Maria Eugénia Alves - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Maria Eugénia Alves
Maria Eugénia Alves
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Professora portuguesa, licenciada em Filologia Românica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, com tese de mestrado sobre Eugénio de Andrade, na Universidade de Toulouse; classificadora das provas de exame nacional de Português, no Ensino Secundário. 

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

«Nesta cidade de Luanda» [ouviu-se] na tomada de posse do novo presidente da República de Angola. Houve porém quem afirmasse que o correto seria dizer «nesta cidade» ou «na cidade de Luanda».

Julgo, no entanto, que a frase usada está correta, mas terá alguma figura de estilo associada (que não sei como se chamará)?. Poderão esclarecer-me?

Grato antecipadamente

Resposta:

A frase exemplifica o recurso à deixis () com valor locativo, isto é, indica o espaço da enunciação, exemplificando a localização a partir de um ponto de referência.

A deixis espacial recorre a advérbios, e locuções adverbiais de lugar (aqui, ali, além, aí, cá...) e aos demonstrativos, como é o caso.

Exemplo:

• «Traz esse livro» (esse indica a presença e a localização próxima do interlocutor)

«Nesta cidade de Luanda...» encontra-se a deixis espacial, que  revela a proximidade do espaço em relação ao(s) interlocutor(es) e, por esse meio, o(s) envolve mais diretamente no assunto em questão. Digamos que há um reforço de intenção, salientando uma intensidade que é mais fraca, ou até inexistente, em  «Na cidade de Luanda...».

Fonte: Gramática de Português, Vasco Moreira et al., Porto Editora

 

(∗) A deixis é um fenómeno de referenciação criado na enunciação e pela enunciação que reenvia a essa mesma enunciação O fenómeno da deixis – pessoal, temporal e espacial – expressa-se através de signos que remetem para um sentido de indicação, ostentação, elucidação ou indigitação....

Pergunta:

No período composto «Não iremos à praia, porque o mar está poluído.», a conjunção porque é coordenativa ou subordinativa? Se for subordinativa, tem valor semântico de causa?

Resposta:

As conjunções subordinativas causais iniciam uma oração subordinada denotadora de causa.

São várias: porque. pois, porquanto, como (= porque), pois que, por isso que, já que, uma vez que, visto que, que, etc.

Exemplos:

«As crianças veem muita televisão, porque os adultos não conversam com elas.»

«Como os adultos não conversam com elas, as crianças veem muita televisão.»

Assim, no período composto apresentado, «porque» introduz uma oração subordinada adverbial causal, sendo uma conjunção subordinativa causal: a causa da não ida à praia é a poluição do mar. (= «Como o mar está poluído, não iremos à praia») 

No entanto, casos há em que porque pode adquirir um valor explicativo e, portanto, ser uma conjunção coordenativa (consulte aqui e aqui).

As conjunções coordenativas explicativas ligam duas orações, a segunda das quais justifica a ideia da primeira. São várias: que, pois, porque, porquanto. Normalmente este porque vem antecedido de verbo no imperativo:

«Compra o casaco, porque está frio.»

«Não comas isso, que (= porque) não presta.»

Enquanto a causal, em geral, sugere "estar na origem de", a explicativa implicita "deduz-se de".

Pergunta:

Qual a função sintática de «o aborto» na frase «Você é contra o aborto»?

Resposta:

Na frase «Você é contra o aborto», contra o aborto é o predicativo do sujeito: função sintática associada a verbos copulativos, neste caso o verbo ser, através dos quais se «predica algo acerca do sujeito»predicativo do sujeito. *

Esta função sintática pode ser constituída por: **

1. um grupo nominal

    A Cecília é professora de português.

2. um grupo adjetival

    O dia está bonito.

3. um grupo preposicional

     A escolha da hora era do interesse de todos.

4. um grupo adverbial

     Ele fica bem.

5. uma oração completiva (substantiva, isto é, equivalente a um grupo nominal)

    A alegria dos pais é verem os filhos bem.

A dúvida da consulente sobre a separação do predicativo não é exequível, pois todo o segmento tem a mesma função e insere-se no ponto 3: é um grupo preposicional.

Pergunta:

Quais as alternativas corretas (1/2) e (3/4)?

1) Os policiais afirmaram terem escutado tiros na favela; 2) Os policiais afirmaram ter escutado tiros na favela; 3) Os réus afirmaram terem-se mudado para outra cidade; 4) Os réus afirmaram ter-se mudado para outra cidade.

Resposta:

A resposta a essa questão já foi dada  aqui, aqui e aqui.

A regra é simples:

1. Emprega-se o infinitivo pessoal ou flexionado em geral numa frase em que há duas ações e o sujeito dos dois verbos em presença é diferente. Exemplo: «A professora pediu aos alunos para estudarem a matéria».

2. Pelo contrário, emprega-se o infinitivo impessoal ou não flexionado  numa frase em que há duas ações e o sujeito dos dois verbos em presença é o mesmo.

Portanto, as segunda e quarta hipóteses de frases da consulente estão corretas:

«Os policiais afirmaram ter escutado tiros na favela» 

Pergunta:

Minha dúvida está na seguinte frase: «A casa, cuja demolição causou estrago, já era bem velha.»

Surgiram duas dúvidas: uma é sobre a regência do verbo causar, isto é,  não deveria existir uma preposição antes de cuja? Por exemplo: «A casa a cuja demolição...». E a outra é sobre a função sintática. Recorri a meios e disseram-me que a função sintática da palavra cujo é de adjunto adnominal, porém o sentido não parece ser de posse («A demolição da casa...»).

Gostaria que sanassem essa dúvida.

Desde já, muito obrigado.

Resposta:

Quanto à  primeira dúvida, não há, de facto, regência da preposição a pelo verbo causar. Por isso, a frase está correta:

«A casa, cuja demolição causou estrago, já era bem velha.»

Relativamente à segunda dúvida, o pronome cujo tem valor possessivo, uma vez que ele concorda em género e número com o seu referente, exercendo a função de adjunto adnominal.

«A casa, cuja demolição (...)» – cuja concorda com «demolição», faz parte dela, tem valor possessivo.

Cujo, cuja, cujos, cujas concordam sempre com o substantivo que se lhe segue.