Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
66K

Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria de saber se as palavras quatro e quarto são palavras parónimas.

Obrigado.

Resposta:

Quatro e quarto são, de facto, palavras parónimas, pois existe entre as duas palavras uma grande semelhança/proximidade a nível fonético, mas a grafia e o significado de cada uma são distintos.

Tendo em conta que a paronímia, incluída no domínio da semântica, está relacionada com a representação gráfica e as relações entre palavras com grafias e fonias próximas (Dicionário Terminológico), verificamos que o caso das duas palavras que nos apresentou é semelhante aos dos seguintes exemplos: «perfeito/prefeito; emigração/imigração; previdência/providência; cumprimento/comprimento; discrição/discrição».

Pergunta:

Qual o significado de «Em Abril deve o milho ferver no carolo»?

Resposta:

Não encontrámos registo de tal provérbio em nenhuma das obras específicas1 sobre provérbios, frases feitas e expressões correntes da língua portuguesa. E essa situação deve-se ao facto de o mês de referência ser o de Agosto e, não, o de Abril, como verificámos, posteriormente através de pesquisa na Internet. Assim, o provérbio é «Em Agosto deve o milho ferver no carolo».

Com este mês de Agosto como referência, este provérbio está registado em O Livro dos Provérbios Portugueses (ob. cit.) incluído na temática «Tempo atmosférico». No entanto, apesar de se encontrar dicionarizado, não há a explicação da sua origem nem do seu significado.

O seu sentido está, decerto, relacionado com um determinado valor de carolo, palavra que tanto pode designar a «espiga de milho a que se retiraram os grãos; maçaroca de milho depois de debulhada» (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, 2001), como a «farinha de milho, moída grosseiramente, própria para fazer papas» (idem).

Pelo teor do provérbio, parece-nos que carolo é aí usado para designar a espiga ou a maçaroca, razão pela qual o significado do provérbio deverá estar relacionado com a importância de se deixar que o milho desenvolva (na espiga) com o sol forte de Agosto, apanhando o calor abrasador próprio dos dias de Agosto  (o «ferver» implicaria, portanto, sofrer a acção das «brasas» dos raios solares de Agosto). Depreende-se, assim, que poderá ser um conselho para que não...

Pergunta:

Qual o significado de «em ano bom o grão é feno, em ano mau a palha é grão»?

Resposta:

O Livro dos Provérbios Portugueses, de José Ricardo Marques da Costa (2.ª ed., Lisboa, Editorial Presença, 2004), regista as três formas seguintes para o provérbio que nos apresenta:

«Em ano bom o feno é grão e, no mau, a palha é grão.»
«Em ano bom o grão é feno e no mau a palha é grão.»
«Em ano bom, o grão é palha; mas no mau, a palha é grão.»

 

Incluídos na temática «Tempo e Agricultura», estes provérbios são reveladores de a sabedoria popular concentrar numa breve frase a capacidade de adaptação do ser humano à inconstância das colheitas e às condições atmosféricas.

Assim, se as colheitas forem boas e, consequentemente, se o ano agrícola é próspero, será marcado pela abundância e pela qualidade dos produtos tanto para homens como para os animais: o feno, para os animais, e o grão, para os homens.

Por sua vez, num mau ano agrícola, em que os produtos agrícolas escasseiam, tem de se saber aproveitar tudo o que a natureza nos dá, utilizando até o alimento habitual dos animais (a palha) como produto alimentar humano.

Estes provérbios evidenciam, assim, a capacidade do ser humano em se adaptar a todas as situações: em tempo de abundância, usufrui-se do que há de melhor e, em tempo de adversidade, aproveita-se tudo o que há.

Pergunta:

Tenho ouvido de algumas pessoas que há diferença entre persuadir e convencer, e que esta diferença seria, em síntese, que ao convencer há a aceitação do convencido. No caso da persuasão, haveria uma imposição, ou seja, o persuadido não teria outra alternativa senão aceitar.

Esta diferenciação tem algum embasamento?

Resposta:

Se formos verificar a etimologia de cada um dos verbos, retiramos o seguinte: persuadir deriva «do latim persuadĕre, “decidir, resolver fazer qualquer coisa; persuadir, convencer; produzir convicção a respeito de qualquer coisa”» (José Pedro Machado, Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, vol. IV, Lisboa, Horizonte, 1987), enquanto convencer provém do «latim convincĕre, “vencer completamente; confundir um adversário; convencer (= provar a culpabilidade); demonstrar vitoriosamente (um erro, uma falha, etc.); provar vitoriosamente qualquer coisa contra alguém”». (idem, vol. II).

A partir da etimologia, apercebemo-nos de que, apesar de os dois verbos serem considerados sinónimos, parece haver diferenças entre eles, pois a persuadir está associada a ideia de competência, de capacidade, de arte, do poder de alguém conseguir «produzir convicção [em outra pessoa] a respeito de qualquer coisa» (idem). Por isso é frequente ouvir-se dizer que «tal pessoa tem poder de persuasão».

Por sua vez, e apesar de um dos sentidos da etimologia do verbo convencer ser o de «vencer completamente», a realidade é que é comum ouvir-se a seguinte afirmação: «Vencido, mas não convencido», do que se infere que este sujeito/emissor não ficou convicto das razões que lhe quiseram passar. Portanto, ele não sofreu os efeitos da arte, do poder de persuasão do outro, pois manteve as suas convicções, apesar de ter perdido uma determinada causa. Mas também é um facto que ao adjectivo convincente (particípio presente do verbo convencer) está implícita a ideia de «que é capaz de fazer reconhecer como verdade um facto, uma situação; que convence =  persuasivo: ”Ela foi extremamente convincente com as provas que apresentou.”» (D...

Pergunta:

A frase «(os peixes) estavam muito feitos a serem visitados» significa que:

— (os peixes) estavam habituados aos visitante;

— ou (os peixes) estavam fartos de visitas?

Resposta:

Tendo em conta os sentidos associadas à expressão «feito a», assim como ao contexto em que está inserida na frase que nos apresenta, consideramos que se lhe poderão atribuir dois significados (que estão relacionados entre si):

— «os peixes estavam habituados [acostumados, afeitos] a serem visitados.»

— «os peixes estavam preparados [instruídos, adestrados, treinados] a serem visitados.»

Estas conclusões resultam da pesquisa em vários dicionários, de que se destacam os seguintes dados:

O Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea (2001), da Academia das Ciências de Lisboa, regista o adjectivo feito (do latim factus, part. pas. de facĕre, “fazer”) com vários significados, de entre os quais se salientam os seguintes: «1. Que é constituído por alguém ou alguma coisa = COMPOSTO, FORMADO: "A vida é feita de pequenas coisas" , "As vidas são feitas de retalhos desiguais na forma e na cor" (C. Dolores, Retrato, p. 46). 2. Que se efectuou, que se realizou: "O trabalho feito na semana passada foi-lhe extremamente útil", "E, dizendo, sentou-se quebrantada do esforço feito em apertar o vestido" (Camilo, Doida, p. 260). 3. Que se executou, se fabricou, se construiu, se confeccionou: "Mesas feitas de vidro e de latão". 4. Que está terminado, concluído = ACABADO, FINALIZADO, PRONTO: "Empreiteiro de obra feita". 5. Que está pronto para ser usado ou consumido. 6. Que se encontra preparado = PRONTO: "estava toda feita para ir sair". 7. Que está habituado, acostumado = AFEITO: "Como todos os pescadores, era um homem feito às intempéries". 8....