Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Surgiu uma dúvida na classificação das orações: «Quantos rostos ali se vêem sem cor,/Que ao coração acode o sangue amigo!» (Canto IV, estância 29) A segunda oração é causal, ou consecutiva?

Resposta:

Trata-se de uma oração subordinada causal, em que a conjunção que tem valor de causa e não de consequência.

Repare-se que a causa da palidez dos rostos — «Quantos rostos ali se vêem sem cor» (oração subordinante) — é explicada pelo facto de o sangue ter fugido para o coração — «Que ao coração acode o sangue amigo». É evidente, portanto, que é uma oração subordinada adverbial causal, pois «exprime a razão, o motivo (a causa) do evento descrito na subordinante ou que apresenta uma justificação para o que é expresso na subordinante» (Dicionário Terminológico).

Não há aqui a ideia de consequência, mas, pelo contrário, de causa. O sangue não vai/foge para o coração como consequência de os rostos estarem pálidos. O sentido é precisamente o oposto: Os rostos estão pálidos, porque o sangue fugiu/acorreu todo para o coração.

Para que pudesse ser uma oração subordinada (adverbial) consecutiva, teria de evidenciar «uma consequência da intensidade de uma qualidade, da quantidade de um objeto, a qualidade de um processo descrito na oração subordinante» (Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Caminho, 2003, p. 754). Como se trata de orações que evidenciam uma consequência, são facilmente identificáveis, porque «se considera como consecutivas apenas as orações iniciadas por que na dependência de tal, tão, tanto, tamanho e ainda orações iniciadas pelas locuções conjuncionais "de forma que", "de maneira que", "de modo que", "de sorte que"» (

Pergunta:

Qual é o superlativo absoluto sintético de útil? Existe a forma (de uso corrente, diga-se) utilíssimo?

Resposta:

Utilíssimo é, de facto, a forma do superlativo absoluto sintético do adjetivo útil, que, por sua vez, resulta do emprego da regra geral da formação deste grau: «O superlativo absoluto sintético forma-se pelo acréscimo ao adjetivo do sufixo -íssimo (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 258).

Pergunta:

Na frase «Firmino voa alegre sobre as searas, suspenso nos bicos dos seus maiores amigos», em que grau se encontra o adjetivo maiores?

Resposta:

«O maior» é a forma de superlativo anómalo ou especial do adjetivo grande (cf. Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 262).

Trata-se do grau superlativo relativo de superioridade, porque, em comparação com a totalidade dos seres que apresentam a mesma qualidade (os amigos), sobressaem estes (os pássaros) por demonstrarem (ou Firmino o considerar) a sua amizade em grau maior que os restantes amigos. As marcas deste grau são evidentes pela presença do artigo definido (dos = de + os) anteposto ao comparativo de superioridade (maiores): «os seus maiores amigos».

Pergunta:

«Vamos lá experimentar isso.»

Esta frase pode considerar-se declarativa ou imperativa?

Resposta:

Na frase «Vamos lá experimentar isso» sobressai a ideia de que o emissor se dirige a outro(s), em tom de conselho ou de pedido, em que se depreende o tom decisivo, tomando a iniciativa de o(s) levar a fazer algo (incluindo-se nessa ação). Ora, segundo o Dicionário Terminológico, toda a «frase que corresponde à expressão de uma ordem ou pedido do falante e tem o verbo no modo imperativo, conjuntivo, indicativo ou em formas do gerúndio ou infinitivo» é uma frase imperativa. Assim, «de um ponto de vista pragmático, são consideradas imperativas todas as frases que expressam um ato ilocutório diretivo, ou seja, aquelas com que, através do enunciado, o locutor visa obter num futuro imediato a execução de uma determina da ação ou atividade por parte do ouvinte, ou de alguém a quem o ouvinte transmita o ato diretivo. Prototipicamente as imperativas são a expressão de uma ordem. Contudo, são igualmente incluídas nesta classe frases que, embora exibam traços formais das imperativas, apresentam valores diversos como: pedido, exortação, conselho, instrução» (Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Caminho, 2003, pp. 449).

De facto, uma das marcas desse tipo de frase é que «nas frases imperativas o sujeito designa preferencialmente o ouvinte [e] nas imperativas diretas pode igualmente englobar o locutor, ocorrendo então o verbo na primeira pessoa do plural» (idem, pp. 456-457). Para além disso, tal como acontece na frase apresentada, «o sujeito nas imperativas não está usualmente expresso» (idem, p. 457).

Por outro lado, se tivermos em conta o modo da forma verbal «Vamos», é lícito afirmarmos que se encontra no modo conjuntivo (presente do conjuntivo1), o que acresce à justificação da frase...

Pergunta:

Quando por vezes assinamos em nome de uma instituição devemos fazê-lo «P´la» [nome da instituição] ou «PelA» [nome da instituição]?

Parece fazer mais sentido a segunda forma – será assim?

Resposta:

A questão que coloca põe-se não tanto quando se assina em nome de uma instituição, mas sobretudo quando se assina em nome de um detentor de um determinado cargo numa instituição ou em nome de um órgão da instituição. Por exemplo: «O Presidente», «O Diretor», «O Chefe de Divisão», «O Coordenador», etc. Nesses casos, e atendendo a que o cargo, antecedido do artigo, já se encontra impresso no documento, alguém que assine em nome do seu titular, fá-lo adicionando de forma manuscrita «Pel’», ou seja, «Pel’O Presidente», «Pel’O Diretor», «Pel’O Chefe de Divisão», «Pel’O Coordenador». Este uso do apóstrofo enquadra-se no disposto na alínea a) do n.º 1 da Base XVIII do Acordo Ortográfico de 1990, pois esse sinal marca ali a cisão gráfica de uma contração ou aglutinação vocabular, já que o cargo pertence a um conjunto vocabular distinto. Igual regra se usa ao assinar por um órgão de uma instituição, como por exemplo em:

O normal é, pois, assinar «Pel’A» ou «Pel’O» quer no caso de um detentor de um cargo numa instituição, quer no caso de um órgão de uma instituição. A forma «P´la» não se encontra consagrada na ortografia vigente, sendo preferível usar a forma completa — Pela — até por se tratar de uma palavra muito pequena, contração de «por a», riscando, então, o artigo «A» ou «O» que antecede o cargo ou órgão.

Outra possibilidade, mas que não tem feito parte do uso, é «Pla.», forma reduzida de pela (contração da preposição antiga per e da forma arcaica la do artigo definido: per + la) no ...