Filipe Carvalho - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Filipe Carvalho
Filipe Carvalho
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Mestre em Teoria da Literatura (2003) e licenciado em Estudos Portugueses (1993). Professor de língua portuguesa, latina, francesa e inglesa em várias escolas oficiais, profissionais e particulares dos ensinos básico, secundário e universitário. Formador de Formadores (1994), organizou e ministrou vários cursos, tanto em regime presencial, como semipresencial (B-learning) e à distância (E-learning). Supervisor de formação e responsável por plataforma contendo 80 cursos profissionais.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A expressão «poder-so-ia dizer», significando «poder-se-ia dizer isso», está correta? Acho difícil encontrar informação sobre essa fusão de pronomes (p. ex., como em «traz-mo»).

Resposta:

Não está correta, pois na gramática tradicional portuguesa não há registo de contração do pronome reflexo se com o pronome pessoal complemento na forma escrita1. A contração pronominal é possível quando se encontram pronomes pessoais com a função de complemento direto (me, te, lhe, nos, vos, lhes) com os pronomes pessoais o(s) e a(s), que têm a função de complemento direto; por exemplo:

«traz-mo» [me + o];

«faço-to» [te + o];

«diz-lho» [lhe + o];

«traz-no-lo» [nos + o];

«faço-vo-lo» [vos + o];

«diz-lho» [lhes + o].

Porém, na gramática moderna, o se – quer como palavra apassivante, quer como marca de indefinição do sujeito – não se combina geralmente com o pronome pessoal com a função de comple...

Pergunta:

«Chover chuviscos» é erro?

Resposta:

Do ponto de vista estilístico, é erro. Trata-se de uma redundância de ideias, uma vez que chuviscos é chuva que cai com pouca intensidade. Bastava registar-se, por exemplo, «agora, está a chuviscar» para termos uma expressão correta. O verbo chuviscar transmite a ideia «chover pouco, a intervalos; borrifar» (Dicionário Houaiss, 2001, versão digital). Portanto, «chover chuviscos» é uma repetição desnecessária, pelo que se diz que é um pleonasmo. Da mesma maneira, «chorar lágrimas», «subir para cima», «uma hemorragia de sangue» são expressões pleonásticas. 

Contudo, se a frase fosse observada do ponto de vista gramatical, poderia ser aceite, pois cada parte desempenha uma determinada função lógica, segundo as regras da sintaxe. Atente-se na seguinte expressão: «podem chover chuviscos» (tendo o termo chover o sentido de «ocorrer»). Sendo chover um verbo intransitivo, chuviscos teria a função de sujeito da frase. No entanto, recomenda-se o uso do verbo chuviscar como no exemplo: «chuvisca, neste momento».

 

Pergunta:

É possível escrever «Chegámos tarde, mas entramos com tudo»? Não me consigo entender com os meus colegas, que referem que a frase está correcta, mas na minha opinião o facto de termos dois tempos verbais diferentes deixa-me desconfiado, e soa-me muito mal (na minha opinião só com entrámos é que a frase ficaria correcta). Será que me pode esclarecer, por favor?

Resposta:

A duas possibilidades estão corretas, mas significam coisas diferentes. Se a ideia diz respeito ao passado, a frase indicada seria: «Chegámos tarde, mas entrámos com tudo.» Por exemplo, alguns funcionários, porque tiveram um atraso nos transportes, chegaram tarde ao trabalho. No entanto, logo que chegaram, puseram-se a trabalhar arduamente. A forma entrámos, referente à primeira pessoa do plural do verbo entrar do pretérito perfeito, escreve-se com acento agudo no a, portanto, á.

Se a ideia tiver que ver com o presente, por exemplo, os amigos falam uns com os outros e dizem «Chegámos tarde, mas [agora] entramos com tudo [e vamos demonstrar que somos excelentes funcionários...]», neste caso, utilizando o presente do indicativo do verbo entrar, primeira pessoa do plural, não se acentua a forma verbal.

Pergunta:

Por favor, são consideradas erradas as expressões «um certo», «uma outra», etc.? Ou posso usá-las tranquilamente em meus textos?

Obrigado.

Resposta:

Aceitam-se as expressões indefinidas «um certo» e «um outro», apesar de a associação dos seus elementos constituintes – por um lado, um, uma, e, por outro, certo e outra – gerarem entre si alguma redundância, visto todos indicarem «coisa ou alguém não definido» (no caso de certo, será mais a referência a uma entidade que, podendo definir-se, não se identifica claramente). Por esta razão, há quem considere que «um certo» e «uma outra» são expressões incorretas, induzidas pelo francês. No entanto, trata-se de usos enraizados na língua, que até se justificam em certos contextos – por exemplo, «um certo Leonardo pintou a Mona Lisa».

Mas, para remontar à doutrina de alguns gramáticos normativistas, refira-se, por exemplo, que Rodrigo Sá Nogueira (Dicionário de Erros e Problemas de Linguagem, Lisboa, Clássica Editora, 1989, p. 362/363) não tinha dúvidas em condenar «um certo», argumentando assim:

«Um, uma, uns, umas são formas do artigo indefinido, e certo, certa, certos, certas são formas de um adjetivo definido. Ora, não é lógico ligar uma ideia indefinida com uma definida. – Pode argumentar-se deste modo: – mas é que hoje o adjetivo certo adquiriu valor indefinido. Assim, quando digo: "certos indivíduos têm por costume...", não pretendo "determinar, definir os indivíduos, a que me refiro...", mas dizer que "alguns indivídu...

Pergunta:

"Catálase" ou "catalase" (enzima que decompõe o peróxido de hidrogénio em água e oxigénio)? Qual a grafia correta?

Obrigado!

Resposta:

Poderá empregar ambos os termos, que se apresentam dicionarizados e são utilizados em artigos da área da bioquímica ou médicos. Não obstante, segundo o Dicionário Houaiss de 2001, o vocábulo catálase (do grego  katálysis, «dissolução; catálise», talvez pelo inglês catalase) é preferível a catalase, apesar de este último ser mais utilizado. Uma pesquisa na Internet remete precisamente para esta situação: o maior uso de catalase nos artigos apresentados.