Inês Gama - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Inês Gama
Inês Gama
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Licenciada em Português com Menor em Línguas Modernas – Inglês pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e mestre em Português como Língua Estrangeira e Língua Segunda (PLELS) pela mesma instituição. Fez um estágio em ensino de português como língua estrangeira na Universidade Jaguelónica em Cracóvia (Polónia). Exerce funções de apoio à edição/revisão do Ciberdúvidas e à reorganização do seu acervo.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Qual é a diferença da estrutura de superfície e estrutura profunda nas orações adjetivas? Podem dar exemplos?

Obrigado

Resposta:

Segundo o modelo generativista, todas as frases possuem, no mínimo, duas estruturas: a estrutura profunda e a estrutura superficial. A estrutura profunda das frases corresponde à componente semântica, isto é, a toda a informação relativa ao significado. Já a estrutura superficial consiste nas componentes fonológicas e sintáticas.

No caso das orações subordinadas adjetivas, poder-se-á considerar que a sua estrutura profunda está relacionada com a informação veiculada por estas e que tem a função de identificar a parte ou a entidade precisa denotada pelo antecedente, isto é, atribuir-lhe um valor semântico de especificidade1.

Já a estrutura superficial destas construções relaciona-se com a função sintática desempenhada. Por exemplo, na frase (1), a estrutura profunda da oração subordinada adjetiva (segmento sublinhado) define as propriedades que permitem identificar o subconjunto a que o antecedente pertence, ou seja, de todas as crianças do mundo a frase refere-se apenas àquelas que brincam, ao passo que a estrutura superficial consiste na função sintática de modificador restritivo do nome que é desempenhada pela oração.

(1)    As crianças que brincam são mais felizes.

Veja-se ainda o exemplo da frase (2). Nesta frase, a estrutura profunda da oração adjetiva (segmento entre vírgulas) contribui com informação adicional sobre o antecedente, ou seja, completa a frase com informação sobre o lugar de onde vem o aluno, já a estrutura superficial traduz-se na função sintática de modificador apositivo do nome e que é desempenhada pela oração subordinada adjetiva da frase.

(2)    O aluno, que veio de Coimbra, teve a melhor nota da escola.

 

...

Pergunta:

Em geral, nas aulas de portugês, se quisermos referir-nos a uma mudança, usamos o verbo ficar ou outras vezes o verbo tornar-se.

Fazendo uma pesquisa, encontrei os seguintes equivalentes dos verbos mencionados num dicionário:

«converter-se a (religião) ou em, transformar-se em, ficar, pôr-se com adjetivo, fazer-se, tornar-se, mudar, mudar-se, mudar de, alterar, trocar e cambiar (cujo uso se restringe a dinheiro), chegar a e vir a».

Poderiam ajudar-me quanto à diferença entre estas formas? Podemos, por exemplo, dizer (como em espanhol) : «puseram-se inquietos» ou «ele fez-se rico»?

Obrigado pela sua ajuda e dedicação

Resposta:

Os verbos ficar e tornar-se, no seu uso copulativo, são semanticamente próximos, uma vez que partilham o sentido de mudança de estado. Observe-se, por exemplo, que a frase (1) descreve a mesma situação da frase (2), isto é, a situação de alguém que deixou de ter pouco dinheiro e passou a ter muito.

(1)  Ele fez-se rico.

(2)  Ele tornou-se rico.

Todavia, o verbo tornar-se introduz uma ideia de conversão ou de transformação que ficar não tem. Este verbo combina-se preferencialmente com predicados de natureza estável e não permanente, veiculando um valor de transformação. Por outro lado, ao contrário de ficar, o verbo tornar-se quando combinado com constituintes predicativos episódicos gera enunciados pouco aceitáveis. Note-se que, enquanto a frase (3) não apresenta qualquer problema de aceitabilidade, a frase (4) já é mais dúbia.

(3)  Eles ficaram inquietos.

(4)  ? Eles tornaram-se inquietos.

