Inês Gama - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Inês Gama
Inês Gama
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Licenciada em Português com Menor em Línguas Modernas – Inglês pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e mestre em Português como Língua Estrangeira e Língua Segunda (PLELS) pela mesma instituição. Fez um estágio em ensino de português como língua estrangeira na Universidade Jaguelónica em Cracóvia (Polónia). Exerce funções de apoio à edição/revisão do Ciberdúvidas e à reorganização do seu acervo.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Quantos deíticos há na frase «A aventura devolve-nos à imensidão do aberto.»?

Resposta:

Na frase «A aventura devolve-nos à imensidão do aberto» pode-se considerar que há um dêitico pessoal, que corresponde ao pronome pessoal na forma dativa nos. Pode-se também considerar o dêitico temporal presente na forma verbal devolve no presente do indicativo.

Os dêiticos são expressões linguísticas cuja função é fazer referência ao momento da enunciação, à situação do enunciado ou aos interlocutores. Segundo Maria Lobo na Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian)1: «A referência de uma expressão dêitica não tem um valor fixo, mas sim um valor referencial variável de acordo com os parâmetros da enunciação. Por exemplo, os advérbios (…) e os pronomes pessoais da primeira e segunda pessoa (…) são dêiticos, uma vez que, para identificarmos o seu referente, temos de conhecer o contexto enunciativo» (pág. 2178). Assim, na frase apresentada pela consulente, o pronome nos pode ser considerado um dêitico, visto que faz referência ao locutor da informação veiculada pela frase.

De acordo com o Dicionário Terminológico, os dêiticos «assinalam o sujeito enunciador, o sujeito a quem se dirige o ato enunciativo, o tempo e o espaço da enunciação; apontam para objetos, entidades e processos constitutivos do contexto situacional; contribuem ainda para a referenciação exofórica de outros signos atualizados no discurso». Deste modo, o tempo verbal em que o verbo devolver se encontra permite localizar a situação descrita pela frase num determinado período de tempo que se sobrepõe ao da enunciação. Por isso, o tempo verbal do ve...

A classe de palavras de <i>que</i>
O que de «comprei uma maçã que estava podre»

A classe de palavras a que o vocábulo que pertence na frase «Comprei uma maçã que estava podre» é o tema abordado pela consultora Inês Gama no programa Páginas de Português, da Antena 2.

Pergunta:

Na passagem «Como um friso – de pessoas, lugares e acontecimentos, quantas vezes maiores que a própria vida –, que poderia muito bem ser cinema se, por acaso um dia, a ele fosse adaptado», agradecia que me precisassem, no caso de ter de transcrever, o antecedente do pronome relativo que presente em «que poderia muito bem ser cinema»: «um friso» ou «friso»?

Antecipadamente grata!

Resposta:

A frase apresentada pela consulente é do artigo de Maria João Pinto, no Diário de Notícias, intitulado «Fernão Lopes, cronista para todos os tempos». Na oração «que poderia muito bem ser cinema» o antecedente do pronome relativo que é o sintagma nominal «um friso».

Na oração mencionada o pronome relativo que desempenha a função sintática de sujeito. Para além de assegurar formalmente a relação de subordinação, o pronome relativo que também retoma dentro da oração o grupo nominal modificado, que, neste caso, corresponde a «um friso».

A oração «que poderia muito bem ser cinema» é uma relativa de nome apositiva e, como tal, segundo Rita Veloso, na Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian)1, o antecedente das orações relativas apositivas é um sintagma nominal completo (neste caso, «um friso»). Este tipo de orações funciona semanticamente como um caraterizador de todo o sintagma nominal precedente, veiculando informação nova sobre ele, mas não contribuindo para o seu valor referencial.

 

1. Veloso, R. (2013), Subordinação relativa. In Raposo et al. (2013). Gramática do Português. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 20610-2136.

Pergunta:

É possível desenvolver um algoritmo – sequência de instruções – que tendo como input um texto em português consiga, como output, indicar se esse texto é em português do Brasil ou de Portugal?

Obrigado

Resposta:

Existem diferenças assinaláveis entre o português europeu (PE) e o português do Brasil (PB) que podem ser facilmente identificáveis por um algoritmo. Todavia, até à data, desconhece-se a existência de um programa específico capaz de fazê-lo.

Os dados de ambas as variedades evidenciam que existem diferenças ao nível da sintaxe, da morfologia, da fonética e fonologia, da semântica e do léxico, que aplicadas a um conjunto de operações e sequências informáticas, poderão permitir desenvolver um algoritmo capaz de distinguir ambas as variedades pelo menos nos seus traços mais gerais e mais marcados. 

Tomando como referência os programas informáticos usados na tradução e disponíveis na internet, por exemplo Google Tradutor, Deepl Translate e o tradutor do Cambridge Dicionary, observa-se que ainda não existe uma distinção marcada entre o PE e o PB. Contudo, no caso de inglês, alguns destes programas já fazem a distinção entre o inglês americano e o inglês britânico, o que indica que já existem algoritmos capazes de distinguir diferentes variedades de uma língua, mas que ainda não foram aplicados ao português.

 

Cf. Algoritmo: no coração do digital

A classe de palavras de <i>dele</i>
Uma forma com valor possessivo

Apontamento da consultora Inês Gama sobre a classe de palavras do vocábulo dele, divulgado no programa Páginas de Português, da Antena 2.