Maria Eugénia Alves - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Maria Eugénia Alves
Maria Eugénia Alves
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Professora portuguesa, licenciada em Filologia Românica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, com tese de mestrado sobre Eugénio de Andrade, na Universidade de Toulouse; classificadora das provas de exame nacional de Português, no Ensino Secundário. 

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Tenho ideia de que antigamente a palavra reagir tinha certa conotação de antagonismo – usava-se «reagir a uma ofensa», ou a uma crítica –, ao passo que hoje é quase uma tradução de reply (replicar, responder) e se usa muito mais amplamente. Estou certo?

Resposta:

      A apreciação do consulente é muito interessante e estamos de acordo com ela.

      Vejamos: segundo o Dicionário Infopédia, o verbo reagir tem como sinónimo «opor a uma ação outra contrária; exercer reação», o que está em conformidade com o comentário. Ou até, mais contundentemente, «resistir; opor-se; lutar».

      No entanto, apresenta também a seguinte interpretação: «comportar-se de uma determinada maneira face a (dado facto ou acontecimento)», o que confere um conceito mais abrangente ao verbo. Neste pressuposto, enquadra-se facilmente na amplitude do uso atual, que vem praticamente colado ao verbo responder, como refere.¹

      Interpretamos que o uso banalizado do verbo poderá estar diretamente ligado à influência das redes sociais, nomeadamente o Facebook, que trouxe o verbo para um uso renovado, quiçá refrescante, no quotidiano, fazendo com que os sentimentos/opiniões/atitudes sobre os comentários nas redes sejam transformados em "reações". Há uma associação clara a uma ideia mais flexível do termo.

      Nessa perspectiva, poderemos estar perante um caso de evolução semântica em curso. 

 

¹ Veja-se que, no Dicionário da AcademiaVerbo, abril de 2001, reagir tem sobretudo a ideia inerente do confronto:

...

Pergunta:

XIII Mostra de Teatro do Concelho de Loulé denomina-se Cenários, daí que, em texto recente, mais concretamente em Nota de Imprensa, referi-me a ela como A Cenários – Mostra de Teatro de Loulé. Na verdade, outros colegas denominam o evento como «O Cenários». Creio que estou correta, mas já duvido.

Agradecia o vosso melhor esclarecimento.

Obrigada.

Resposta:

      A questão aborda a versa o âmbito da concordância nominal, que se baseia na relação entre um substantivo/nome e as palavras que a ele se ligam para o caracterizar, aqui o artigo definido.

      1. Tendo em conta que Cenários é, neste caso, um nome próprio no plural, proveniente, no entanto, de um nome comum, pode ser antecedido do determinante artigo os, também no plural.

      2. Por outro lado, como este nome se refere a uma mostra de teatro, pode também ser antecedido de a, feminino singular.

      3. O determinante artigo definido masculino o, aparentemente, carece de lógica na questão colocada, uma vez que nos referimos a nomes como cenários e mostra. Contudo, se nos referirmos, por exemplo, a outro nome, festival ou evento, como diz na pergunta, já será válido dizer O Cenários.

   Assim, verifica-se que o género e o número (singular/plural) do antecedente nominal estabelecem o género e o número do determinante artigo. 

Hollywood em Lisboa

Na maioria dos filmes em cartaz em Lisboa, verifica-se que, nos títulos, o português perde terreno para o inglês, numa tendência que já leva anos e que tem vindo a piorar.

Pergunta:

Tomando as seguintes frases:

1) «QUE coisa estranha!»

2) «por QUE raio dizes isso?»

3) «o QUE se passa?»,

Em (1) a palavra que é um determinante, a introduzir o nome «coisa»?

Em (2) que é um pronome? Caso se remova a palavra «raio», a grafia passa a ser porque e a palavra passa a advérbio interrogativo?

Em (3) que é um pronome relativo com antecedente o?

Muito agradecida!

Resposta:

Vamos responder às questões levantadas, seguindo os pontos propostos na pergunta:

1) «Que coisa estranha!» 

Este primeiro caso versa o emprego exclamativo dos interrogativos em frases que «[...] não passam muitas vezes de interrogações impregnadas de admiração.», como se explica em Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo (pp. 355-356)

Exemplo: «Que inocência! Que aurora! Que alegria! Teixeira de Pascoaes, Obras Completas»

2) «Por que raio dizes isso?»

Nesta frase, que é um pronome interrogativo que pode ser substituído por qual

Exemplo: «Por que razão fez isso?»/ Por qual razão fez isso?»

Se a palavra «raio» fosse eliminada, a frase escrever-se-ia: «Porque dizes isso?»¹

Pergunta:

Na frase «Ninguém entra no laboratório», qual o tipo de sujeito? Qual a função sintática de «no laboratório»?

Obrigada.

Resposta:

Ninguém é um sujeito simples, pois tem apenas um núcleo.¹

O segmento «no laboratório» desempenha a função de complemento oblíquo

¹ Segundo a Nova Gramática do Português Contemporâneo, Celso Cunha e Lindley Cintra, p.127, «quando o verbo se refere a um só substantivo, ou a um só pronome [no presente caso - pronome indefinido], ou a um só numeral, ou a uma só palavra substantivada, ou a uma só oração substantiva, o sujeito é simples.»