Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Quando atendo o telefone e me é pedido para falar com alguém, posso perguntar: «Quem gostaria?»

É errado usar o futuro do pretérito na tentativa de identificar gentilmente o interlocutor?

Resposta:

Não, não é errado usar o futuro do pretérito (ou condicional simples) para se perguntar o nome (a identificação) da pessoa que telefonou. Aliás, é essa a forma verbal que evidencia a cortesia por parte de quem fala, pois é uma «forma polida de presente, em geral denotadora de desejo» (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 461), para além de «designar ações posteriores à época em que fala» (idem), o que legitima o seu emprego nesta situação.

Para que a sua pergunta fosse mais clara, talvez devesse completá-la um pouco mais, como por exemplo:

«Quem gostaria de falar com... [esse alguém]?»

 

N.E. – Outras regências do verbo falar

♦  1 falar a [= comunicar a/com, dialogar com, 2 cumprimentar (linguagem oral)]

1 Ex.: «Falei ao meu irmão na pssibilidade de vendermos a casa.»

2 Ex.: «Sara, fale à tia!»

♦ falar de  alg. [= tecer crítcas a, geralmente negativas.]

Ex.: «Ontem à noite, elas param muito da Antónia.»

♦ 3 falar

Pergunta:

Gostaria saber as etimologias das palavras patrulha e proximidade.

Resposta:

O Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (vol. IV, Lisboa, Livros Horizonte, 1987), de José Pedro Machado, dá-nos os seguintes esclarecimentos sobre a origem (e a evolução) das palavras indicadas pelo consulente:

— o nome/substantivo patrulha deriva do «castelhano patrulla, de patrullar», que, por sua vez, provém «do francês patrouiller, que parece relacionado com o radical de pata, [termo] de origem obscura, provavelmente onomatopaica, que representaria o ruído produzido pelos membros inferiores em marcha».

— o nome/substantivo proximidade provém «do latim proximĭtāte-, "vizinhança; proximidade: fig. , afinidade; semelhança; união». Parece remontar ao séc. XVI, uma vez que há registo desta palavra no livro Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto, cap. 31: «... pelo qual movido eu teu irmão á proximidade, que o santo Alcoraõ nos ensina & nos abriga, a recebi debaixo do emparo de minha verdade...»

Pergunta:

Qual é o superlativo absoluto sintético do adjetivo alegre?

Resposta:

Não se tratando de um dos casos especiais de superlativo absoluto sintético, este forma-se seguindo a regra geral, «pelo acréscimo ao adjetivo do sufixo -íssimo, [e como] termina em vogal, esta desaparece ao aglutinar-se o sufixo» (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 258).

Portanto, o adjetivo alegre toma a forma alegríssimo, resultante de alegr(e) + -íssimo.

Embora alegríssimo(a) seja uma palavra bem formada, não é muito comum o seu uso, havendo preferência pelo emprego das formas de superlativo absoluto analitico: «muito alegre»; «imensamente alegre». 

Pergunta:

Gostaria de saber se o nome corrente pode considerar-se coletivo, uma vez que, de acordo com a definição da palavra, se trata de uma cadeia de elos (logo, um conjunto de elos).

Resposta:

Com o sentido indicado pela consulente, o nome/substantivo corrente é, de facto, um nome coletivo, pois designa uma «cadeia de argolas metálicas interligadas», um conjunto de argolas que estão interligadas. Trata-se, portanto, de um caso de «nome que se aplica a um conjunto de objetos ou entidades do mesmo tipo» (Dicionário Terminológico).

Diz-se «a corrente do relógio», «a corrente de ouro», «a corrente do cão».

No entanto, com outros sentidos, corrente é um nome comum. Por exemplo, quando designa «movimento de água ou de um líquido que segue uma determinada direção; fluxo de água; movimento ordenado de cargas elétricas; movimento de opiniões ou ideias; tendência» (Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto editora, 2010).

Pergunta:

Na frase «tenho o casaco vestido», a palavra vestido é um adjetivo, ou uma forma verbal?

Resposta:

Como sabemos, e que é confirmado por linguistas e gramáticos, «muitos particípios verbais funcionam sintaticamente como adjetivos» (Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Caminho, 2003, p. 374), sobretudo «quando o particípio exprime apenas o estado, sem estabelecer nenhuma relação temporal, [em que] ele se confunde com o adjetivo» (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 493).

No entanto, na frase apresentada, vestido constitui com o auxiliar ter um tempo composto, razão pela qual é um particípio verbal.

Repare-se que, «embora partilhem com os adjetivos (e até com os nomes) algumas  propriedades, há particípios que são verdadeiras formas verbais. A prova da natureza verbal desses particípios é a possibilidade de serem acompanhados de advérbios temporais/aspetuais (i) e a impossibilidade de surgirem em posição pré-nominal (ii); quando as formas não admitem esses advérbios e quando ocupam a posição pré-nominal são adjetivos» (Mira Mateus, ob. cit., p. 375).

(i) «Tenho o casaco agora (ainda/sempre/hoje/já) vestido.»

(ii) *«Tenho o vestido casaco» (agramatical).

Nota: Ana Maria Brito, autora do capítulo da Gramática da Língua Portuguesa que se debruça sobre este tema, é peremptória na identificação do particípio passado, quando afirma: «Por outro lado, são particípios verbais as formas que com o auxiliar