Pergunta:
Na resposta a uma dúvida de 23/03/2009 a respeito da pronúncia de Escherichia coli, foi dito que, nos nomes científicos, a sequência ch deve ser lida como /k/. Foi também dito que a primeira sílaba do nome do género da dita bactéria se deve ler como em Estoril.
Ora, gostaria de saber a justificação usada para estas informações, que me parecem inconsistentes:
1. Se, por um lado, a sequência , em nomes neolatinos, é lida como /k/, a verdade é que os nomes científicos não são obrigatoriamente latinizados, tendo apenas de ser romanizados. Por este motivo, parece fazer pouco sentido que se pronunciem como sendo palavras latinas.
2. Caso seja aceite a pronúncia latina para nomes científicos, não faz sentido pronunciar a primeira letra do nome Escherichia como /ɨ/, vogal inexistente tanto no latim clássico como no vulgar, no eclesiástico e mesmo em novo latim (o latim como falado pela comunidade científica até cerca de 1900).
3. Mesmo que se considerem os nomes científicos como neolatinos (nunca como latinos, devido à existência de sequências gráficas que estão presentes nos mesmos sem existirem em latim), há que ter em consideração que não existe uma forma única de pronunciar nomes neolatinos: nos tempos em que o novo latim era realmente utilizado pela comunidade científica, falantes de diferentes nacionalidades usavam diferentes normas orais, não havendo uma norma única como no caso do latim clássico (tendo em conta, contudo, que essas diferentes normas eram regulares dentro de cada país).
4. A pronúncia recomendada em inglês é /ˌɛʃɪˈrɪkiə ˈkoʊlaɪ/ (partindo do princípio que a Wikipedia anglófona é de confiança...
Resposta:
O dígrafo latino ch é, de facto, lido como /k/, tanto na pronúncia restaurada, actualmente em vigor em todos os nossos estabelecimentos de ensino, como na chamada pronúncia tradicional portuguesa e também na pronúncia romana ou eclesiástica, ainda utilizada pela Igreja em Portugal, nas raras ocasiões em que a língua de Cícero se faz ouvir no decorrer da liturgia. Por maioria de razões, os nomes científicos não escapam a esta regra, ou não deveriam escapar. No entanto, estes nomes, por vezes, obedecem a normas peculiares, que consuetudinariamente se vão constituindo e impondo na comunidade científica...
O caso presente talvez se entenda melhor se recorrermos à história do vocábulo cuja pronúncia gera a perplexidade do nosso consulente. O pediatra e bacteriologista austro-alemão Theodor Escherich (1857-1911) foi o primeiro cientista a estudar a flora intestinal. Entre as várias bactérias que isolou, cultivou, descreveu e baptizou, destaca-se o Bacterium coli commune («bactéria vulgar do cólon»), que o próprio Escherich apresentou à Sociedade de Morfologia e Fisiologia de Munique em 24 de Julho de 1885. Dez anos mais tarde, o botânico alemão Walter Migula (1863-1938) propôs o nome Escherichia coli para designar este microrganismo, em homenagem ao seu descobridor. Em 1919, esta denominação foi retomada num célebre trabalho conjunto do bacteriologista italiano Aldo Castellani (1877-1971) e do patologista britânico Albert John Chalmers (1870-1920). Devido ao prestígio desta obra e dos seus autores, foi o nome genérico Escherichia que vingou, acabando por gerar inúmeros engulhos a quem tentasse perceber como se deve pronunciar este termo tão estrambótico...
Como é fácil de entender, o nome Escherichia pouco ou nada tem que ver com latim. Trata se de um neologismo formado a partir do antropónimo...