Inês Gama - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Inês Gama
Inês Gama
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Licenciada em Português com Menor em Línguas Modernas – Inglês pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e mestre em Português como Língua Estrangeira e Língua Segunda (PLELS) pela mesma instituição. Fez um estágio em ensino de português como língua estrangeira na Universidade Jaguelónica em Cracóvia (Polónia). Exerce funções de apoio à edição/revisão do Ciberdúvidas e à reorganização do seu acervo.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

O termo "bicamarário" existe? Os dicionários parecem não acolher este adjetivo enquanto sinónimo de bicameral/bicamaral designativo de um sistema político em que o poder legislativo está dividido em duas câmaras.

Resposta:

O termo bicamarário tem escassos registos nos dicionários de português. Bicameral é o adjetivo mais corrente, com o significado de «relativo ao bicameralismo (sistema político em que há duas câmaras legislativas)» (cf. Infopédia diz-se do sistema político em que há duas câmaras legislativas). 

Consultando alguns dicionários – Houaiss, Michaelis, AuleteInfopédiaDicionário da Academia das Ciências –, verifica-se que o termo bicamarário ainda não se encontra registado. Também numa pesquisa no Corpus do Português, de Mark Davies, não foram encontrados resultados associados a este vocábulo. 

Contudo, o dicionário Priberam dá conta da utilização desta palavra, classificando-a como adjetivo e apresentando uma nota a informar os seus utilizadores que em breve estará disponível uma definição. Num dicionário menos recente, o

Pergunta:

O que quer dizer a expressão «literatura de cordel»?

Resposta:

A expressão «literatura de cordel» diz respeito a um conjunto de textos escritos em verso, que eram, geralmente, publicados em folhetos. Este termo provém da forma como antigamente os livros eram expostos para venda, pois estes eram pendurados num cordel à porta das tipografias, livrarias e nas feiras. 

De acordo com a Infopédia, esta designação «aplica-se a um vasto conjunto de folhetos, de estilos e temas diversificados, em geral anteriores ao século XIX (altura em que a cultura de massas estava a nascer, uma vez que a imprensa estava vulgarizada e havia cada vez mais pessoas a saber ler)». Já segundo o E-Dicionario de Termos Literários, de Carlos Ceia, a literatura de cordel consiste em «poesia popular impressa em folhetos e vendida em feiras ou praças –, tal como é cultivado no Brasil até hoje (vésperas do Terceiro Milénio), teve origem em Portugal, onde por volta do séc. XVII se popularizaram as folhas volantes (ou folhas soltas), que eram vendidas por cegos em feiras, ruas, praças ou em romarias, presas a um cordel para facilitar sua exposição aos interessados». 

Os assuntos abordados por este tipo de textos eram muito diversificados. Tanto falavam de situações verídicas, tratando-as de forma satírica ou romanceada, como contavam histórias fantasiadas de gosto popular. No fundo, estes folhetos serviam para informar, mas também para entreter e divertir, aproveitando muitas vezes para atacar ou defender causas ou personalidades públicas. Devido aos seus temas variados, na literatura de cordel pode-se também incluir o romance, com caraterísticas mais populares e oralizantes (p. ex. as histórias infantis), ou o teatro. 

Esta forma de literatura popula...

Pergunta:

A palavra pouco pode inserir-se em diferentes classes/subclasses, como a dos quantificadores existenciais, a dos pronomes indefinidos, a dos advérbios de quantidade e grau ou até a dos nomes. Além disso, o dicionário prevê ainda que este vocábulo seja um adjetivo. Em que contextos? Nesse caso, como distinguir dos quantificadores? Obrigado pela vossa ajuda!

Resposta:

Efetivamente a palavra pouco pode pertencer a várias classes de palavras. Só a análise em contexto frásico permite determinar a classe de palavras a que este vocábulo pertence. Por isso, analisemos os seguintes exemplos: 

(1) «Poucos livros foram vendidos.»

(2) «Poucos vieram à festa.»

(3) «Ela pouco falou ao longo do dia.»

(4) «A comida servida era pouca.» 

Em (1) o termo «poucos» é um quantificador, visto que, incidindo sobre o nome livros, indica a quantidade desse conjunto que foi vendida. Já em (2), a palavra «poucos» pertence à classe dos pronomes indefinidos porque corresponde ao uso pronominal de um quantificador. Em (3), «pouco» é um advérbio, uma vez que apresenta informação sobre a quantidade da situação descrita como «falar ao longo do dia». Por fim, em (4) «pouco» é um adjetivo, que surge em posição predicativa, uma vez que predica sobre o nome, concordando com este em género e número. Note-se que, na qualidade de adjetivo e de advérbio, pouco é graduável em grau (pouquíssimo). Contudo, salienta-se que o uso de pouco como adjetivo parece mais residual e, refira-se, mantém o valor de quantificação, que, neste caso, incide sobre o sujeito. 

A derivação no contexto do Português <br> como Língua Estrangeira
A importância do seu ensino

A importância do ensino da morfologia derivacional no contexto do Português como Língua Estrangeira (PLE) é o tema de uma reflexão de Inês Gama, que considera que «no ensino da formação de palavras, cabe ao professor dotar os aprendentes de estratégias que lhes permitam entender o funcionamento do léxico da língua, nomeadamente os processos que intervêm na sua criação, como é o caso da derivação».

Pergunta:

'Passei a encontrar a expressão humano como nome em vez de adjetivo, significando «ser humano».

É correto ou mais uma importação do inglês?

Resposta:

Está correta a utilização do termo humano enquanto nome, embora possa também ser usado como adjetivo. 

Segundo o dicionário online Infopédia, a palavra humano pode ser usada como adjetivo com o sentido «do homem ou a ele relativo» ou ainda com o significado de «bondoso, compassivo», como por exemplo: 

(1) O João teve uma atitude humana. 

O mesmo dicionário também informa que este vocábulo pode ser utilizado como nome coletivo e com a aceção de «os homens». No Corpus do Português, de Mark Davis, é possível identificar vários exemplos do uso do termo humano enquanto nome, como ilustra a frase seguinte presente na obra Zargueida da autoria de Francisco de Paula Medina e Vasconcelos e cuja publicação é de 1884: 

(2) «(...) Para bravo investir qualquer humano / Que por alli quizer passar insano». 

Quanto à sua origem, nada indica que seja uma importação do inglês, uma vez que é possível encontrar esta palavra com o mesmo significado de «seres humanos» em obras do século XIX, como se pode verificar no Corpus do Português. Além disso, etimologicamente, a palavra humano teve origem no vocábulo latino