Inês Gama - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Inês Gama
Inês Gama
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Licenciada em Português com Menor em Línguas Modernas – Inglês pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e mestre em Português como Língua Estrangeira e Língua Segunda (PLELS) pela mesma instituição. Fez um estágio em ensino de português como língua estrangeira na Universidade Jaguelónica em Cracóvia (Polónia). Exerce funções de apoio à edição/revisão do Ciberdúvidas e à reorganização do seu acervo.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Sabemos que os pronomes relativos devem ser procedidos pela regência dos verbos que os seguem. No entanto, não é uma prática que percebo na oralidade.

É frequente ouvir:

Li o livro que me falaste.

Em vez de: Li o livro de que me falaste.

Aprendi a música que gosto.

Em vez de: Aprendi a música de que gosto.

Gostaria de saber o que as gramáticas dizem sobre isto e a vossa opinião. Devemos considerar agramatical?

Obrigada!

Resposta:

Nestes casos, a aceitabilidade da supressão da preposição em orações relativas varia consoante os verbos utilizados. Por exemplo, João Andrade Peres e Telmo Móia, em Áreas Críticas da Língua Portuguesa, assinalam que «o verbo gostar parece ser um dos favoritos dos adeptos da construção [sem preposição]» (pág. 289).

Adotando um ponto de vista mais conservador e preferencial para muitos autores e gramáticas, o correto é o pronome relativo ser precedido pela preposição de quando o verbo da oração relativa rege essa mesma preposição, uma vez que, quando o pronome relativo é deslocado para o início da oração, a preposição deve acompanhar este elemento na deslocação. Neste sentido, apenas são aceitáveis frases como «Li o livro de que me falaste» ou «Aprendi a música de que gosto».

Contudo, como assinala a consulente, os falantes dividem-se quanto à necessidade do uso da preposição neste tipo de situações, sendo comum, sobretudo em registos orais e alguns escritos, a omissão da preposição nas construções relativas. Segundo João Andrade Peres e Telmo Móia, em Áreas Críticas da Língua Portuguesa, a supressão da preposição em orações relativas consiste num fenómeno que «está progressivamente a ganhar terreno, possivelmente por influência do português do Brasil» (pág. 288). Também não é de excluir influência do inglês nestes casos, uma vez que nesta língua ocorre o «abandono de preposição» quando o pronome relativo sofre um movimento.

Portanto, alguns autores e gramáticas dão conta da possibi...

A palavra <i>Páscoa</i> e outros vocábulos relacionados

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Uma seleção das palavras que marcaram o período de campanha para as eleições legislativas de10 de março de 2024, em Portugal, e a fase de divulgação dos resultados das votações é o tema deste texto da consultora Inês Gama, que aproveita ainda para esclarecer certas confusões que algumas delas causaram.

Pergunta:

Na frase: «O avô tinha o livro na estante», «na estante» pode ser considerado complemento oblíquo?

Ou é modificador do grupo verbal?

Obrigada.

Resposta:

Na frase indicada pelo consulente, o constituinte «na estante» desempenha a função de modificador do grupo verbal. Isto porque não é selecionado por nenhum elemento do grupo sintático de que faz parte, sendo que, por esta razão, a sua omissão não afeta a gramaticalidade da frase, como se verifica em (1):

(1) «O avô tinha o livro.»

Para que um determinado constituinte da frase seja considerado complemento oblíquo, este tem de ser selecionado pelo verbo e, por isso, a sua omissão afeta a aceitabilidade da frase. Por exemplo, na frase (2) caso se omita o elemento «na estante», isso torna-a pouco aceitável já que o seu sentido fica incompleto, como se observa em (3).

(2) «O avô colocou o livro na estante.»

(3) «?O avô colocou o livro.»1

Outro processo que se pode utilizar para identificar o modificador do grupo verbal é o teste da interrogação e negação, uma vez que os modificadores do grupo verbal podem ser interrogados, como mostra o exemplo (4), e negados, como indica o exemplo (5).

(4) «Era na estante que o avô tinha o livro?»

(5) «O avô tinha o livro não na estante, mas na mão.»

 

1. O ponto de interrogação assinala a estranheza da frase.