Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

«O documento já foi impresso», ou «O documento já foi imprimido»?

Resposta:

«O documento já foi impresso» é a forma correta.

Se se tratasse de uma frase cujo verbo fosse ter ou haver, então, usar-se-ia o particípio regular. Por exemplo:

«Eu tinha imprimido o documento.» 

 

Como o verbo imprimir é um dos verbos abundantes (ou de duplo particípio), tem dois particípios: o regular — imprimido (usado com os verbos  ter ou haver); e o irregular — impresso (que ocorre com os verbos ser e estar).

Pergunta:

Na frase «quando foi nomeado governador civil», qual a função desempenhada por «governador civil»?

Resposta:

De facto, o verbo nomear, como um dos verbos transitivo-predicativos, seleciona um argumento interno com a relação gramatical de objeto/complemento direto e, também, a de predicativo de complemento direto, que funciona como núcleo do complemento direto, como predicador secundário.

Não haveria, decerto, qualquer dúvida se se tratasse de uma frase na voz ativa: 

«Quando o governo o nomeou governador civil.»
«Quando o governo nomeou o João governador civil.»

 

Analisando as frases:

Suj.: o governo;
pred.: o nomeou governador civil; nomeou o João governador civil
comp. direto.: o; o João
predicativo do comp. direto: governador civil.

Passando-as para a passiva: 

«Quando ele/o João foi nomeado governador civil.»

Ora, como sabemos, o complemento direto da ativa é o sujeito da passiva. Portanto, se, na ativa, o predicativo do complemento direto era o núcleo do complemento direto, concordando com ele em género e em número, as relações entre os dois constituintes — complemento direto e predicativo do complemento direto da ativa — mantêm-se na passiva, razão pela qual «governador civil» passa a predicativo do sujeito.

Pergunta:

Veja-se a trova abaixo:

Se ouso me aproximar dela
E sobre amor revelar tudo,
Pouco ou nada se revela,
Fico extático, fico mudo

 

Pode-se afirmar que há um paradoxo nos dois últimos versos, já que, ao mesmo tempo que «pouco ou nada se revela», o eu poético fica extático e mudo? Sendo paradoxo, seria um paradoxo "convencional", diga-se assim, do tipo «morte em vida»? Pois a uma afirmação (a não revelação do amor) é contraposta a descrição de um estado, que sutilmente indica que tudo foi de fato revelado.

Resposta:

Nos três últimos versos é evidente a presença de oxímoros, figura de retórica que se carateriza como «expressão sintética do paradoxo intelectual, o que o torna propício ao brilho de jogos conceptuais» [Dicionário de Literatura, de Jacinto do Prado Coelho (dir.) e Biblos, Enciclopédia das Literaturas de Língua Portuguesa (Lisboa/São Paulo, Verbo, 1999)].

Apesar de ser frequente o uso do termo filosófico paradoxo, a realidade é que não figura em muitas das obras específicas sobre literatura.

Se tivermos em conta o conteúdo desses versos, de revelação do desconcerto interior do sujeito poético, desconcerto esse que é verbalizado através do jogo de palavras e de construções antagónicas e paradoxais, não temos dúvida de que nos encontramos perante casos de oxímoros. Repare-se que o sujeito poético, por ter consciência do seu estado desconcertado, fruto do poder transfigurador do amor (da presença da amada), apercebe-se de que é capaz «de [lhe] revelar tudo sobre o amor», mas logo vê que «pouco ou nada se revela», o que o deixa «extático, mudo». Ora, essas são as manifestações do estado de amor perfeito (tão difundido pelos renascentistas). Assim, é evidente a construção intencional de oxímoros por este sujeito lírico, cujo «interesse é chamar a atenção para uma verdade profunda em que os conceitos vulgares perdem a sua nitidez e é possível uma conciliação de contrários» (Dicionário de Literatura, ob. cit.).

Destaca-se, também, a presença da anáfora («

Pergunta:

Qual a grafia correcta da expressão: «à bocado»/«há bocado»; «à pouco»/«há pouco»?

Resposta:

«Há bocado» e «há pouco» são as formas corretas.

Repare-se que, sempre que queira indicar tempo decorrido, se usa o verbo haver (como impessoal), na 3ª pessoa do singular. Por exemplo:

«Há tanto tempo que não a vejo.»

«Há muito que não lhe falo.»

«Tinha adoecido, havia quinze dias.»

«Há dois dias que não vem trabalhar!»

Pergunta:

Diz-se remela ou ramela?

Resposta:

Ramela e remela são palavras sinónimas, significando «substância amarelada que aparece nos pontos lacrimais e nos bordos da conjuntiva» (Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 2010).

Trata-se, portanto, de duas palavras de grafias diferentes, razão pela qual se dizem/pronunciam de forma distinta:

Ramela [ʀɐmɛlɐ] – em que é evidente a pronúncia de ramela.

Remela [ʀəmɛlɐ] – em que se verifica o som re na primeira sílaba.