Discurso sobre o fulgor da língua, de José Eduardo Agualusa, é, de facto, um conto cuja acção gira à roda da perspectiva que as três personagens têm sobre a realidade da língua portuguesa, a língua materna dos três intervenientes (o velho alfarrabista brasileiro, o narrador angolano e o português franzino de óculos redondos) que, no texto, irrompe como objecto de interesse e de preocupação, mas, sobretudo, enquanto factor de unidade e, simultaneamente, de diferença.
O conto desenvolve-se em torno de fascínios comuns às três personagens independentemente das diferenças entre elas (a idade, a naturalidade e a cultura), o fascínio pelos livros, desenrolando-se a acção no meio das estantes e das pilhas de livros do velho alfarrabista brasileiro, que se destaca pela sua aparente fragilidade e desorganização, mas que surpreende, desde logo, o narrador pela lucidez com que cita versos dos poetas Cruz e Sousa (brasileiro) e Fernando Pessoa (português), poemas marcados pela musicalidade das aliterações (recurso estilístico que consiste na repetição de sons, o que confere musicalidade ao poema: «E fria, fluente, frouxa», «Vozes veladas, veludosas vozes/volúpias dos violões, vozes veladas», «em torno à tarde se entorna/A atordoar o ar que arde»).
Ora, esse gosto do velho alfarrabista por poemas, em que a língua portuguesa é valorizada por um brasileiro e por um português, transparece a sua atracção pela língua, o que se torna evidente quando questiona o narrador sobre a origem do seu sotaque estranho aos seus ouvidos atentos e habituados aos sons abertos do português do Brasil e aos incompreensíveis sons fechados da pronúncia do português europeu.
Por sua vez, a chegada do português franzino, mas simpático, que «falava sem abrir a boca» completa o quadro, pois é ele que esclarece, baseando-se na tese de Agostinho da Silva, a relação entre a língua e o país onde é falada, associando a abertura dos sons (no Brasil e em África) à amplidão dos espaços, assim como o fechamento das vogais ao universo limitado de Portugal.
Deste modo, a imagem negativa do português apagado desfaz-se para dar lugar a uma figura que deslumbra as outras duas pelo saber e pela simplicidade, o que faz que o velho alfarrabista lhe ofereça um dos livros que aquele escolhera — O Discurso do Fulgor da Língua, da autoria de um brasileiro do Maranhão, que nunca cativara o interesse de ninguém, apesar de ser um «grosso volume ricamente encadernado».
Dever-se-á ao interesse do português por tal livro sobre a língua portuguesa, que fora desprezado pelos seus conterrâneos, a surpresa do desenlace do conto: a leitura da obra ofereceu-lhe uma gratificante recompensa — o direito à herança do autor, que consistia num palacete de família, em Alcântara (Lisboa).
Conclui-se, assim, que o respeito pela língua portuguesa, independentemente do país de quem a fale, é sinal de riqueza e de distinção (simbolizadas no conto pelo palacete herdado).