Inês Gama - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Inês Gama
Inês Gama
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Licenciada em Português com Menor em Línguas Modernas – Inglês pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e mestre em Português como Língua Estrangeira e Língua Segunda (PLELS) pela mesma instituição. Fez um estágio em ensino de português como língua estrangeira na Universidade Jaguelónica em Cracóvia (Polónia). Exerce funções de apoio à edição/revisão do Ciberdúvidas e à reorganização do seu acervo.

 
Textos publicados pela autora
Os conceitos em torno da palavra <i>Europa</i>
Algumas considerações sobre as palavras da sua família e respetivas etimologias

Em ano de eleições europeias e do camponato de futebol entre as principais seleções da Europa, a consultora Inês Gama reflete, neste apontamento, sobre a história da palavra Europa e outros termos da sua família e respetivas etimologias.

Pergunta:

Quando em português um particípio passado vem logo após um substantivo, o referido particípio é, de preferência, de qual classe gramatical?

Por exemplo, em «Heróis Unidos» [...] indica-se que "Unidos" é verbo? Ou é adjetivo?

Qual dos dois será a opção padrão? E por quais motivos isso?

Obrigado.

Resposta:

Se a expressão «Heróis Unidos» surgir em estruturas como «Heróis unidos vão derrotar o vilão», o termo unidos, neste caso, é considerado um adjetivo.

Os particípios verbais e os adjetivos partilham um número importante de propriedades morfológicas, sintáticas e semânticas. Neste sentido, autores como Rita Veloso e Eduardo Raposo, em Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian), consideram que «não existe uma separação nítida e estanque entre a classe dos adjetivos e a dos particípios. Antes, os particípios, dependendo do contexto em que ocorrem e também do seu sentido mais ou menos previsível a partir do verbo com que se relacionam, podem ocupar um determinado número de posições numa escala gradativa na qual um dos extremos corresponde a formas inteiramente verbais e o outro a forma cujo sentido se afasta do sentido do verbo correspondente, e das quais se pode dizer que se recategorizaram completamente em adjetivos» (pág. 1478).

Os contextos em que os particípios apresentam sobretudo propriedades verbais são:

i) tempos compostos, construídos com o auxiliar ter ou haver:

(1) «Os heróis tinham unido a população contra o vilão.»

(2) «Os heróis haviam unido a população contra o vilão.»

ii) frases passivas, com o verbo auxiliar ser:

(3) «Os heróis foram unidos pelo vilão.» 

Nas construções em que os verbos auxiliares são estar e...

Pergunta:

Gosto muito do Rúben Amorim e vejo todas as conferências de imprensa dele.

Tenho uma dúvida sobre uma frase que ele disse hoje, ou seja (minuto 10:32, Youtube):

«O contexto é completamente diferente. Quando jogámos aqui, acho que tínhamos os mesmos pontos ou, se o Porto ganhasse, apanhava-nos na classificação.»

Tendo em conta que foi um evento relativo ao passado e hoje não poderia acontecer, não deveria ter dito: «Se o Porto tivesse ganhado, ter-nos-ia apanhado/tinha-nos apanhado na classificação»?

Obrigado.

Resposta:

A frase dita por Rúben Amorim ao minuto 10:32 da conferência de imprensa de antevisão do jogo do Sporting contra o Porto, ocorrido a 28/04/2024, está correta.

A oração «se o Porto ganhasse» consiste numa oração condicional contrafactual, uma vez que Rúben Amorim, na conferência de imprensa em questão, estava a referir-se à última vez em que o Sporting tinha jogado contra o Porto. Neste caso, a interpretação da oração faz-nos assumir que o antecedente é falso, ou seja, que o Porto não ganhou esse último jogo contra o Sporting.

Segundo Maria Lobo, em Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian), as orações condicionais contrafactuais geralmente ocorrem com o pretérito mais-que-perfeito do conjuntivo, «mas também são possíveis o imperfeito do conjuntivo e o presente do indicativo» (pág. 2021). Neste sentido, o uso da oração «se o Porto ganhasse» no contexto referido está correto. No entanto, também seria aceitável o pretérito mais-que-perfeito do conjuntivo «se o Porto tivesse ganhado».

Quanto ao uso do imperfeito simples do indicativo na oração principal, «apanhava-nos na classificação», também está correto, uma vez que, tal como indica Maria Lobo, a sua função é realçar o mundo alternativo que é construído e contribuir para uma interpretação contrafactual da frase que está condicionada pragmaticamente. Pois, é «através da relação que se estabelece entre o tempo da oração principal e o da oração subordinada que conseguimos interpretar ...

O Dia Mundial da Língua Portuguesa
Balanço da situação do português no mundo

«Portadora de uma longa história, não se pode esgotar na descrição do seu sistema linguístico, devendo ser também entendida como um veículo de comunicação por excelência e um forte laço de união dos povos que a utilizam. Por isto e muito mais, vale sempre a pena celebrá-la!» – escreve a consultora do Ciberdúvidas Inês Gama, neste apontamento a propósito do Dia Mundial da Língua Portuguesa, celebrado a 5 de Maio.

Pergunta:

Seria possível que me esclarecessem detalhadamente acerca do complemento do nome e do adjetivo e como identificá-los?

Grato pela atenção.

Resposta:

A função sintática complemento do nome consiste num constituinte do grupo nominal, selecionado pelo nome, cujo sentido completa. Este complemento pode ser um grupo preposicional não oracional, como em (1), um grupo preposicional oracional, como em (2), ou ainda um grupo adjetival, como em (3).

(1) O vendedor de gelados caminha ao longo do parque.

(2) Ele deu-me a garantia de que vinha hoje.

(3) A pesca baleeira tem vindo a aumentar.

Normalmente, o complemento do nome não pode ser suprimido, exceto em situações em que a sua inferência pode ser implícita, uma vez que a sua supressão alterar o sentido da frase ou o torna incompleto, como se pode verificar nos exemplos seguintes:

(4) O vendedor caminha ao longo do parque.

(5) Ele deu-me a garantia.

(6) A pesca tem vindo a aumentar.

Quando o complemento do nome é um grupo oracional, a preposição pode ser omitida, pois não é obrigatória, como se observa em (7):

(7) Ele deu-me a garantia que vinha hoje.

Já o complemento do adjetivo é uma função desempenhada por um constituinte selecionado por um adjetivo. Este é sempre ou um grupo preposicional não oracional, como em (8), ou um grupo preposicional oracional, como em (9).

(8) Este problema é difícil de resolver.

(9) Estou contente por teres ganho aquele prémio.

O complemento do adjetivo é frequentemente opcional. Portanto, o que distingue o complemento do nome do complemento d...