada pela locução preposicional «a não ser». Chama-se oração reduzida fixa porque não se pode transformar numa oração desenvolvida.

Esta oração faz parte do objecto directo da oração «e não fazia nada», que é «nada a não ser namorar», e desempenha, em relação a «nada», a função sintáctica de adjunto adverbial de exclusão.

Evanildo Bechara, na sua Moderna Gramática Portuguesa, 37.ª ed., refere-se a este exemplo em vários locais (cf. págs. 306, 449, 526).

Quanto às restantes orações, concordo com a classificação apresentada pela consulente.

Pergunta:

Numa prova de língua portuguesa a que tive acesso era solicitado o seguinte: «Identifique e descreva os problemas de língua presentes na seguinte frase: "Um motociclista morreu ontem na sequência da moto em que seguia ter sido embatida por um camião."»

Na verdade, pese embora eu formulasse a frase de forma bem distinta, «um motociclista morreu ontem na sequência de um camião ter embatido na moto em que seguia», não consigo identificar e descrever qual é a incorrecção.



Resposta:

Utilização indevida da voz passiva: a frase em que se utiliza o verbo embater não pode ir para a passiva, uma vez que embater é um verbo intransitivo e a passiva só pode ser feita com verbos transitivos directos.

Para evitar o erro, coloca-se a frase na voz activa, como fez a consulente, que procedeu também às alterações necessárias. Outra solução seria substituir o verbo embater por um sinónimo, mas transitivo directo, como, por exemplo, abalroar: «Um motociclista morreu ontem na sequência de a moto em que seguia ter sido abalroada por um camião.»

 

Pergunta:

Qual das frases está correcta?

«Quando seco o cabelo, penteio-o.»

«Quando seco o cabelo penteio-o.»

Existe alguma diferença de um exemplo para o outro?

Obrigado pela atenção.

Resposta:

A frase correcta é: «Quando seco o cabelo, penteio-o.»

A vírgula serve, por um lado, para separar as duas orações que constituem a frase.

Por outro lado, as frases não estão na ordem directa, uma vez que primeiro vem a oração subordinada e só depois a subordinante. Então, a vírgula também serve para tornar clara a construção utilizada.

Se estivesse «Seco o cabelo quando o penteio» ou «Penteio o cabelo quando o seco» (primeiro a oração subordinante e depois a subordinada), as frases já se encontravam na ordem directa e a vírgula já não seria necessária.

Pergunta:

Deparei-me, hoje mesmo, com uma expressão que não ouvia há muito: «pagar com língua de palmo.» Conheço o seu significado, mas não a sua origem. Será que é conhecida? Em caso afirmativo, qual é?

Resposta:

«Pagar com língua de palmo» significa sofrer as consequências do que se disse inconsideradamente ou por acinte, recebendo-se por tal o justo castigo.

Esta expressão surge por alusão ao facto de que a pessoa que sofre o castigo deita a língua de fora, por lhe lançarem a mão à garganta ou por ser enforcada. (Informação colhida na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Editorial Enciclopédia, Lda., Lisboa/Rio de Janeiro).

Pergunta:

Considero que nas frases «vinde a mim vós todos os que andais fatigados» e «eu sou o pão vivo que desci do céu» há erros de concordância, dado que os pronomes relativos se referem à 3.ª pessoa. Sendo assim, o correcto seria «vinde a mim vós que andais fatigados»/«vinde a mim todos os que andam fatigados» e «eu sou o pão vivo que desceu do céu»... Ou haverá uma explicação que considere aceitáveis estas estruturas?

Resposta:

Em relação à estrutura «vinde a mim vós todos os que andais fatigados», encontramos  na  Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra, 2ª. ed., pág. 497, a seguinte explicação:

«Se o antecedente do pronome relativo que é um demonstrativo que serve de predicativo ou aposto de um pronome pessoal sujeito, o verbo do relativo pode:

a) Concordar com o pronome pessoal sujeito, principalmente quando o antecedente é o demonstrativo o (o, a, os, as):

“Não somos nós os que vamos chamar esses leais companheiros de além-mundo.”

[…]

b) Ir para a 3.ª pessoa, em concordância com o demonstrativo, se não há interesse em acentuar a íntima relação que há entre o o predicativo e o sujeito.

“Fui essa que nas ruas esmolou

E fui a que habitou Paços Reais…” […]»

Também a estrutura «eu sou o pão vivo que desci do céu» parece ser aceite  por Evanildo Bechara, na Moderna Gramática Portuguesa, 37ª. ed., pág. 561:

«Se o antecedente do pronome relativo funciona como predicativo, o verbo da oração adjetiva pode concordar com o sujeito de sua principal ou ir para a 3ª. pessoa (se não se quer insistir na íntima relação entre o predicativo e o sujeito):

“Sou eu o primeiro que não sei classificar...