Inês Gama - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Inês Gama
Inês Gama
16K

Licenciada em Português com Menor em Línguas Modernas – Inglês pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e mestre em Português como Língua Estrangeira e Língua Segunda (PLELS) pela mesma instituição. Fez um estágio em ensino de português como língua estrangeira na Universidade Jaguelónica em Cracóvia (Polónia). Exerce funções de apoio à edição/revisão do Ciberdúvidas e à reorganização do seu acervo.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria de saber se verosímil e plausível são realmente sinónimos ou se existe alguma subtil diferença no significado.

Gostaria de saber também a origem etimológica das duas palavras, se será essa a razão para duas palavras tão exóticas e sinónimas coexistirem na nossa língua.

Agradeço, desde já, o vosso trabalho que é sempre exímio.

Resposta:

Em primeiro lugar, agradecemos as palavras simpáticas que nos endereçou.

A palavra verosímil tem como um dos seus sinónimos o vocábulo plausível. De acordo com o dicionário Infopédia, o adjetivo verosímil significa «que parece ser verdadeiro; provável; em que não repugna acreditar, plausível», e o adjetivo plausível apresenta o sentido de «digno de aplauso ou aprovação; aceitação; razoável». No fundo, tendo em conta o significado de ambos os termos, pode-se assumir que verosímil e plausível são palavras sinónimas quando descrevem situações aceites como verdadeiras. Também o dicionário Priberam assume estas duas palavras como sendo sinónimas.

Quanto à sua etimologia, ambos os adjetivos têm origem no latim, sendo que verosímil deriva do étimo latino verisimĭle- e plausível, da palavra latina plausibĭle- (Cf. Infopédia).

 

N. E. (17/11/2022) – A resposta tem em conta a descrição dos uso corrente dos adjetivos em apreço. Contudo, numa perspetiva especializada, verosímil e plausível distinguem-se claramente quanto ao significado, conforme observa o consultor Miguel Faria de Bastos<...

A expressão «desculpa lá»
A análise da palavra

«Por vezes, nas minhas aulas de Português como Língua Estrangeira, sou surpreendida com algumas questões singulares que me deixam a pensar sobre a forma como nós, falantes nativos, usamos a língua. Há uns tempos, um aluno perguntou-me se o «desculpa lá» que tinha ouvido na rua significava «I’m sorry». Mas afinal o que é este «lá»? E qual a função desta palavra em expressões como «desculpa lá»?» 

Reflexão de Inês Gama sobre os marcadores discursivos, nomeadamente sobre a função  da palavra «lá» na expressão «desculpa lá».

Pergunta:

Tendo em conta as frases abaixo indicadas, perguntava-vos que diferenças semânticas são transmitidas com o uso do pretérito perfeito do indicativo e do pretérito mais-que-perfeito do indicativo.

a. O pintor pintara um belo quadro.

b. O pintor pintou um belo quadro.

Obrigado.

Resposta:

pretérito perfeito do indicativo é usado para localizar temporalmente uma situação anterior ao momento da enunciação, ao passo que o pretérito mais-que-perfeito simples do indicativo localiza uma situação no passado relativamente a outra situação também passada1.

Na frase «O pintor pintou um belo quadro», a situação descrita já aconteceu e encontra-se concluída no momento presente. Já o pretérito mais-que-perfeito simples é pouco comum na língua falada, surgindo mais na linguagem escrita, e usa-se para descrever situações que ocorrem antes de outras já passadas ou para descrever situações vagamente situadas no passado. Assim, na frase «O pintor pintara um belo quadro» pressupõe-se que a situação descrita foi concluída antes de uma outra (que não é referida na frase, mas pode ocorrer noutras frases do mesmo contexto).

Usualmente, o pretérito mais-que-perfeito simples ocorre em frases em que a situação precedida pela descrita pelo verbo neste tempo é tomada como tempo de referência, podendo ser dada de forma explícita, como acontece em (1), ou implícita, como se verifica em (2).

(1) O João afirmou que a Maria cantara muito bem.

(2) Dias antes, a Rita pedira desculpas.

Em (1) o ato de cantar precede temporalmente a afirmação do João, e em (2) o adjunto temporal «dias antes» aponta para um complemento implícito que alude ao tempo de referência.

Resta ainda assinalar que o pretérito mais-que-perfeito simples é equivalente ao pretérito mais-que-perfeito composto (usado com mais frequência e na linguagem corrente), por isso, em vez de «O pintor pintara um belo quadro» é possível «O pintor tinha pintado um belo quadro», visto que os dois tempos concorrem com o mesmo valor temporal.

 

1 ...

Pergunta:

Nos versos d'Os Lusíadas

«Quem valerosas obras exercita
Louvor alheio muito o esperta e incita...»

qual a função sintática da oração substantiva relativa?

Resposta:

Na frase «Quem valerosas obras exercita / Louvor alheio muito o esperta e incita» que, pertence aos versos finais da estância 92 do Canto V da obra Os Lusíadas de Luís Vaz de Camões, a oração relativa «Quem valerosas obras exercita» desempenha a função sintática de complemento direto.

Na frase em análise, os verbos da oração principal são espertar («esperta») e incitar («incita») e têm como sujeito o sintagma nominal «louvor alheio» e complemento direto o pronome clítico acusativo «o». Contudo, o pronome «o» é o referente da oração relativa que, nesta situação específica, assume a posição de tópico marcado da frase, ou seja, é o primeiro elemento da frase. Ora, segundo Inês Duarte na Gramática do Português1, «quando o tópico marcado é retomado por um pronome, encontram-se frases alternativas em que esse tópico ocorre internamente ao comentário com a mesma função sintática desempenhada pelo pronome» (pág. 411). Isto significa, portanto, que a oração relativa «Quem valerosas obras exercita» desempenha a mesma função sintática do seu referente na oração principal, o pronome o. Além disso, é típico nas línguas românicas, como o português, a retoma do tópico marcado envolver um pronome clítico acusativo.  

No fundo, o que o autor pretende dizer nestes dois versos é que o louvor/elogio estimula aqueles que realizam feitos extraordinários.

 

1.Duarte, Inês (2013), Construções de Topicalização. In Raposo et al. (2013).

Pergunta:

A maionese pode deslassar ou deslaçar, ou ambas? Fica frouxa, logo deslassa, ou perde a consistência que já tinha e, portanto, deslaça?

Obrigada. Obrigada também pelo vosso excelente trabalho.

Resposta:

Em primeiro lugar, agradecemos as palavras simpáticas que nos endereçou.

A maionese pode deslassar ou deslaçar, depende do que se pretende expressar.

Tal como o leite, a maionese pode formar grumos e, portanto, deslassa, como é possível verificar no dicionário em linha Infopédia.

Quando se pretende dizer que a maionese se decompôs ou perdeu a sua consistência, pode-se afirmar que a maionese se deslaçou. Segundo o Dicionário Houaiss, deslaçar é sinónimo de desandar e utiliza-se em situações relacionadas com bolos e maionese quando não se obtém «a consistência desejada». Contudo, na linguagem corrente, um verbo usual na descrição deste tipo de situações é talhar.

Ainda segundo o Dicionário Houaiss deslaçar e deslassar estabelecem entre si uma relação de homofonia, isto é, são palavras que se pronunciam da mesma maneira, mas têm significados diferentes.