Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

«Promessas terrenas, não as haviam [não as havia]»?

Resposta:

Nessa frase, o verbo ocorre na 3.ª pessoa do singular:

«Promessas terrenas, não as havia.»

Trata-se de um caso em que haver é um verbo existencial (ou impessoal, na terminologia tradicional), pois tem o valor de «existir», razão pela qual é «invariavelmente usado na 3.ª pessoa do singular» (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 443).

A dúvida do consulente deve-se, decerto, ao facto de, na frase, o verbo haver estar precedido do sintagma «promessas terrenas», que se encontra no plural. Mas não nos podemos esquecer de que não se trata de sintagma com a função de sujeito da frase, porque o verbo existencial (ou impessoal) haver só «seleciona um argumento interno complemento/objeto direto, marcado com caso acusativo» (Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Caminho, 2003, p. 302).

Por isso, sempre que este verbo é usado com o valor de «existir», nunca tem sujeito, mas complemento direto. É essa a função sintática de «promessas terrenas», a de complemento direto [constituinte que, habitualmente, ocorre em posição pós-verbal]. Repare-se em situações idênticas nas seguintes frases:

«Não acredito em bruxas, mas que as há, há.» [«as» (pron.) – compl...

Pergunta:

Antigamente escrevia-se Baptista com o p. Há poucos dias foi-me dito no Consulado Português que o p já não se usa e que foi tirado por lei portuguesa. É verdade, ou continua a ser a mesma lei de antes?

Resposta:

Pode continuar a escrever-se Baptista, assim como Batista, dependendo da grafia que se encontra registada nos documentos de identificação.

Como se trata de um antropónimo (nome próprio ou apelido) da tradição bíblica (estrangeiro), consagrado pelo uso, o Acordo Ortográfico de 1990 (AO), na Base I, indica que se mantêm «nos vocábulos derivados eruditamente de nomes próprios estrangeiros quaisquer combinações gráficas ou sinais diacríticos não peculiares à nossa escrita que figurem nesses nomes», razão pela qual é permitida a continuidade da grafia que mantém o p (mudo) da sequência consonântica: Baptista.

No entanto, o AO aconselha, também, a grafia alternativa, em que se elimine a consoante que não é pronunciada, forma esta que também já é consagrada pelo uso: Batista.

Pergunta:

«Seria [ou «seriam»] pouco mais das dez e meia da manhã»?

Na minha opinião, «seria», concordando com «pouco», mas...

Resposta:

Como se trata de uma frase impessoal, o verbo ser concorda com o predicativo (cf. Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2002, pp. 501-503). Ora, se nessa frase só figurasse a referência às horas — «dez e meia da manhã» —, não haveria dúvida de que o verbo ocorreria no plural, a exemplo das seguintes:

«São duas horas da noite.» (António Botto, Ódio e Amor, 141)

«Eram quase oito horas.» (Augusto F. Schmidt, O Galo Branco, 133)

Assim, a frase ficaria: «Seriam dez e meia da manhã.»

No entanto, e tal como o consulente sentiu, a questão não é assim tão simples.  Na frase que nos apresenta — «Seria [ou seriam] pouco mais das dez e meia da manhã», o predicativo é uma estrutura complexa — «pouco mais das dez e meia da manhã», pois «contém duas expressões que se encontram separadas pela preposição de» (Peres e Móia, Áreas Críticas da Língua Portuguesa, Lisboa, Caminho, 1995, pp. 476-477), sendo a primeira delas singular [«pouco mais»] e a segunda, a encaixada, plural [«dez e meia da manhã»].

Ora, se tivermos como referência o que se passa com os casos que envolvem sujeitos com uma estrutura complexa, analisados por Peres e Móia (ob. cit., pp. 476-490), apercebemo-nos de que os linguistas nos «chamam a atenção para este tipo de estruturas, na medida em que correspondem a uma área de hesitação por parte dos falantes e de concorrência de duas regras a...

Pergunta:

A palavra político é um comum de dois géneros, ou um sobrecomum?

Resposta:

A palavra político enquadra-se em duas classes de palavras:

substantivo/nome [«pessoa que tem responsabilidades de ordem política; pessoa que participa na vida política; homem de Estado; estadista» (Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora)]. Exemplos: 

«Ele quer ser um político de sucesso.» [(um) político]
 
«Há dois tipos de políticos: o político por vocação e o político por profissão.» (Agostinho da Silva) [(o) político]

adjetivo [«que pertence ou diz respeito à política ou aos negócios públicos; que diz respeito ao exercício do poder; relativo ao Estado e às relações entre Estados» (idem)]. Exemplos:

«Ela conhece bem as marcas do discurso político.»

«Todo o ato é um ato político.» 

Como nome/substantivo que designa «pessoa que tem responsabilidades de ordem política; pessoa que participa na vida política; estadista» (idem), político é um nome masculino, «designando indiferentemente elemento do sexo masculino ou do sexo feminino» (Maria Helena Moura das Neves, Gramática do Uso do Português, 2000, p. 152), razão pela qual não se encontra registada a forma feminina (o que só acontece com o adjetivo). Trata-se, decerto, de um dos casos de profissões e de cargos que eram, até há pouco, restritas ao sexo masculino e exercidas por homens. Por isso, como nome, tem caraterísticas dos substantivos sobrecomuns, os «que têm um só género gramatical para designar pessoas...

Pergunta:

Classificação quanto à sílaba tónica da palavra prenda.

Resposta:

O nome feminino prenda tem o acento tónico (não gráfico) na penúltima sílaba — pren-da —, razão pela qual é classificado como uma palavra grave ou paroxítona.

A classificação das palavras quanto à acentuação (ou ao acento tónico) tem por base a pronúncia das mesmas e assenta na identificação da sílaba que é emitida mais fortemente, cujo som se destaca pela intensidade (força com que é pronunciado), pelo tom (ou altura musical) e pela quantidade (duração com que é emitido), caraterísticas do acento tónico.