Maria Eugénia Alves - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Maria Eugénia Alves
Maria Eugénia Alves
26K

Professora portuguesa, licenciada em Filologia Românica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, com tese de mestrado sobre Eugénio de Andrade, na Universidade de Toulouse; classificadora das provas de exame nacional de Português, no Ensino Secundário. 

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

No poema Ser Poeta, de Florbela Espanca, cujo esquema rimático é ABBA ABBA CDC EDE, é correto considerar que nas duas últimas estrofes temos rimas cruzadas em C e E, assim como interpoladas em D, apesar desta última se encontrar presente em estrofes diferentes?

O esquema rimático pode ser feito de uma estrofe para outra?

Resposta:

     No soneto italiano, como é o do caso em análise, as rimas das quadras são as mesmas (1. abba-abba; 2. abab-abab). Nos tercetos podem combinar-se duas ou, mais frequentemente, três rimas (1. ccd-eed; 2. cdc-ede; 3. cde-cde).

     O soneto «Ser Poeta», de Florbela Espanca, apresenta o segundo esquema rimático citado (abbaa, abba, cdc-ede).

 Ser Poeta

Ser Poeta é ser mais alto, é ser maior 
Do que os homens! Morder como quem beija! 
É ser mendigo e dar como quem seja 
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor! 

É ter de mil desejos o esplendor 
E não saber sequer que se deseja! 
É ter cá dentro um astro que flameja, 
É ter garras e asas de condor! 

É ter fome, é ter sede de Infinito! 
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim... 
É condensar o mundo num só grito! 

E é amar-te, assim, perdidamente... 
É seres alma e sangue e vida em mim 
E dizê-lo cantando a toda gente! 

Florbela Espanca, in "Charneca em Flor"

Pergunta:

No que concerne ao infinitivo pessoal, o meu livro diz que se usa com: 1) expressões impessoais («É preciso ires ao supermercado»); 2) preposições («Ao ouvir as notícias, o Leonardo ficou preocupado»; «Não saiam de casa sem eu chegar»); 3) locuções prepositivas («Apesar de serem muitos ricos, não gostam de gastar dinheiro»).

No que concerne às locuções prepositivas, o meu livro dá alguns exemplos do infinitivo pessoal que não consigo entender. «Depois de estudares tudo, podes sair.» O  livro diz que nessa frase é usado o infinitivo pessoal, mas na minha opinião é usado o futuro do conjuntivo, já que dá a impressão que é uma ação que vai acontecer no futuro (é a mesma coisa de '«Quando terminares [futuro do conjuntivo] de estudar, poderás sair»).

Podem dar-me alguns exemplos de  "Antes de/Depois de + infinitivo pessoal''?

Obrigada pela vossa ajuda. 

Resposta:

As respostas à sua pergunta já foram dadas aqui e aqui*.

Existe alguma confusão na identificação do infinitivo pessoal e o futuro do conjuntivo, que é a questão levantada aqui: «Depois de estudares tudo, podes sair. O meu livro diz que nessa frase é usado o infinitivo pessoal, mas na minha opinião é usado o futuro do conjuntivo». Esta confusão advém do facto de os dois tempos serem iguais nos verbos regulares, que é o caso de estudar.

No entanto, podemos distingui-los do seguinte modo: substituir por um verbo irregular,  como por exemplo fazer. Ficaríamos com a seguinte frase:

«Depois de fazeres tudo, podes sair.»

 Assim, é fácil verificar que o tempo que foi usado é o infinitivo pessoal. ( Se fosse o futuro do conjuntivo, seria fizeres)

O futuro do conjuntivo marca a eventualidade no futuro, uma ação ainda não realizada, por isso as conjunções temporais e condicionais (quando 

Pergunta:

Esta frase está correta? Existe alguma obrigatoriedade de ser virgulada, ou poderia perfeitamente não ter vírgula? «Pede ajuda ao mago, que, com a sua experiência, a auxilia na resolução desse problema.»

Obrigada

Resposta:

Vamos por partes, pois há duas situações possíveis:

1. A frase está correta, devendo ser virgulada como se apresenta.

  •  a oração iniciada por que, «que, com a sua experiência, a auxilia na resolução desse problema.» é uma oração subordinada adjetiva relativa explicativa, que tem obrigatoriamente a vírgula a isolá-la, por ser um esclarecimento facultativo e adicional. A sua omissão não alteraria o sentido da subordinante («Pede ajuda ao mago»).  

2. A frase está mal pontuada, não devendo ter a vírgula antes de que.

«Pede ajuda ao mago que, com a sua experiência, a auxilia na resolução desse problema

Apenas este mago a auxilia, portanto não há vírgula. 

Finalmente, o segmento «com a sua experiência» deve ser isolado por vírgulas, pois é uma expressão intercalada. 

Gramática de Português, Vasco Moreira et al., Porto Editora

Pergunta:

Tenho encontrado em vários espaços o presente do conjuntivo da conjugação pronominal, 1.ª pessoa do plural, escrito da seguinte forma: "permitamos-nos". Como eu sempre escrevi permitamo-nos, gostaria que me esclarecessem acerca da sua grafia e qual das formas está correta.

Resposta:

O imperativo afirmativo possui formas próprias para as segundas pessoas do singular e plural (sujeitos tu e vós). As demais pessoas são expressas pelas formas correspondentes do presente do conjuntivo.

No caso vertente do verbo permitir-se (conjugação pronominal reflexa – inserida na conjugação pronominal*), teremos o imperativo afirmativo conjugado do seguinte modo:

permite-te

permita-se

permitamo-nos

permiti-vos

permitam-se

Assim, a forma «permitamo-nos» que a consulente usa é a única correta, verificando-se que o uso de «permitamos-nos», a que assistimos demasiadas vezes, está incorreto. 

* Denomina-se «reflexa se o pronome é da mesma pessoa que o sujeito», João Antunes Lopes, Dicionário de verbos conjugados.

Fonte: Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra

Pergunta:

Na frase «De cócoras, em linha, os calceteiros, com lentidão, terrosos e grosseiros...», qual é a função sintática de «com lentidão»?

Resposta:

  O exemplo citado carece de um elemento fundamental, o verbo, que levaria a outra abordagem na análise sintática. No entanto,  vamos responder à questão,  de forma mais estrita.

   O  modificador de frase é uma função sintática desempenhada por um constituinte que não é selecionado por nenhum elemento da frase, nem faz parte do predicado. Modifica toda a frase e não apenas o verbo, podendo, por isso, ser omitido (é um constituinte opcional) sem que a frase perca sentido. Pode ser desempenhada por um grupo adverbial, por um grupo preposicional ou por uma oração.

  Exemplos: 

«Provavelmente, irei ao cinema.» (grupo adverbial)

« A equipa ganhou com grande esforço.» (grupo preposicional)

«Se estudasses, terias bons resultados.» (uma oração subordinada adverbial condicional)

 Assim, a expressão «com lentidão» é o modificador de frase, pois constitui-se como um grupo opcional, que pode ser omitido, sem que a frase ...