Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria de saber quais das frases que a seguir apresento podem ser consideradas de cariz popular:

«Ela gostava de repetir a dose.»

«Mas ela tem este feitio assim e assado.»

«Já me tinha chegado isso aos ouvidos.»

«Já quanto a reputação, temos homem!»

«Uma das coisas que mais me chocam.»

Resposta:

Tendo como referência a bibliografia específica sobre o tema, das frases apresentadas, encontram-se registadas como expressões correntes, idiomáticas e populares as seguintes:

— «assim e assado», designando «desta maneira e daquela» (Emanuel de Moura Correia e Persília de Melim Teixeira, Dicionário Prático de Locuções e Expressões Correntes, Porto, Papiro Editora, 2007, p. 56), «expressão de desinteresse ou desprezo por qualquer fala que não nos agrada» [assim como «assim e assado», «frito e cozido»] (Orlando Neves, Dicionário de Expressões Correntes, Lisboa, Ed. Notícias, 1998, 59), «nem bem nem mal; desta ou daquela maneira» (Guilherme Augusto Simões, Dicionário de Expressões Populares Portuguesas, Porto, Dom Quixote, 2000, p. 90).

— «chegar aos ouvidos», significando «ter conhecimento pelo que se ouve dizer» (Guilherme Augusto Simões, ob. cit., p. 175), «tomar conhecimento por ouvir dizer (Orlando Neves, ob. cit., p. 88).

— «temos homem», significando «homem de bem», ou seja, «indivíduo reto no seu procedimento» (Guilherme Augusto Simões, ob. cit., p. 364).

— «Uma das coisas que mais me chocam», em que «chocar» tem o sentido de «desgostar, ofender, comover» (Guilherme Augusto Simões, ob. cit., p. 179).

 

Pergunta:

Tenho diversas dúvidas sobre a nossa língua que gostaria de ver esclarecidas. Como me surgiram na prática, remeto as frases em concreto em que as dúvidas se colocaram, pedindo que assinalem qual a hipótese correta e, se possível, qual a regra aplicável:

1. «É um conjunto de documentos já analisado.»/«É um conjunto de documentos já analisados.»

2. «É uma grande quantidade de documentos já analisada.»/«É uma grande quantidade de documentos já analisados.»

Resposta:

Embora possa parecer estranho, a verdade é que todas as formas apresentadas pela consulente são possíveis e gramaticais, porque tanto se pode estar a caraterizar o conjunto ou a quantidade como os documentos.

Repare-se que, se se puser a tónica no conjunto ou em uma grande quantidade, a flexão do particípio/adjetivo será feita em concordância com eles. Assim, a forma deverá ser:

 

1. «É um conjunto de documentos já analisado.» [= «É este o conjunto de documentos analisado.»]

 

2.  «É uma grande quantidade de documentos já analisada.» [= «É esta a grande quantidade de documentos já analisada.»]


Se, por outro lado, se nos estivermos a referir aos documentos de um determinado «conjunto» ou de «uma grande quantidade», a concordância será feita com esse termo:

 

1. «É um conjunto de documentos já analisados.» [= «Os documentos já analisados de um conjunto.»]

2. «É uma grande quantidade de documentos já analisados.» [= «Os documentos já analisados dentro desta grande quantidade.»]

 

Pergunta:

Em dicionários da nossa língua, tenho encontrado trisneto(a), trineto(a), abneto(a), mas apenas trisavô(ó)/ tresavô(ó), razão pela qual gostaria de vos perguntar se haveria ou não as formas triavô, triavó, treavô, treavó, embora não dicionarizadas.

Resposta:

De facto, existem os termos sinónimos trineto, trisneto e tresneto, formados, respetivamente, com os elementos tri-1, de origem grega e latina, com o sentido de «três», que tem como forma afim tris-2, de origem grega e latina, tendo esta a variante tres-3.

Relativamente às formações com a palavra avô, só se encontram registadas as formas trisavô (formada com tris-) e a variante tresavô, com o prefixo tres- (idem, p. 1030).

Não há registo destas palavras formadas com o prefixo tre-, pois este elemento de formação tem como formas afins trans-, tras-, tra- e tres- (mas este distinto do de valor de «três»).

A palavra abneto (idem, p. 8) resulta da formação com o prefixo ab-.

1Tri-, «elemento nominal de composição de origem grega e latina, com o sentido de três, que tem como forma afim tris-» (Rebelo Gonçalves, Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, Coimbra, Coimbra Editora, 1966, p. 1025), razão pela qual se formaram as palavras trineto e t...

Pergunta:

Ao tentar estabelecer abrangência de conceitos em torno do termo fiar, pergunto qual a relação etimológica de com fio, fiar ou confiar, por relação entre fio/fiar/confiaracreditar/(ter) ? Será que não existe relação, mesmo que indirecta e distante?

Saúdo a equipa e agradeço.

Resposta:

A explicação para a questão que nos apresenta reside no facto de haver dois verbos fiar, homónimos, derivados de étimos distintos, razão pela qual têm significados diferentes e designam realidades totalmente distintas.

Assim, há o verbo fiar (do latim filăre, «fiar») que designa «reduzir a fio; fazer arame; serrar (madeira) longitudinalmente; (figurativamente) tramar, urdir» (Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 2010). É, portanto, com esta forma verbal que está relacionado o nome/substantivo fio (do latim filu-), com o mesmo radical, pertencendo à mesma família de palavras.

Por sua vez, o outro verbo fiar (do latim vulgar fidāre, por fidĕre, «fiar-se; confiar»), na forma simples, como verbo transitivo, significa «ficar por fiador de; afiançar; confiar; vender fiado ou a crédito»; como intransitivo, tem o valor de «entregar sob fiança; vender a crédito»; e, como verbo reflexo, designa «confiar; acreditar; dar crédito» (idem). Naturalmente, o nome/substantivo (do latim fide-) está diretamente relacionado com esta forma verbal, o que implica que pertençam à mesma família de palavras (pois têm em comum o étimo fide-).

Pergunta:

Tendo em conta que, segundo o Acordo Ortográfico de 1990, nas locuções não se emprega em geral o hífen, gostaria de saber a razão da manutenção na palavra trinta-e-um.

Trata-se, ou não, de uma locução?

Resposta:

O Grande Dicionário da Língua Portuguesa (2010), da Porto Editora (com a aplicação do Acordo Ortográfico) regista unicamente a forma trinta e um sem hífen — indicando que é distinta da da «grafia anterior: trinta-e-um».

Assim, segundo esta fonte, trinta e um é a forma gráfica para designar os vários sentidos da palavra e as diferentes classes de palavras (nome masculino e numeral): «1. (n. m.) jogo cuja finalidade é perfazer trinta e um pontos ou aproximar-se de trinta e um pontos por defeito e nunca por excesso; 2. (n. m.) tumulto; revolta; 3. (n. m.) grande problema; complicação. 4. (num.) vinte mais onze; o número 31 e a quantidade representada por esse número; o que numa série ocupa o trigésimo primeiro lugar.»

No entanto, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (2009) e a Infopédia – Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora, registam duas formas distintas:

— o nome masculino de 2 números trinta-e-um (hifenizado), para designar o jogo de cartas;

— o numeral trinta e um (sem hífen).

Por sua vez, o Portal da Língua Portuguesa, da responsabilidade do ILTEC, contempla, também, a forma hifenizada do nome masculino