Inês Gama - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Inês Gama
Inês Gama
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Licenciada em Português com Menor em Línguas Modernas – Inglês pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e mestre em Português como Língua Estrangeira e Língua Segunda (PLELS) pela mesma instituição. Fez um estágio em ensino de português como língua estrangeira na Universidade Jaguelónica em Cracóvia (Polónia). Exerce funções de apoio à edição/revisão do Ciberdúvidas e à reorganização do seu acervo.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Antes de datas devemos usar próclise ou ênclise? Exemplo: «Em 2024 apresentou-se à frente de...» ou «Em 2024 se apresentou à frente de...»?

Muito obrigado!

Resposta:

Antes de datas, em português europeu (PE), o correto será usar a ênclise.

Em PE, a posição dos pronomes clíticos é variável e sintaticamente condicionada. Por conseguinte, nas várias gramáticas consultadas de PE, os contextos em que o pronome clítico deve surgir em próclise (antes da forma verbal), de uma forma geral, são: i) negação (1); ii) orações subordinadas finitas (2); iii) interrogativas parciais com constituinte interrogativo anteposto (3); iv) advérbios como tambémainda, entre outras possibilidades (4).

(1) O João não se apresentou à turma. 

(2) Disseram que o João se apresentou à turma.

(3) Quando é que o João se apresentou à turma?

(4) O João já se apresentou à turma. 

Assim, conclui-se que a referência a uma data na frase não é por si só um contexto que exija a realização da próclise. Neste sentido, caso na frase apenas esteja mencionada a data, sem que nenhum dos contextos referidos anteriormente ocorra, então, em PE, deve-se colocar o pronome em situação de ênclise, como exemplificado em (5): 

(5) Em 2024, o João apresentou-se à frente dos colegas de turma.

Note-se ainda que se recomenda colocar uma vírgula depois da data quando esta inicia a frase, tal como ocorre em (5).

Quando o francês se inspirou no português
Algumas palavras francesas de origem portuguesa

Neste apontamento a consultora Inês Gama apresenta algumas palavras francesas cuja origem é portuguesa.

Pergunta:

Gostaria que me esclarecessem, por favor, se a forma correta deverá ser «Os estudantes devem comparticipar os custos de formação» ou «Os estudantes devem comparticipar nos custos de formação»?

Muito obrigada.

Resposta:

Ambas as frases estão corretas. No entanto, enquanto em «Os estudantes devem comparticipar os custos de formação» o complemento direto não é introduzido por uma preposição, em «Os estudantes devem comparticipar nos custos de formação» a preposição que introduz o complemento pertence à lista das possíveis preposições que podem ser regidas pelo verbo comparticipar. Os dicionários consultados atestam ambas as possibilidades, embora pareça ser mais frequente o uso do verbo comparticipar com preposição.

Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa (DLPACL), comparticipar tem como significados possíveis «tomar parte em determinada ação, processo ou acontecimento, em conjunto com outras pessoas ou entidades» ou ainda «partilhar os custos ou lucros de alguma coisa; ter uma comparticipação», sendo este último o sentido usado nas frases indicadas pela consulente. 

Quanto aos seus usos, de acordo com o Dicionário Gramatical de Verbos Portugueses (Texto Editores)comparticipar rege as preposições de e em, isto é, pode-se usar com as preposições de ou em, como ilustra o exemplo seguinte: 

(1) a. O estado comparticipa de algumas despesas de saúde. 

     b. O estado comparticipa em algumas despesas de saúde.

Já a nota existente no dicionário 

O Ciberdúvidas da Língua Portuguesa e a Geração Z
A propósito da celebração do seu 28.º aniversário

A propósito da celebração do 28.º aniversário do projeto Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, a consultora Inês Gama reflete sobre a utilidade deste serviço para os jovens adultos da Geração Z.

Pergunta:

Na frase «O livro convida à comparação entre os bons e os maus», qual a função sintática de «entre os bons e os maus»?

Complemento de nome ou complemento oblíquo?

Obrigada.

Resposta:

Na frase apresentada pela consulente, o constituinte «entre os bons e os maus» desempenha a função de complemento do nome.

Note-se, em primeiro lugar, que este constituinte nunca poderia ser um complemento oblíquo, na medida em que não está a ser selecionado pelo verbo da frase (convidar), já que na omissão do nome comparação obtém-se uma frase agramatical, como ilustrado no exemplo (1): 

(1) *«O livro convida a entre os bons e os maus.»

 Neste sentido, conclui-se que «entre os bons e os maus» configura um constituinte que é pedido pelo nome comparação. Este classifica-se como nome deverbal, ou seja, um nome que é derivado de um verbo. Neste caso, comparação deriva do verbo comparar. Por norma, os nomes deverbais herdam dos verbos correspondentes alguns dos seus argumentos, daí muitos destes nomes poderem selecionar um complemento do nome, como exemplificado em (2): 

(2) a. «Ele compara os bons com os maus.»

     b. «A comparação dos bons com os maus.»

     c. «A comparação entre os bons e os maus.»

No caso da passagem do verbo comparar para o nome comparação, este passou também a poder reger a preposição entre (como se assinala nesta resposta).

Em suma, «entre os bons e os maus» é um constituinte selecionado pelo nome comparação e que desempenha a função de complemento do nome, já que o nome que o seleciona é deverbal.