Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

A dúvida surgiu num aula de exercícios sobre o nome. Considerando que o nome semana é colectivo, podemos considerar fim de semana também colectivo, apesar de ser apenas um conjunto de dois?

Resposta:

Se seguirmos a formulação que se pode depreender do Dicionário Terminológico, que classifica o nome par como nome colectivo — tendo em conta que nome colectivo corresponde a «nome que se aplica a um conjunto de objectos ou entidades do mesmo tipo» —, em que duas pessoas ligadas por um determinado facto são consideradas como um conjunto, pressupõe-se que, tal como par (duas pessoas), fim-de-semana (dois dias) seja considerado um nome colectivo.

 

N.E.Fim-de-semana, com hifen, antes do Acordo Ortográfico, fim de semana, sem hífen, depois do Acordo Ortográfico adotado pelo Ciberdúvidas em setembro de 2011.

Pergunta:

Após ler os vários artigos sobre o uso da «dupla negação» em português, gostava de solicitar a análise da mesma nos três primeiros versos da Tabacaria, de Álvaro de Campos («Não sou nada/Nunca serei nada/Não posso querer ser nada»).

Antecipadamente grato.

Resposta:

Não é por acaso que o sujeito poético de Tabacaria, de Álvaro de Campos, inicia o poema com uma estrofe curta (a estância mais pequena da poesia), de quatro versos, em que afirma, assertivamente, a sua realidade marcada intencionalmente pela presença de três frases negativas — «Não sou nada/Nunca serei nada/Não posso querer ser nada

Para além da presença da dupla negação em cada um dos três versos, não podemos deixar de assinalar, também, o cuidado com a precisão da repetição anafórica/anáfora do pronome indefinido substantivado nada, com que cada frase termina. Ora, esta técnica do uso da dupla negação, coadjuvada pela anáfora de nada a culminar cada afirmação, deixa transparecer, sem qualquer sombra de dúvida, duas realidades distintas:

 – a do olhar do sujeito poético sobre o eu (o sujeito que observa, que diz e que analisa);
 – o eu propriamente dito (o objecto de análise).

Analisando o olhar do sujeito poético, apercebemo-nos do modo como encara o «eu», sobressaindo uma visão crítica totalmente negativa (por isso, o uso da dupla negação), bastante dura e arrasadora do «eu», dita em poucas palavras bastante precisas, em que se destaca a brevidade e a concisão, evidenciando o cuidado em utilizar poucas palavras para definir o outro, o eu: poucas palavras para o «pouco», o «nada», o «não». O olhar sobre o eu-outro que o inquieta é atento e duro, revelado pela frontalidade das suas palavras.

O eu, por sua vez, caracteriza-se repetidamente como «nada», anulando-se por completo e usando simbolicamente o número três (as três vezes que repete) para marcar a perfeição com que se de...

Pergunta:

Qual é o aumentativo da palavra filme?

Resposta:

Não encontrámos nenhuma forma dicionarizada do aumentativo de filme, contrariamente ao que ocorre com o seu diminutivo, para o qual estão registadas duas formas: uma, marcando a curta duração, filmete (filme + -ete), «filme curto, com duração de 15 a 60 segundos, geralmente produzido com finalidade publicitária, para exibição em cinema ou televisão» (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 2001), e outra, totalmente distinta, com sentido pejorativo, filmeco (filme + -eco), «filme cinematográfico de qualidade inferior, mau filme» (idem).

No entanto, apesar de não haver registo em nenhum dos dicionários nem nas gramáticas consultadas, sabemos que há regras para a formação do grau aumentativo dos substantivos, de modo a conferir à palavra uma «significação exagerada, ou intensificada disforme ou desprezivelmente, [emprestando, frequentemente,] ao nome as ideias de desproporção, de disformidade, de brutalidade, de grosseria ou de coisa desprezível» (Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 17.ª ed., Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 199), o que não significa que o aumentativo não corresponda a uma marca positiva, a um sinal de ampliação eufórica do sentido do vocábulo.

Aliás, essas «noções são expressas em geral pela[s] forma[s] analítica[s], especialmente pelo adjectivo grande, ou por sinónimos, que acompanham o substantivo» (idem), o que corresponde à expressão com que verbalizamos usualmente tal grau — «um grande filme» — quer para designar um filme muito bom, quer para nos referimos a um filme longo, assim como para significar um filme valorizado pela presença de actores de renome, recheado pela diversidade de cenários/paisagens e/ou enriquecido pelas mais recentes técnicas/tecnologias de imagem e de som, facultando ao espectador o...

Pergunta:

A palavra importância divide-se como? É grave, ou esdrúxula?

Resposta:

Tendo em conta que a divisão silábica de uma palavra se faz pela sua soletração, conclui-se que  importância se divide em cinco sílabas: 

             im-por-tân-ci-a1

Quanto à acentuação, é uma palavra esdrúxula ou proparoxítona, uma vez que a sílaba tónica da palavra é a antepenúltima sílaba. Como se trata de uma palavra esdrúxula, é acentuada (e, neste caso, com um acento circunflexo), tal como ignorância, ciência, estômago, câmara, ângulo.

1 Para efeitos de translineação, a partição pode fazer-se do seguinte modo:

im-
portância

impor-
tância

importân-

cia

Pergunta:

Seria possível que me esclarecessem por que razão girassol (gira + sol) e aguardente (água + ardente) são consideradas composição morfossintáctica, e informática (informação + automática) e diciopédia (dicionário + enciclopédia), amálgamas?

Muito obrigada.

Resposta:

Sobre as palavras girassol e aguardente importa dizer que actualmente, em rigor, não são compostos morfossintácticos, porque os seus constituintes perderam a autonomia semântica, razão pela qual são designadas por palavras lexicalizadas, uma das realidades linguísticas que englobam os casos de formação de palavras tradicionalmente classificadas como «palavras compostas por aglutinação». Embora esta designação — palavras lexicalizadas — não se encontre no Dicionário Terminológico (DT), a realidade é que está atestada na TLEBS: alterações, destaques, propostas como «palavra complexa cuja estrutura (ou interpretação) sofreu alterações que a afastam das palavras formadas por idêntico processo» e que «deixou de ter uma estrutura composicional» (pág. 23).

Repare-se que as duas palavras seguem a regra geral da formação de plural das palavras simples — girassóis e aguardentes —, o que indicia que dentro em pouco serão consideradas como palavras simples, ficando para trás o sentido inicial que lhes deu origem, a da aglutinação de duas palavras.

Distinta é a situação das palavras informática e diciopédia, incluídas, no DT, nos «processos irregulares de formação de palavras» na área da lexicologia, como casos de amálgama, que, por sua vez, «consiste na criação de uma palavra a partir da junção de partes de duas ou mais palavras», tal como os exemplos nos mostram: «informática → informação + automática», «cibernauta → cibernética + astronauta», «credifone (crédito + telefone).

Portanto, este último p...