Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Antes de tudo, quero manifestar minha satisfação e agradecimento pelo precioso trabalho prestado pela equipe de mestres do Ciberdúvidas.

Ao fazer análise sintática de um texto bíblico, deparei-me com uma dificuldade, talvez motivada pelo fato de ser eu ainda um neófito nos estudos da língua portuguesa. Por isso decidi pedir ajuda.

No texto «Se alguém vos anunciar outro evangelho além do que recebeste, seja anátema» (Gl 1:9), como devo classificar a estrutura «além do»? No primeiro momento, pareceu-me referir-se a uma locução prepositiva acrescida de pronome demonstrativo o (aquele).

Entretanto, logo me surgiram dois problemas: se a referida estrutura é uma locução prepositiva, qual a função sintática do pronome demonstrativo o? E, se de fato é assim, quais os termos relacionados pela locução, antecedente e consequente, os quais, segundo Cunha e Cintra, possuem o status de ser completado e completar, ou explicar e ser explicado, respectivamente?

Peço-vos a vossa solicitude e atenção. Certo disso, desde já agradeço vossos preciosos préstimos, úteis a milhares que se alimentam diariamente de tão indispensável conhecimento.

Resposta:

Em primeiro lugar, agradeço, em nome da equipa do Ciberdúvidas, as simpáticas e encorajadoras palavras com que nos brindou, esperando não defraudar as expetativas de todos os que se nos dirigem.

Respondendo às questões apresentadas:

Se tivermos como referência a gramática tradicional, classifica-se «além de» como locução adverbial (além é um advérbio, seguido da preposição de). No caso apresentado, em «além do» há, de facto, a contração da preposição de com o pronome demonstrativo o, simbolizando aquele: «além do» = «além do evangelho»).

No entanto, se verificarmos com atenção o valor de «além de», apercebemo-nos de que, a nível da análise do discurso e da comunicação discursiva, se trata de um conetor discursivo — ou seja, «um
articulador ou marcador discursivo «que liga um enunciado a outro enunciado ou uma sequência de enunciados a outra sequência, estabelecendo uma relação semântica e pragmática entre os membros da cadeia discursiva, tanto na sua realização oral como na sua realização escrita» (Dicionário Terminológico, C. Análise do discurso C.1.1. conetores discursivos).

Uma vez que estabelece entre os enunciados uma relação de adição, é um conector aditivo ou sumativo (tal como «além disso», «ainda por cima», «do mesmo modo», «igualmente»).

Quanto às questões sobre a função sintática de o, teremos de ter em conta dois aspetos:

a) é um pronome demonstrativo;

b) «o que» forma um todo e é um pronome relativo (ver Textos Relacionados).

Pergunta:

«Ele estava com a resposta na ponta da língua.»

Na frase acima, trata-se de metáfora a expressão «na ponta da língua»?

Resposta:

Tal como o consulente sugere, a expressão «na ponta da língua» é uma metáfora, tratando-se de um caso das chamadas metáforas idiomáticas, lexicalizadas ou mortas.

A própria colocação da pergunta revela que o consulente, apesar de reconhecer aí características de uma metáfora, se questionou sobre essa possibilidade, porque tal expressão entrou na linguaqem quotidiana, o que nos poderia levar a inferir que a mesma tenha perdido o seu valor metafórico.

Mas, na verdade, está aí presente o processo de deslocação do sentido de uma palavra para outra — o domínio do saber, a consciência automática de resposta (resolução do problema) e a capacidade de a verbalizar de imediato é concentrada em «na ponta da língua», mesmo pronta a sair da boca.

No entanto, não é pelo facto de esse tipo de expressões ter entrado no uso corrente que não se lhes atribua a propriedade da metáfora. Aliás, é essa a razão pela qual se chamam metáforas lexicalizadas ou idiomáticas, como nos esclarece Paula Mendes, no E-Dicionário de Termos Literários (coord. de Carlos Ceia): «A fácil aceitação da metáfora por um vasto número de indivíduos, bem como o uso recorrente que dela se faz, leva o falante a utilizá-la sem a percepção do cariz metafórico por detrás da expressão empregada no seu discurso. Uma metáfora inovadora e imaginativa torna-se, assim, uma metáfora idiomática, lexicalizada ou ainda morta. O falante já não recorre a esta figura de estilo como uma expressão de carácter metafórico, mas como um termo próprio da língua. As metáforas mortas ou idiomáticas consistem numa palavra — "folha de papel", "perna da mesa"; numa frase — "As férias estão à porta"; numa frase feita — "os professores têm a fa...

Pergunta:

Agradecia a vossa colaboração na dúvida seguinte.

Na redacção da bibliografia de um documento, como esta deve ser tratada no que se refere ao acordo ortográfico? Os títulos das publicações devem já ser apresentados com as novas regras, mesmo que os originais das publicações tenham os títulos redigidos na versão anterior ao acordo ortográfico?

Resposta:

A bibliografia de qualquer trabalho de caráter científico, para além do nome das obras consultadas e dos seus autores, deve indicar sempre a data da publicação (e até a edição), o local e a editora.

Por isso, mesmo que a consulente decida não atualizar a grafia prevista pelo novo acordo ortográfico nos títulos e mantiver a forma usada na edição que tem como referência, estará salvaguardada pelo respeito ao texto original.

De qualquer modo, para que não haja hipótese de poder a vir a ser chamada à atenção pela distinção da grafia do seu texto (se utilizar a atual grafia do AO 90) da usada na bibliografia, basta que esclareça (logo no início do trabalho, mesmo na introdução) a opção de respeitar a grafia original das obras indicadas na bibliografia.

Pergunta:

Tendo visto a vossa anterior resposta sobre as citações manterem a grafia original do ano/século em que foram escritas com uma nota a alertar para o facto, pergunto se não há possibilidade de não o fazer, por exemplo, em decretos-lei, textos poéticos, ou outros. Na minha opinião pessoal, não faz muito sentido transcrever um texto do início do séc. XX, por exemplo, com a grafia da época, exceto se for feito propositadamente, com motivos linguísticos, estéticos ou literários.

Resposta:

Quando se diz que se podem fazer transcrições seguindo a grafia dos documentos anteriores ao AO 90, desde que se assinale (em observação, nota de rodapé ou com asterisco) que foi aí respeitada a grafia do texto original, isso não significa (muito pelo contrário!) que não se possa atualizar a grafia do mesmo documento. Aliás, a tendência é precisamente essa, até que haja novas edições em que esteja aplicado o atual acordo ortográfico.

No entanto, como se vive um tempo de transição, sempre que se transcreve qualquer texto mais antigo, aconselha-se que se indique que grafia se está a utilizar (a original ou a atual), para se evitarem possíveis equívocos, sobretudo no espaço escolar.

Pergunta:

Como se classificam morfologicamente as palavras «o mais interessado»?

Resposta:

«O mais interessado» é a forma de superlativo relativo de superioridade do adjetivo interessado.

Para fazermos uma análise mais detalhada dessa forma, basta recorrermos ao processo de formação do grau superlativo relativo de superioridade: antepõe-se o determinante/artigo definido o ao advérbio mais (marca do comparativo de superioridade): o mais + adjetivo.

Portanto, e de acordo com o Dicionário Terminológico, uma classificação no âmbito da classe das palavras:

o – determinante/artigo definido;

mais – advérbio de quantidade e grau;

interessado – adjetivo.