No que concerne ao verbo ficar, a sua semântica é um pouco mais complexa de perceber, na medida em que, no português europeu, de acordo com Rute Rebouças em «Sobre a semântica do verbo ficar em construções progressivas com adjetivos e particípio», este verbo é capaz de, por um lado, se comportar como um verbo principal1, assumindo o significado básico de permanecer num determinado lugar, como em (5); por outro lado, pode apresentar-se como um verbo copulativo, indicando o resultado de uma mudança de estado ou de evento, como em (6); ou como auxiliar passivo para indicar um estado resultativo ou conseque...

O que será afinal um «orçamento pipi e betinho»?
A propósito das considerações do líder do PSD

«Em Portugal, por esta altura, são habituais as discussões em torno do orçamento de Estado (OE). Normalmente, as páginas dos jornais e os espaços noticiosos dos canais de televisão são preenchidos por vocabulário complexo da área da economia e das finanças. [...] Todavia, até ao momento, uma boa parte das discussões sobre este importante documento têm estado centradas não nas propostas que este apresenta, mas antes nos adjetivos que o líder do Partido Social Democrata (PSD), Luís Montenegro, utilizou para o caracterizar. [...] Serão estes termos apropriados para um tipo de discussão que se pretende séria? E já agora quais os seus significados e contextos de usos?»

À volta destas perguntas a consultora do ciberdúvidas Inês Gama apresenta algumas considerações sobre as palavras pipi e betinho.

Pergunta:

Como sabemos, as salas de aulas, nomeadamente as de Português, são cada vez mais multiculturais: há alunos oriundos de vários países.

Pensando no caso dos alunos oriundos de países de língua oficial portuguesa (PALOP), a estudar em instituições em Portugal, a correção dos instrumentos de avaliação (por exemplo, os testes) deverá respeitar que norma? A europeia?

Cordialmente

Resposta:

Em Portugal, a questão da aplicação exclusiva da norma padrão do português europeu na correção dos vários instrumentos de avaliação (testes de avaliação sumativos, provas de aferição, exames nacionais, etc.) tem sido um assunto ocasionalmente discutido nos últimos tempos. Infelizmente, ainda não existem orientações generalizadas sobre a aceitação de outras variedades do português, nomeadamente, a brasileira, nos ensinos básico e secundário e, até mesmo, superior.

Instituto da Avaliação Educativa (IAVE), organismo responsável pela conceção de instrumentos de avaliação dos conhecimentos e capacidades dos alunos do ensino básico e secundário em Portugal, não é claro nos seus critérios de correção quanto à possibilidade de aceitar outras variedades que não vão ao encontro da norma padrão do português europeu. No entanto, em outubro de 2022, a Associação de Professores de Português (APP) propôs ao IAVE a constituição de um grupo de trabalho de forma a que se discutisse a possível aceitação das variedades codificadas (como a brasileira) nos exames nacionais e provas de aferição. Até ao momento, ainda se aguarda uma decisão oficial.

Tomando a posição de que a escola não deve ser castradora da variação linguística, alguns professores têm vindo a adotar uma posição de maior flexibilidade em relação a determinadas correções feitas no discurso de alunos providentes de países de língua oficial portuguesa, na medida em que consideram pouco justo os alunos serem penalizados por cometerem um desvio à norma padrão do português europeu, mas que, segundo o padrão da sua variedade, é correto. Todavia, existem também docentes que, por desconhecimento desses padrões ou intolerância linguística, apenas consideram correto o que está segundo a norma padrão do português europeu.

No que concerne às normas descritas e codificadas através de dicionários ...

«Tu tem-lo visto» ou «Tu tem-no visto»?
As formas dos pronomes clíticos

Apontamento da consultora Inês Gama sobre as formas dos pronomes clíticos acusativos segundo as terminações dos verbos.

Apontamento incluído no programa Páginas de Português, na Antena 2, no dia 8 de outubro de 2023.