Maria Eugénia Alves - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Maria Eugénia Alves
Maria Eugénia Alves
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Professora portuguesa, licenciada em Filologia Românica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, com tese de mestrado sobre Eugénio de Andrade, na Universidade de Toulouse; classificadora das provas de exame nacional de Português, no Ensino Secundário. 

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria de saber qual o valor expressivo da hipálage presente nos versos «(...) é que eu te falo das palavras/desamparadas e desertas/pelo silêncio fascinadas.», do poema O Silêncio, de Eugénio de Andrade.

Resposta:

Massaud Moisés, no seu Dicionário de Termos Literários, define a hipálage da seguinte forma:

«Constitui um expediente retórico segundo o qual um determinante (artigo, adjetivo, complemento nominal) troca o lugar que logicamente ocuparia junto de um determinado (substantivo) para associar-se a outro» . 

hipálage é uma figura de linguagem caracterizada pela atribuição de uma característica de um ser ou objeto a outro ser ou objeto que se encontra próximo ou relacionado com ele. Assim, é atribuído um adjetivo a um substantivo quando na realidade esse adjetivo se refere, lógica e naturalmente, a outro substantivo.

Este recurso tem como principal objetivo aumentar a expressividade da mensagem. São conhecidos estes exemplos:

«Fumando um pensativo cigarro.» (Os Maias, Eça de Queirós)

«O silêncio desaprovador dos meus colegas.» (A queda dum anjo, Camilo Castelo Branco)

«Sobre as aldeias tristes, sobre o silêncio humilde do fumo das lareiras...» (Manhã SubmersaVergílio Ferreira)

Nos versos finais do poema O silêncio, «é que eu te falo das palavras/desamparadas e desertas//pelo silêncio fascinadas.», vemos que os adjetivos foram deslocados do sujeito poético para ou...

Pergunta:

Na frase «Ele levantou-se o mais cedo possível.», a que classe e subclasse de palavras pertence o elemento "o"?

Grata pela vossa atenção. 

Resposta:

Na frase «Ele levantou-se o mais cedo possível.», o não é classificável isoladamente, pois faz parte de uma locução adverbial¹. Sendo uma locução adverbial, fica invariável, como invariável ficaria qualquer advérbio empregado nessa frase: «Ele levantou-se muito cedo». 

Na Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra, lê-se nas pp. 544-547, sobre a gradação dos advérbios, que estes podem apresentar outras formas de superlativo: «o superlativo intensivo, denotador de limites da possibilidade, forma-se antepondo o mais ou o menos ao advérbio e pospondo-lhe a palavra possível ou uma expressão (ou oração) de sentido equivalente:

 Escreveram entretanto a D. Madalena, pedindo-lhe que os tirasse daquele purgatório o mais cedo possível. (Rebelo da Silva, Contos e Lendas)» 

¹«As locuções adverbiais são expressões com valor adverbial constituídas por mais do que uma palavra», in O advérbio em Português Europeu, João Costa, Edições Colibri, 2008 

Pergunta:

Gostaria de saber como formaria o superlativo absoluto analítico numa frase com mais do que um adjetivo, como por exemplo: «O João era divertido, atencioso e sociável.» Nessas situações coloca-se o advérbio apenas antes do primeiro adjetivo ou antes de todos?

Resposta:

«O João era divertido, atencioso e sociável.» tem todos os adjetivos no grau normal.

Quando usamos o grau superlativo absoluto analítico, o destaque é assinalado pelo emprego de certos termos que revelam uma ideia de aumento. Tal modalidade é expressa através de advérbios como muito, extremamente, excecionalmente, etc., antepostos ao adjetivo que, deste modo, intensifica o nome que o acompanha.

Se dissermos «O João era muito divertido, atencioso e sociável.», a frase mostra que o tal acréscimo se situa apenas no adjetivo divertido, deixando os outros dois no grau normal, isto é, o João destaca-se por ser divertido, e não por ser atencioso e sociável de modo relevante.

Assim, a frase  «O João era divertido, atencioso e sociável.», se quisermos pôr o destaque nos três adjetivos, terá de se apresentar do seguinte modo: «O João era muito divertido, muito atencioso e muito sociável.» ou com qualquer outro advérbio, quando se quer evitar a repetição:

«O João era muito divertido, extremamente atencioso e excecionalmente sociável.»

Pergunta:

Porque se diz Trás-os-Montes em vez do lógico que seria Atrás dos Montes? Sabe-se a partir de que altura na História se começou a chamar assim?

Resposta:

Encontramos a explicação no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, que, na entrada Trás-os-Montes, cita Leite de Vasconcelos:

«Como eu já disse na Revista Lusitana, II, 100, foram decerto os povos do Minho que deram o nome a Trás-os-Montes, pois esta província lhes fica para lá dos montes do Gerês, Cabreira, etc. Os Trasmontanos deviam naturalmente chamar à sua terra Aquém dos Montes; e em verdade, num documento de Bragança, do séc. XIV, lê-se: 'd'aquém dos montes'. Como mais usado, foi, porém, o outro que prevaleceu.

O nome de Trás-os-Montes tem variado na pronúncia. Em vez da moderna forma literária, lê-se nos livros antigos Tras-los-Montes ou Trallosmontes, como ainda o povo lá diz... (Estudos de Filologia Portuguesa, p.14). Esta última forma no séc. XV: '... da Beira e de Trallosmontes...' Guiné, Azurara, cap. V; em 1434: '... dinheiros que se tiram da comarca de tra llos montes', Descobrimentos portugueses, I, p. 286.

Na Galiza há Trasmontes (Lugo) e...

Pergunta:

Na imprensa escrita e, sobretudo, nas redes sociais, cada vez mais vemos as expressões “eh, pá”, “oh, pá”/”ó pá” escritas numa só palavra: “epá”, “opá” e até “épa” e “ópa”, quando não com dois acentos. 

Terá isto alguma razão? Será um modismo, ignorância ou estas palavras existem mesmo? É que hoje li, no Observador, datado de 14.5.2017, o seguinte: 

«Luiz Pacheco recorda-se desse dia, 1 de Maio de 1962:

"Era um 1.º de Maio. Havia uma manifestação muito grande em Lisboa… havia greve, talvez… opá houve mortos e tudo, houve polícias que foram parar dentro do Lago do Rossio (…)"».

Tentei procurar se o Ciberdúvidas já tinha publicado algo sobre isto, mas nada encontrei. 

Muito obrigado.

Resposta:

As formas epá, opá e afins não se encontram registadas nos dicionários consultados, inclusive o da Academia, nem no VOLP (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa).

No entanto, eh pá! e ó pá! aparecem no Dicionário Infopédia, com grafias diferentes e, consequentemente, intenções diferentes, veiculadas pelas diferentes interjeições: enquanto eh transmite estados vários, tais como admiração, surpresa, incitamento, etc., ó é apenas a usada para o chamamento.

As formas epá e opá serão uma opção estilística, neologismos usados por vários autores, numa lógica facilitadora do uso da linguagem.