Inês Gama - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Inês Gama
Inês Gama
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Licenciada em Português com Menor em Línguas Modernas – Inglês pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e mestre em Português como Língua Estrangeira e Língua Segunda (PLELS) pela mesma instituição. Fez um estágio em ensino de português como língua estrangeira na Universidade Jaguelónica em Cracóvia (Polónia). Exerce funções de apoio à edição/revisão do Ciberdúvidas e à reorganização do seu acervo.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Do ponto de vista gramatical, é possível substituir verbos no condicional com os mesmos verbos, mas no futuro do pretérito composto, sem modificar o sentido da frase?

Por exemplo, queria saber se as frases seguintes são usadas com os mesmos significados.

1) Aonde é que ele iria? = 2) Aonde é que ele teria ido?

Muito obrigado.

Resposta:

A frase (1) apresentada pelo consulente tem o verbo no condicional simples (segundo a terminologia portuguesa) ou futuro do pretérito (segundo a terminologia brasileira), ao passo que na frase (2) o verbo está no condicional composto (segundo a terminologia portuguesa) ou futuro composto (segundo a terminologia brasileira). Estes não permutam, ou seja, não são sinónimos. Repare-se que as frases (1) e (2) quando integradas no discurso indireto apresentam valores diferentes:

(1) Ele perguntou onde é que ele iria.

(2) Ela perguntou aonde é que ele teria ido.

Em (1), iria refere um estado de desconhecimento sobre um evento simultâneo ao momento da pergunta. Já em (2), «teria ido», o desconhecimento é relativo a um evento ocorrido antes do momento da pergunta.

O condicional simples pode ter um valor temporal de “Futuro do Passado”, ou seja, localizando uma situação no passado, mas que ocorreu num tempo posterior a outra situação também passada, como exemplificado em (3). Este uso do condicional, tal como assinala Fátima Oliveira em Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian), é pouco usual na fala e escrita correntes.

(3) Depois da batalha, aquele cavaleiro seria proclamado herói.

O condicional simples pode também ocorrer em situações cujo pretérito imperfeito (P.I.) do indicativo também é possível, isto é, pode em certos contextos ser substituído pelo P. I. do indicativo. Neste sentido, o condicional simples pode ser usado para exprimir situações cuja realização está dependente de uma condição, como em ...

A expressão <i>«Nem que a vaca tussa»</i>
Expressões idiomáticas associadas a «nunca mais»

A utilização da expressão «nem que a vaca tussa» por um dos bailarinos da cantora  norte americana Taylor Swift durante um dos espetáculos que esta deu em Lisboa, motivou este apontamento da consultora Inês Gama

Particípios duplos
O caso do verbo limpar

Apontamento gramatical da consultora Inês Gama sobre o particípio do verbo limpar.

Pergunta:

Na frase «Na base da descoberta científica está um artigo de 1952», o constituinte «um artigo de 1952» é predicativo do sujeito, é complemento direto ou é sujeito? Há alguma circunstância em que o verbo estar possa reger constituintes que não cumpram a função de predicativo do sujeito?

Agradeço a ajuda.

Resposta:

Na frase «Na base da descoberta científica está um artigo de 1952», o constituinte «um artigo de 1952» tem a função sintática de sujeito.

O sujeito é, de acordo com o Dicionário Terminológico, o elemento que controla a concordância verbal. Neste sentido, uma forma de testar se um constituinte desempenha a função sintática de sujeito é colocá-lo ou no plural ou no singular e verificar se o verbo também acompanha essa mudança em número de modo que a frase continue gramatical. Colocando, à vez, os constituintes «Na base da descoberta científica» e «um artigo de 1952» no plural verifica-se que enquanto (1) é agramatical, (2) é gramatical.

(1)    «*Nas bases das descobertas científicas estão um artigo de 1952.»

(2)    «Na base da descoberta científica estão uns artigos de 1952.»

Note-se ainda que, embora...

Pergunta:

Em um artigo sobre as futuras possibilidades do uso da tecnologia digital, li várias orações com verbos no presente que me despertaram dúvidas sobre o uso do indicativo ou do subjuntivo (conjuntivo em Portugal). Praticamente em todos os exemplos, o verbo aparecia no presente do indicativo na oração subordinada, mas o verbo da principal estava no futuro do indicativo.

Exemplos:

– «Quando estamos em férias, as conversas com estrangeiros, na nossa língua materna, serão traduzidas em simultâneo e serão escritas no dispositivo na sua língua materna.»

– «Quando compramos numa loja de desportos online, iremos escolher o artigo que desejamos.»

– «Enquanto estamos em uma reunião de trabalho, a ata está a ser elaborada.»

No português do Brasil, parece ser muito mais comum o uso do subjuntivo na oração subordinada nesses casos. Dependendo da oração, acredito que poderia ser considerado incorreto o uso do indicativo. Diríamos, por exemplo: «Quando estivermos de férias, as conversas com estrangeiros, na nossa língua materna, serão traduzidas...», ou «Quando estamos de férias, as conversas (...) são traduzidas».

Gostaria de saber se me podem ajudar com a interpretação do uso dos tempos e modos verbais com as conjunções enquanto e quando nos citados contextos.

Muito obrigada pela ajuda e parabéns pelo trabalho realizado todos os dias.

Resposta:

Na perspetiva do português europeu, as duas primeiras frases apresentadas parecem anómalas, porque, nas orações introduzidas por quando, seriam de esperar duas situações:

i) Se a oração temporal tem o verbo no presente do indicativo, então a subordinante apresenta o verbo no mesmo tempo e modo, e a frase é globalmente um enunciado genérico ou exprime habitualidade, como ilustram os exemplos seguintes:

(1) «Quando estamos em férias, as conversas com estrangeiros, na nossa língua materna, são traduzidas em simultâneo e são escritas no dispositivo na sua língua materna.»

(2) «Quando compramos numa loja de desportos online, escolhemos o artigo que desejamos.»

ii) Se a oração temporal tiver o verbo no futuro do conjuntivo, então o verbo da subordinante está ou no presente do indicativo ou no futuro simples do indicativo (será possível a perífrase de ir + infinitivo), como exemplificado em (3) e (4):

(3) «Quando estivermos em férias, as conversas com estrangeiros, na nossa língua materna, são/serão traduzidas em simultâneo e são/serão escritas no dispositivo na sua língua materna.»

(4)«Quando comprarmos numa loja de desportos online, escolhemos/escolheremos o artigo que desejamos.»

Quanto à oração temporal introduzida por enquanto, é totalmente aceitável em PE, com valor de habitualidade:

(5) «Enquanto estamos numa reunião de trabalho, a ata está a ser elaborada.»

A frase (5) é também válida como enunciado que representa um processo que decorre no momento da enunciação.

É ig...