José Neves Henriques (1916-2008) - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
José Neves Henriques (1916-2008)
José Neves Henriques (1916-2008)
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Professor de Português. Consultor e membro do Conselho Consultivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Antigo professor do Colégio Militar, de Lisboa; foi membro do Conselho Científico e diretor do boletim da Sociedade da Língua Portuguesa; licenciado, com tese, em Filologia Clássica pela Universidade de Coimbra; foi autor de várias obras de referência (alguns deles em parceria com a sua colega e amiga Cristina de Mello), tais como Gramática de hojeA Regra, a Língua e a Norma A Regra, Comunicação e Língua PortuguesaMinha Terra e Minha Gente e A Língua e a Norma, entre outrosFaleceu no dia 4 de março de 2008.

CfMorreu consultor do Ciberdúvidas

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Não se importam de me esclarecer melhor sobre o significado da palavra anabolizante?

Resposta:

Esta palavra não vem nos dicionários por nós consultados. E, como não nos foi dada numa frase e explicada a situação em que se emprega, não nos foi possível saber o que significa, pois só sabendo-o podemos responder com segurança. Só assim podemos saber se tem ou não o sufixo - izar. Como conhecemos a palavra anabolismo registada nos dicionários de medicina, consultámos um médico sobre o assunto, que nos informou o seguinte: «Corresponde a um produto, fármaco, que interfere no metabolismo humano, tal como algumas hormonas, aumentando a massa corporal.»

Verificamos, então, que anabolizante se relaciona com o metabolismo, tal como anabolismo. Sendo assim, a palavra é formada do elemento grego anabolé (elevação de terreno, ascensão no sentido de crescimento, construção). Estes significados relacionam-se com a ideia de aumento da massa corporal de que nos falou o referido médico. De anabolé + izar sufixo com ideia de tornar, transformar) + - (a)nte (sufixo com ideia de agente). Em conclusão e uma vez que na palavra entra o sufixo - izar, de certeza que se escreve anabolizante com z.

Pergunta:

A propósito da passagem de Hong Kong para a soberania da China, ouvi na Antena 1 dois erros, segundo creio: "dignatários", dizia o jornalista Sena Santos...

Resposta:

Dignitário. É esta a forma aceite, uma  adaptação do francês dignitaire, por via do latim dignitate + - ário, que teria dado um hipotético dignitatário. Pelo fenómeno fonético chamado haplologia, suprimiu-se a primeira sílaba ta.

Este fenómeno, que consiste na supressão da primeira de duas sílabas iguais
ou semelhantes da mesma palavra, é frequente em português:

bondade + -oso bondodoso  > bondoso

cândido + -ura candidura  > candura

Dizer-se dignatário  explica-se, embora não seja aceite, por influência de dignar

Pergunta:

Esta palavra é utilizada em medicina para descrever o efeito terapêutico de um medicamento com acção regularizadora do sono (hipnos).

Gostaria de ser esclarecido sobre qual a forma correcta de a escrever:

-hipnorregulador;
-hipnoregulador;
-hipno-regulador.

Resposta:

A grafia "hipnoregulador" é inteiramente errónea, como se compreende, porque teríamos de ler o r interior como lemos, por exemplo, o r de pires, América, orelha, etc.

O "Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa" de Rebelo Gonçalves, na pág. 250, diz:

«É inadmissível o uso do hífen nos compostos em que um elemento de origem substantiva, proveniente do grego ou do latim e terminado em o, se combina com um ou mais elementos substantivos ou adjectivos. Em tais compostos faz-se sempre a união completa dos elementos iniciais aos imediatos.»

É o caso de hipnorregulador. E mais vejamos:

a) O primeiro elemento, hipno, provém do substantivo grego hypnos (sono).

b) Regulador é vocábulo português que, neste caso, funciona como substantivo (o regulador do sono) e provém do verbo regular + - dor, sufixo de origem latina com ideia de agente (agente que regula).

c) Regular provém do verbo latino regulare, cujo significado é o mesmo do verbo português.

Pergunta:

A minha dúvida é a seguinte: recentemente alguém perguntava qual a pronúncia correcta da "palavra inglesa Trafalgar", e o vosso consultor remetia para a pronúncia indicada nos dicionários anglo-saxónicos. Ora, nem "Trafalgar" é uma palavra inglesa, é o nome de um cabo na Andaluzia perto do qual se travou a famosa batalha, nem a pronúncia correcta - pelo menos para nós, ibéricos - será a consagrada pela Pérfida Albion. Não deveríamos nós, portugueses, pronunciar "Trafalgár" ou, já agora, "Gibraltár"? Não será o mesmo fenómeno de aculturação (neste caso afonetização) que aconteceu à viçosa Florida que os nossos ignorantes locutores insistem em transformar na murcha Flórida?

Resposta:

Gostei das palavras deste Senhor Consulente, porque pertence ao número das pessoas que se interessam pela Língua Portuguesa, mas... vamos então a alguns "mas".

a) A grafia Trafalgar tanto é portuguesa como inglesa. A pronúncia é que não é a mesma nas duas línguas.

b) Indiquei a pronúncia inglesa, porque era esta e não a pronúncia portuguesa que o consulente pedia nas seguintes palavras: «Será que me podem indicar aonde me deverei dirigir para esclarecer a pronúncia correcta da palavra inglesa Trafalgar

c) Evidentemente que a pronúncia da palavra portuguesa não pode ser outra senão/Trafalgár/, assim como /Gibraltár/. Faz muito bem em combater as asneiras de português que andam por aí. A /Flórida/ lembra-me a /Sumatra/, à inglesa, em vez de /Samatra/, à portuguesa.

Pergunta:

Qual a origem do nome Paciente?

Resposta:

O antropónimo Paciente - que significa «a pessoa que padece, o doente» - ou provém do antropónimo latino Patiente(m), bispo de Lugduno (Lião, França) ou do substantivo masculino paciente, como informa o "Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa" do Dr. José Pedro Machado.