Inês Gama - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Inês Gama
Inês Gama
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Licenciada em Português com Menor em Línguas Modernas – Inglês pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e mestre em Português como Língua Estrangeira e Língua Segunda (PLELS) pela mesma instituição. Fez um estágio em ensino de português como língua estrangeira na Universidade Jaguelónica em Cracóvia (Polónia). Exerce funções de apoio à edição/revisão do Ciberdúvidas e à reorganização do seu acervo.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Na frase «A perseverança ajuda-nos a lidar com esse tal de medo» a preposição destacada é necessária?

Obrigado.

Resposta:

Na frase apresentada pelo consulente a preposição de não é necessária, sendo que o uso mais aceitável, em português europeu, será «A perseverança ajuda-nos a lidar com esse tal medo». 

 Em dicionários e gramáticas do português, não se encontram informações relevantes sobre o uso da preposição de com «esse tal». Contudo, uma pesquisa no corpus do português, organizado por Mark Davies, mostra que o uso da preposição de com «esse tal» é sobretudo comum no português do Brasil, mas apenas com nomes próprios, como ilustram os exemplos (1) e (2). 

(1) «Eu não conheço esse tal de Jerônimo.» (Pedro Correa Cabral, em “Xambioá – Guerrilha do Araguaia”)

(2) «Em primeiro lugar em as pesquisas, está esse tal de Francisco Cardoso Fernando Henrique Cardoso.» (Folha de São Paulo)

Já em português europeu, parece existir e tendência para usar a expressão «esse tal» sem preposição a segui-la, quer com nomes próprios, como exemplificado em (3), quer com nomes comuns, como se observa em (4). 

(3) «também o teu mais recente padrão de génio universal, esse tal Proust.» (José Régio, em “Os Avisos do Destino”)

(4) «E então, esse tal ...

Pequenas curiosidades sobre a expressão «sumo pontífice»
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Pergunta:

Na frase seguinte, podia esclarecer como o louca vem antes do substantivo «a tua mulher» e, ainda mais, como é que pode justificar o uso do da entre a louca«tua mulher»? Parece-me que a versão mais clara seria «a tua mulher louca», não é?

«Nunca se sabe quando vais ter de safar a louca da tua mulher.»

Muito obrigado.

Resposta:

A palavra louco/(a) pode, segundo a grande maioria dos dicionários de língua portuguesa, pertencer a duas classes de palavras diferentes: nomes e adjetivos. 

Na frase «Nunca se sabe quando vais ter de safar a louca da tua mulher», a palavra louca pertence à classe dos nomes e, por conseguinte, a expressão «da tua mulher» funciona como modificador do nome, uma vez que completa o sentido do nome louca. Regra geral, os modificadores e complementos do nome são, em português, introduzidos pela preposição de, por isso se coloca da (contração da preposição de como artigo feminino a) entre o nome louca e a expressão «tua mulher». 

Já na frase «Nunca se sabe quando vais ter de safar a tua mulher louca», a palavra louca funciona como um adjetivo, tendo a função de caracterizar aquela mulher específica como louca. Neste caso, a ocorrência do adjetivo louca é à direta do nome mulher, lugar tipicamente ocupado pelos adjetivos em português.

Note-se, contudo, que «a louca da tua mulher» e «a tua mulher louca» têm certa equivalência semântica, isto é, segundo Celso Cunha e Lindley Cintra, em Nova Gramática do Português Contemporâneo, trata-se de um «recurso expressivo, generalizado nas línguas românicas» e «é a caracterização de um substantivo por meio de um nome (substantivo ou adjetivo) anteposto,

Pergunta:

Ando a aprender português há dois anos e meio e, hoje, não consegui encontrar na Internet a resposta à minha dúvida. Como todos os estudantes de português aprendem, há duas cores (laranja / «cor de laranja», e rosa / «cor-de-rosa») que não variam em género nem em número, porque as palavras laranja e rosa são substantivos. Hoje comecei a pensar na cor alaranjada que podemos chamar da cor coral. Pelo que entendi, também é possível dizer tanto coral, como «cor de coral» («uma saia coral» / «uma saia cor de coral» ou «um batom coral» / «um batom cor de coral»).

Na Infopédia encontrei a forma plural deste adjetivo – corais. Além disso, encontrei vários exemplos na Internet com expressões como «batons corais», «flores corais», etc. No entanto, o ChatGPT afirma que o adjetivo coral é invariável, porque vem do respetivo substantivo.

Então, a minha pergunta é: qual forma do plural está correta: "coral" ou "corais"? Por exemplo:

1) umas saias coral / umas saias corais / umas saias cor de coral

2) uns batons coral / uns batons corais / uns batons cor de coral

Agradeço antecipadamente a vossa resposta! Este site é tesouro para quem quer aprender a falar melhor português!

Resposta:

Antes de mais, agradecemos as suas gentis palavras.

A forma correta é «umas saias cor de coral» e «uns batons cor de coral».

O adjetivo «cor de coral» é um composto, isto é, resulta da associação das palavras cor e coral. Segundo Rita Veloso e Eduardo Paiva Raposo, na Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian), «os adjetivos compostos não flexionam em género e número, a menos que o último elemento do composto seja um adjetivo» (pág. 1376). Neste caso, como coral é um nome comum, a sua forma mantém-se «cor de coral» tanto com nomes singulares como plurais. Portanto, do ponto de vista normativo, o correto será «Ela comprou uns brincos cor de coral».

Do ponto de vista dos usos, pesquisas no Corpus do português, organizado por Mark Davies, apenas apresentam resultados para a palavra «cor de coral», o que indica que «cor de corais» se trata de uma utilização marginal e sem grande expressão mesmo entre usos menos formais. 

Quanto ao uso da palavra coral como adjetivo, esta usa-se para referir algo «relativo aos coros» (Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa), ou seja, utiliza-se maioritariamente no âmbito da música. Neste caso, como apenas se usa o termo coral, estamos perante um adjetivo morfologicamente simples e, por isso, flexion...

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