Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
69K

Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Deparei-me com o nome de música Foi Deus quem fez você, construção que acredito ser acertada; entretanto, a cantora Amelinha canta: «Foi Deus que fez você.»

Podem tirar-me a dúvida do emprego de que ou quem? E porquê?

Resposta:

Na frase apresentada, é correto o emprego de um ou do outro, porque tanto que como quem são pronomes relativos que podem ser sujeitos de frase ou de oração, e os dois têm em comum o facto de se poderem referir a pessoas (e a seres ou coisas personificadas).

Embora seja mais frequente o uso do pronome que — pois «é o relativo básico [que se] usa com referência pessoas ou coisa [...] e pode iniciar orações relativas e explicativas» (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 346) —, o facto de o pronome «quem só se empregar com referência a pessoas ou a alguma coisa personificada» (idem, p. 349) leva a que os falantes optem, frequentemente, por esta última forma, sempre que se referem a seres humanos ou a entidades humanizadas. Por exemplo:

 

«Foi ele quem/que desenvolveu este projeto.»

No entanto, importa não esquecer a questão da concordância do verbo da relativa. Enquanto «o pronome relativo quem se constrói, de regra, com o verbo na 3.ª pessoa do singular» (idem, p. 499), «o verbo que tem como sujeito o pronome que concorda em número e pessoa com o antecedente do pronome» (idem, p. 497). Portanto, só se mantêm idênticas na concordância as frases cujo sujeito seja o pronome quem ou que, se os mesmos se referirem a uma 3.ª pessoa do singular (como é o caso da frase apresentada pelo consulente). Se, por outro lado, se referirem a outras pessoas ou números, a concordância verbal é...

Pergunta:

Na frase «Eles assistiram ao espectáculo com interesse», como classificar a expressão «ao espectáculo»?

Resposta:

O verbo assistir é, segundo a gramática tradicional, um verbo transitivo indireto, cujas caraterísticas lhe permitem que seja classificado de duas formas pelas novas correntes linguísticas (cf. Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Caminho, 2003, p. 298-299):

— verbo de dois lugares com um argumento interno objeto direto, ou seja, que seleciona um argumento externo e um argumento interno com a relação gramatical de complemento/objeto indireto, [o que] determina o esquema relacional SU (sujeito) V (verbo) OI (comp. ind.):

Os paramédicos assistiram aos sinistrados.

— verbo de dois lugares com um argumento interno oblíquo, isto é, quando selecionam um argumento externo e um argumento interno preposicional ou adverbial com uma relação gramatical oblíqua, [o que] determina o esquema relacional apresentado em SU (sujeito) V (Verbo) OBL (comp. oblíquo):

O presidente assistiu à final da Taça de Portugal.

Ora, para que a estrutura «ao espetáculo» pudesse ser classificada como complemento indireto, teria de poder ser substituída pelo pronome lhe. Ora, isso não é possível, pois a frase torne-se-ia agramatical.

* «Eles assistiram-lhe.» (agramatical)

Não há dúvida, portanto, de que se trata de um complemento oblíquo, pois é um sintagma preposicional.

Pergunta:

Gostava que me esclarecessem, por favor. A professora do meu filho disse aos alunos que agora já não se diz «lavamo-nos» mas, sim, «lavamos-nos».

Sinceramente, fiquei confuso.

Resposta:

Lavamo-nos é, tal como o consulente considera, a forma correta. A indicação de uma outra deve-se, decerto, a um equívoco, pois remete para uma situação (de aula) do domínio da oralidade e não da escrita em que facilmente se confundem os sons e a pronúncia de qualquer palavra.

Este é um caso especial da conjugação verbal (reflexiva e pronominal), em que se distingue a forma da 1.ª pessoa do plural terminada em -mos de qualquer outra. Diz-se e escreve-se, por exemplo, lavamo-nos, encontramo-nos, ferimo-nos, mantivemo-nos, darmo-nos, ouvirmo-nos, referirmo-nos, mas, se usarmos outros pronomes enclíticos [depois do verbo], o verbo mantém a sua forma original: lavamos-te, encontramos-vos, ferimos-vos, mantivemos-vos, darmos-vos, ouvirmos-te, referirmos-te.

Assim, a regra da omissão do «-s final da desinência -mos das 1.as pessoas do plural dos verbos reflexivos ou pronominais» aplica-se somente aos casos em que o pronome enclítico [depois do verbo] é -nos, omissão essa que se tornou necessária «em virtude de uma antiga assimilação à nasal inicial do pronome seguinte» (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 410).

Nota: Importa referir que, se o pronome nos estiver anteposto ao verbo, não se omite o -s final da desinência -mos das 1.as pessoas do plural, mantendo-se a forma original do verbo. São exemplos des...

Pergunta:

Na frase «Qual sua expectativa em relação a disciplina em questão?», o a próximo de disciplina tem crase? Em caso afirmativo, qual a regra que justifica a crase?

Resposta:

A estrutura «em relação» implica o emprego da preposição a. Por exemplo:

 

«Em relação a esta situação»; «em relação a isso»; «em relação a um aluno»; «em relação a todos os assuntos».

Por isso, sempre que o substantivo/nome a que se refere esteja precedido de artigos definidos [o, a, os, as] ou de determinantes demonstrativos [aquele(s), aquela(s)], faz-se a crase da preposição a com esses determinantes. Exemplo:

«Em relação ao interesse, à disponibilidade, aos desempenhos, às  atitudes, àquele entusiasmo e àquela entrega que caracterizam tal pessoa, é impossível encontrar-se motivo para críticas.»

A crase ocorre também com os pronomes demonstrativos aquele(s), aquela(s), aquilo, o(s) e a(s). Exemplo:

«Em relação àquilo de que te falei.»

Ora, nos casos em que há a crase da preposição a com a forma feminina d...

Pergunta:

Na frase «Eles comeram o peixe», Eles considera-se sujeito simples, ou composto?

Resposta:

Quando o sujeito é constituído por um único pronome, como é o caso da frase em análise, trata-se de um sujeito simples. Portanto, Eles na frase «Eles comeram o peixe» é um sujeito simples.

A gramática tradicional e as novas correntes linguísticas são unânimes a nível da classificação de sujeito simples e composto. Repare-se na definição formulada pelos gramáticos Cunha e Cintra — «Quando um sujeito tem um só núcleo, isto é, quando se refere a um só substantivo/nome [Matilde entendia isso; Os olhos dela estavam secos], ou a um só pronome [Ele arrumava a gravata;  Esperam que eles as tomem], ou a um só numeral [Os dois riram-se satisfeitos], ou a uma só palavra ou expressão substantivada [O por fazer é só com Deus; Só o existirdes me consola], o sujeito é simples» (Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 127) — e pelo Dicionário Terminológico: «Sujeito constituído exclusivamente por um grupo nominal ([O Manuel] telefonou pelas nove horas) ou por uma oração ([Quem não arrisca] não petisca). A este contrapõe-se o sujeito composto.

Não é o facto de o sujeito ser plural que lhe confere a classificação de composto. Esse caso seria evidente se, em vez do pronome pessoal masculino de 3.ª pessoa do plural (eles), ocorressem do...