Inês Gama - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Inês Gama
Inês Gama
18K

Licenciada em Português com Menor em Línguas Modernas – Inglês pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e mestre em Português como Língua Estrangeira e Língua Segunda (PLELS) pela mesma instituição. Fez um estágio em ensino de português como língua estrangeira na Universidade Jaguelónica em Cracóvia (Polónia). Exerce funções de apoio à edição/revisão do Ciberdúvidas e à reorganização do seu acervo.

 
Textos publicados pela autora
«Cair o Carmo e a Trindade»
Qual o sentido desta expressão?

Apontamento da consultora Inês Gama sobre o sentido da expressão «cair o Carmo e a Trindade». Incluído no programa Páginas de Português, na Antena 2, no dia 9 de março de 2025.

Pergunta:

No segmento frásico «Uma versão que, segundo o encenador, não contém todo o original do autor romântico», a expressão «segundo o encenador» desempenha a função sintática de modificador do grupo verbal?

A expressão está inserida dentro de um modificador restritivo, mas é "secundarizado" pelas vírgulas, o que lhe pode atribuir uma função diferente.

Obrigada pela atenção.

Resposta:

Na frase apresentada pela consulente, o constituinte «segundo o encenado» desempenha a função sintática de modificador da frase.

O modificador da frase distingue-se do modificador verbal, porque não pode ser interrogado nem negado. Veja-se a aplicação do teste da negação à frase:

(1) «*Uma versão que, não segundo o encenador, não contém todo o original do autor romântico».

Neste caso, «segundo o encenador» não pode ser negado, pois a frase que se gera é agramatical. Por conseguinte, conclui-se que o constituinte «segundo o encenador» funciona como modificador da frase. Note-se que este tipo de modificadores têm uma maior independência prosódica do que os modificadores verbais e, por isso, são demarcados por vírgula.

Relativamente aos modificadores do grupo verbal, observe-se que estes «contribuem para o significado do sintagma verbal, quantificando, qualificando ou localizando (temporal ou espacialmente) a situação que se descreve, mas não representam participantes na situação ou no evento descrito pelo verbo.» (Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 1161). Veja-se a seguinte frase:

(2) «O autor r...

O termo Carnaval e outros tais!
A lexicologia de Carnaval e outras palavras

Neste apontamento a consultora Inês Gama apresenta uma reflexão sobre a lexicologia da palavra Carnaval e outras tantas que gravitam em seu torno.

Pergunta:

A forma "chocolate ao leite" (similar ao francês chocolat au lait) é aceitável se estivermos a falar/escrever português de Portugal?

A contração ao (a+o) também pode ser usada neste contexto (o de indicar que o chocolate tem um teor de leite na sua constituição)?

Obrigada.

Resposta:

Em português europeu, a tradução aceitável da expressão francesa «chocolat au lait» é «chocolate de leite».

Note-se que em francês, à semelhança do português, existem as preposições à e de, contudo, as situações em que cada uma delas se utiliza são um pouco distintas nas duas línguas. Em francês, usa-se a preposição à para mencionar a composição dos alimentos como, por exemplo, «gâteau au chocolat» («bolo de chocolate») ou «thé à la menthe» («chá de menta»). Por sua vez, em português, este valor é veiculado pela preposição de.

Pesquisas realizadas no Corpus do Português, de Mark Davies, não encontraram nenhum resultado para o uso da expressão «chocolate ao leite», o que indica que o seu uso, a existir, é residual e poderá ser resultado de uma tradução literal e pouco cuidada da expressão francesa. Já no que concerne às pesquisas realizadas no Google para a expressão «chocolate ao leite», estas remetem sempre para sites brasileiros, o que poderá ser indicativo do uso desta expressão no português do Brasil.

Pergunta:

Tanto quanto pude averiguar, os dicionários de verbos da língua portuguesa, como, por exemplo, o da Infopédia (Porto Editora), registam impactado como a única forma possível do particípio passado do verbo impactar.

É, pois, com alguma perplexidade, que me deparo recorrentemente com formulações como «o dardo tinha impacto o alvo».

Neste exemplo, parece-me que o adjectivo impacto está a ser utilizado em vez do particípio passado impactado, cujo emprego seria mais correcto.

Estará a escapar-me alguma coisa?

Muito obrigado!

Resposta:

De facto, nas gramáticas e dicionários consultados a forma do particípio passado do verbo impactar é apenas impactado/(a). Quer isto dizer que não existem registos de o verbo impactar ser um verbo com particípio passado duplo. Por conseguinte, o correto, em português, será «O dardo tinha impactado o alvo.»

Relativamente à utilização de impacto como particípio passado do verbo impactar, pesquisas no Corpus do Português, de Mark Davies, não encontraram qualquer resultado. Contudo, podemos levantar a hipótese de a formulação em questão tratar-se de uma tradução literal do inglês «the dart has impacted the target», em que se confunde a forma do particípio passado do verbo com a forma do adjetivo. 

Note-se ainda que a estrutura «ter + impacto» existe em português, sendo utilizada, por exemplo, no âmbito da linguagem económica como se verifica em «O lançamento deste imposto teve impacto nas vendas». No entanto, repare-se que impacto, nestes casos, é um nome comum com o sentido de «efeito provocado, em alguém ou alguma coisa, por ação, acontecimento, situação relevante ou influente» (Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa), não pertencendo ao complexo verbal da frase.