Inês Gama - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Inês Gama
Inês Gama
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Licenciada em Português com Menor em Línguas Modernas – Inglês pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e mestre em Português como Língua Estrangeira e Língua Segunda (PLELS) pela mesma instituição. Fez um estágio em ensino de português como língua estrangeira na Universidade Jaguelónica em Cracóvia (Polónia). Exerce funções de apoio à edição/revisão do Ciberdúvidas e à reorganização do seu acervo.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Faz-me confusão o facto de os portugueses não usarem sempre a preposição a antes dos complementos diretos de pessoa.

Por exemplo:

«Convidei o meu amigo para jantarmos juntos».

«Defende o chefe da comissão». (defender ou louvar uma pessoa)

«A empatia é fundamental para conhecermos o outro».

«Leva as pessoas a fazerem parte disto».

«Rui cumprimentou o Pedro».

Há alguma regra?

Em espanhol dizemos assim: «Invité a mi amigo para que cenemos juntos»; «Defiende al jefe de la comisión»; «La empatía es fundamental para conocer al otro»; «Lleva a las personas a formar parte de esto»; «Rui saludó a Pedro».

Muito obrigada. Agradeço muito a vossa ajuda.

Resposta:

Contrariamente ao que acontece na língua espanhola, em português a ocorrência do complemento direto (CD) preposicionado é muito pontual.

Segundo Cunha e Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo (1984, p. 143), os complementos diretos preposicionados em português apenas surgem com verbos que exprimem sentimentos, como em (1), para evitar ambiguidade, como em (2), e quando este constituinte é anteposto, como em (3)1.

(1) «Só não amava a Jorge como amava ao filho.»

(2) «Sabeis, que ao Mestre vai matá-lo.»

(3) «A homem pobre, ninguém roube.»

Portanto, em português, verifica-se que a marcação do CD por meio de uma preposição corresponde sobretudo a uma estratégia estilística. Já em espanhol, verifica-se que o CD é marcado por uma preposição – geralmente a preposição a – nos casos em que este constituinte tem os traços [+animado] e [+específico], o que não acontece em português, em que mesmo que o CD tenha os traços [+animado] e [+específico] tem geralmente a forma de um sintagma nominal, como se observa no contraste (4).

                (4a) «Visité a mi papá.» (Espanhol)

                (4b) «Visitei o meu pai.» (Português)

 

1. Estes exemplos são de Cunha e Cintra,...

«Eis os livros que gosto mais» ou «Eis os livros de que gosto mais»?
A Dúvida do Ano de 2023 no Ciberdúvidas

Neste texto de Inês Gama é divulgado o resultado da votação dos consulentes do Ciberdúvidas sobre a Dúvida do Ano de 2023. Passatempo lançado aqui em 19 de dezembro de 2023.

Pergunta:

Na frase: «O homem passou de professor a diretor.»

1. Qual a função sintática do termo «de professor»?

2. Qual a função sintática do termo «a diretor»?

3. Qual a transitividade do verbo passou?

Obrigado.

Resposta:

Os constituintes professor e diretor têm, na frase apresentada, a função sintática de predicativo do sujeito.

Segundo Celso Luft, em Dicionário prático de regência verbal (Ed. Ática), o verbo passar usado no sentido de «mudar de atitude ou comportamento, de estado ou condição» (pág. 393) rege a preposição de seguida por um constituinte com a função de predicativo mais a preposição a seguida por um outro constituinte também com a função de predicativo.

Note-se que o verbo passar não pertence ao grupo restrito dos verbos copulativos em português, responsáveis pela seleção de um predicativo do sujeito, mas, no caso da frase apresentada, este verbo apresenta propriedades idênticas à dos verbos copulativos, na medida em que predica algo acerca do sujeito.

Observe-se que é possível substituir o predicado da frase apresentada por duas orações coordenadas copulativas, como se verifica em (1), comprovando, assim, a função de predicativo do sujeito de professor e diretor.

(1)    O homem era professor e tornou-se diretor.

Pergunta:

Recentemente e graças a um dos contactos em minha rede social, eu aprendi a existência da palavra énantiosème e o seu significado – uma palavra que pode significar algo e o seu contrário, como, em francês, apprendre e hôte. De pronto, parti em busca de exemplos na língua portuguesa, mas eu não os encontrei; não encontrei nem mesmo registos para a sua tradução enantiossema.

Poderiam, se faz favor, partilhar algum conhecimento sobre este assunto?

Desde já, agradeço a atenção e também a permanência deste interessante e rico repositório de conhecimentos sobre a língua portuguesa.

Resposta:

Agradecemos, antes de mais, as suas palavras de apreço pelo trabalho que desenvolvemos.

É perfeitamente aceitável traduzir a palavra énantiosème para a forma portuguesa enantiossema, que resulta da junção do radical enantio-, que exprime a ideia de oposição, à palavra sema, que designa a unidade mínima de significação de uma palavra. Embora o termo enantiossema não tenha entrada nos dicionários consultados, assinale-se que, no artigo correspondente à entrada enantio- no Dicionário Houaiss, figuram os termos enantossemia e enantossémico, os quais partilham os mesmos radicais da palavra enantiossema e que a legitimam.

Énantiosème é um termo francês cuja definição, curiosamente, se encontra ausente de importantes dicionários franceses em linha, como por exemplo, Le Robert, Larousse e Le Dictionnaire. A sua definição surge apenas em alguns sítios da Internet, como La langue française. Isto poderá sugerir que tal vocábulo ainda não se encontra difundido por uma parte significativa dos...

As palavras de 2023 no Ciberdúvidas

As palavras que, ao longo do ano de 2023, foram usadas para referir os momentos mais marcantes são o tema deste texto, da consultora Inês Gama, que faz um levantamento dos vocábulos que o Ciberdúvidas identificou e analisou ao longo dos últimos 12 meses.