Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

«Vós atendestes os clientes que chegaram mais tarde, não foi?»

Por favor, ajudem-me a pronominalizar a frase supracitada.

Resposta:

Para se pronominalizar a frase, teremos de substituir a expressão «os clientes [que chegaram mais tarde]» — que tem a função de complemento direto — pelo respetivo pronome pessoal (forma do complemento direto) os, cuja «posição lógica, normal, é a ênclise (depois do verbo)» (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 310), estando ligado a ele por hífen.

No entanto, como se trata de um caso em que a forma verbal (atendestes) termina em -s, «suprime-se esta consoante, e o pronome assume a modalidade los» (idem, p. 280).

Assim, a frase pronominalizada tem a seguinte forma reduzida:

«Vós atendeste-los, não foi?»

Mas, se se quiser evidenciar o facto de se tratar especificamente dos «clientes que chegaram mais tarde», deverá incluir-se essa informação, mas introduzida, por sua vez, pelo pronome demonstrativo os [= aqueles, referente a «os clientes»], ficando a frase do seguinte modo:

«Vós atendeste-los, os que chegaram mais tarde, não foi?»

Nota: Se a frase estivesse na forma negativa, se fosse introduzida por um pronome ou um advérbio interrogativo, iniciada por palavras exclamativas ou por orações que exprimissem desejo, ou se se tratasse de uma oração subordinada ou, ainda, de um caso com um gerúndio precedido da preposição

Pergunta:

Na frase «Firmino protegeu os pássaros», qual a função sintática de «os pássaros»?

Resposta:

A expressão «os pássaros» tem a função sintática de complemento direto na frase indicada, pois constitui o objeto lógico do verbo proteger.

Repare-se que se pode substituir pela forma acusativa do pronome pessoal os.

«Firmino protegeu os pássaros.» «Firmino protegeu-os.»

Outro modo de identificação do complemento direto: «formular-se uma interrogativa sobre o constituinte objeto/complemento direto segundo o esquema quem/o que é que SU V?, constituindo o objeto/complemento direto a resposta mínima não redundante», Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Sá Costa, 2003, p. 288):

P.: «O que é que Firmino protegeu?»

R.: «Os pássaros.»

Um outro teste que confirma o complemento direto é o da passagem da frase para a voz passiva, em que o complemento direto da voz ativa passa para sujeito da passiva:

V. A.: «Firmino protegeu os pássaros.»

V.P.: «Os pássaros foram protegidos por/pelo Firmino.»

Pergunta:

Presumo que, à semelhança, por exemplo, de pêra/peras, o plural de pára (forma abreviada de pára-quedista) seja paras. Estou correcto? (Isto ainda segundo o antigo Acordo Ortográfico.)

Resposta:

Segundo o Acordo de 45, de facto, a forma abreviada — «pára» — da palavra composta pára-quedista, era acentuada graficamente (acento que foi eliminado pelo atual AO 901), tal como o primeiro elemento da palavra original (forma do verbo parar).

Portanto, tendo como base essa grafia, esse termo não perde o acento gráfico no plural2, uma vez que não há alteração de timbre da vogal tónica, seguindo a regra geral da formação do plural dos substantivos/nomes —, visto que a forma reduzida pára, ao tornar-se uma palavra lexicalizada pelo uso, ganha o estatuto de nome/substantivo3. Assim, tal como qualquer substantivo terminado em vogal, forma o plural acrescentando-se um -s ao singular: páras.  

Importa referir que, apesar de o termo pára/para não se encontrar registado nos dicionários e nos vocabulários ortográficos como forma abreviada do nome pára-quedista/paraquedista/para-quedista (sendo para classificado como preposição ou como elemento de formação de palavras — para-choque, parapente —, o Portal da Língua Portuguesa acolhe a forma para

Pergunta:

«Os amigos lhe esperavam para iniciar o passeio.»

Por que a construção da frase acima está errada?

Resposta:

A forma indicada não é correta, porque o verbo esperar não seleciona um argumento interno com a relação gramatical de complemento indireto, o que implicaria que pudesse ser substituído pelo pronome pessoal (forma de compl. ind. da 3.ª pessoa do singular) lhe.

Ora, o verbo esperar é um verbo transitivo que seleciona como argumento interno um complemento direto (e não de complemento indireto) que, por sua vez, pode ser substituído pelo pronome pessoal o (forma masculina da 3.ª pessoa do singular).

No entanto, como a forma verbal termina por -m (o que provoca um ditongo nasal), o pronome assume a modalidade no.

Assim, a forma correta da frase é: «Os amigos esperavam-no.»

Nota: A anteposição do pronome ao verbo (próclise do pronome) é, também, uma forma aceitável no Brasil - «Os amigos o esperam» (informação do consultor Luciano Eduardo Oliveira).

Pergunta:

Gostaria de saber qual a opção correcta: «para demonstrar que», ou «para demonstrar como»?

Resposta:

Demonstrar é um verbo transitivo direto, o que significa que «seleciona um sujeito e um complemento com a função sintática de complemento direto» (Dicionário Terminológico).

Portanto, pode ocorrer com as seguintes estruturas:

N (sujeito) – V (verbo) – N (compl. dir.):

«O Pedro demonstrou coragem.»

«O advogado demonstrou os erros da acusação.»

Como verbo epistémico e declarativo, demonstrar seleciona, também, orações completivas finitas introduzidas pelo complementador (pela conjunção) que, o que se traduz em estruturas do tipo:

N – V – Fi (frase/oração subordinada completiva introduzida por que):

«Os dados demonstram que a situação de falência é inevitável.»

Nota: Sobre a sintaxe deste verbo, acrescenta-se o contributo de Virgílio Dias, em que é explicita a possibilidade do uso de como, nos casos em que «o verbo demonstrar pode ser complementado por uma oração interrogativa indirecta introduzida por como: "Demonstrar-lhe-ia facilmente  como se chega a essa conclusão", [caso em que] "como se chega a essa conclusão" é  oração subordinada completiva interrogativa indirecta.

Fontes: Dicionário Sintático de Verbos Portugueses (Coimbra, Almedina, 1994), de Winfried Busse (coord.); Gramática da Língua Portuguesa (Lisboa, Caminho, 2003), de Mira Mateus