Os topónimos referidos pelo consulente não são encontradiços em dicionários. No maior dicionário latino-português que pude consultar, o monumental Saraiva1, figuram apenas os três primeiros (Senia, Vegium, Ænona), seguidos das formas aportuguesadas propostas pelo consulente, embora sem o acento gráfico nas duas primeiras, por se tratar de uma obra redigida em 1889, altura em que os esdrúxulos se grafavam sem acento: Senia, Vegio, Enona.
Num dicionário latino-francês de grande monta2, além dos três topónimos já referidos, figura ainda Æquum, embora o autor remeta para a forma alternativa Æquitas. No entanto, nenhum dos quatro topónimos está “traduzido”, ou seja, o autor limita-se a indicar de que topónimos se trata, sem arriscar qualquer forma afrancesada.
Fica para o fim o topónimo Oneum, que não consegui encontrar em nenhum dicionário. O aportuguesamento proposto pelo consulente ("Oneu"/"Oneia") não me parece defensável, nem creio que se possa estabelecer qualquer paralelismo com Dorileu. Este último topónimo, na verdade, deriva do latim Dorylæum, e este do grego Δορύλαιον. Sendo o ditongo æ longo por natureza, a evolução natural de Dorylæum para português seria sempre Dorileu, e nunca *Doríleo. No caso de Oneum, é expectável que a vogal e seja breve, pelo que a evolução natural deste topónimo para português seria Óneo, à semelhança de óleo (< oleum), e não *Oneu. No entanto, por vezes, há exceções e surpresas, pelo que seria indispensável a consulta de um dicionário que apresentasse a forma Oneum e abonasse as respetivas quantidades vocálicas. Por isso mesmo, parece-me preferível não aportuguesar este topónimo.
Aliás, importa levantar a questão se é necessário ou desejável aportuguesar de forma sistemática os topónimos latinos, sobretudo quando estes são pouco conhecidos ou mesmo raros. É verdade que o aportuguesamento facilita a vida a quem desconhece a língua latina e precisa, por exemplo, de ler em voz alta trechos que contenham esses topónimos. No entanto, o mesmo aportuguesamento complica a vida a quem precisa de fazer pesquisas sobre os mesmos. Por exemplo, à forma aportuguesada Enona poderia corresponder teoricamente, de acordo com as regras de transliteração, qualquer uma das seguintes seis formas latinas: Ænona, *Ænonna, *Œnona, *Œnonna, *Enona, *Ennona...
Talvez por isso haja autores que preferem apresentar os topónimos latinos (e mesmo os antropónimos) sem qualquer roupagem lusitana. É o caso de Jorge de Alarcão, na sua importante obra sobre a presença romana em Portugal3, da qual cito este trecho (p. 61):
«Aparentemente, Asturica Augusta, até então capital regional, perdeu a primazia, e Bracara Augusta, a dives Bracara de Ausónio, tornou-se a capital da Callaecia.»
A propósito do trecho anterior, importa referir que nem seria obrigatório grafar estes topónimos em itálico (tal como escrevemos sem itálico «fui a Washington e a seguir a Los Angeles»), embora, neste caso, o itálico seja útil para realçar os topónimos em questão.
Uma solução de compromisso, no caso levantado pelo consulente, e atendendo aos reparos anteriores, seria aportuguesar os topónimos em causa indicando, na primeira citação, entre parêntesis, a forma original latina: Sénia/Sênia (Senia), Végio (Vegium), Enona (Ænona). No entanto, no que toca a formas não abonadas em dicionários (como Oneum), o problema persiste...
1 F. R. dos Santos Saraiva: Novissimo Diccionario Latino-Portuguez. Etymologico, prosodico, historico, geografico, mythologico, biographico, etc. No qual são aproveitados os trabalhos de philologia e lexicographia mais recentes. Redigido segundo o plano de L. Quicheret e precedido d’uma Lista dos Auctores e Monumentos latinos citados no volume e das principaes Siglas usadas na Lingua latina. 9.ª edição. Rio de Janeiro, Paris: Livraria Garnier, 1927, 1297 p. (1.ª edição: 1889).
2 Félix Gaffiot: Le Grand Gaffiot. Dictionnaire Latin-Français. Nouvelle édition revue et augmentée sous la direction de Pierre Flobert. Paris-Hachette, 2000. xli + 1748 p.
3 Jorge de Alarcão: O Domínio Romano em Portugal. Mem Martins: Publicações Europa-América, 1988, 244 p.