Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Estão corretas as classificações que se seguem?

«Abriu a época desportiva» (desportiva — adjetivo relacional)

«Ela é muito desportiva» (desportiva — adjetivo qualificativo)

«Em primeiro lugar vais estudar!» (primeiro — adjetivo numeral)

«Primeiro, vais estudar e depois brincas!» (primeiro — advérbio de ordem ou sequência)

Resposta:

Desportiva

De uma forma geral, poderemos dizer que a classificação indicada é correta, pois há quem defenda que os adjetivos denominais poderão ocorrer quer como relacionais, quer como qualificativos.

Primeiro

Também aqui a classificação avançada é adequada. Se tivermos em conta o Dicionário Terminológico, em «Primeiro, vais estudar e depois brincas!» a designação mais rigorosa para este caso será a de advérbio conetivo, que pode ter o sentido de sequência que se percebe no exemplo indicado.

Pergunta:

Qual é a função sintática do termo «de estudos» na frase «É uma viagem de estudos»?

Resposta:

Embora possamos associar viagem ao verbo viajar, não podemos atribuir a «de estudos» uma função característica desse verbo. Comparemos os exemplos seguintes:

1. «O João viajou.»
2. «A viagem do João.»

Em 2, temos associado ao nome viagem um complemento do nome que provém de um constituinte associado, como argumento externo (sujeito), ao verbo viajar.

Em «viagem de estudos», o grupo adjetival «de estudos» desempenha a função de modificador restritivo do nome, ou de adjunto desse nome.

Pergunta:

Na frase de Bernardo Soares «estão ligados em música pela mesma intenção melódica», o adjetivo será relacional, ou qualificativo? Penso que seja qualificativo, entre outras razões, por admitir antónimos, poder ocorrer em posição predicativa e ser graduável. Estarei certa?

Resposta:

Tendo em conta a descrição mais geral de adjetivo relacional e ainda o facto de o mesmo adjetivo poder ser usado quer como relacional, quer como qualificativo, poderemos considerar que, neste caso, o adjetivo é qualificativo.

Outras correntes de investigação há, porém, que subdividem os adjetivos relacionais em classificativos e em argumentais. Teriam como ponto central a característica morfológica de derivarem de um nome, mas teriam comportamentos distintos sintáticos. Seguindo esta interpretação, poderíamos considerar que melódica, no contexto em apreço, seria um adjetivo relacional classificativo, ao mesmo tempo que, noutros contextos, seria um adjetivo relacional argumental. Dá-se como exemplo a expressão «construção melódica» na frase «Uma técnica simples de construção melódica», título de um texto do maestro João Camacho (disponível em linha).

Pergunta:

Solicito o esclarecimento relativamente à classificação do adjetivo vencedora, quanto à sua subclasse. Surgiu-me esta dúvida e já ouvi opiniões divergentes, logo não sei como justificar se é relacional ou qualificativo. Não sendo flexionável em grau e aparecendo apenas posposto ao nome, não deverá classificar-se como relacional?

Obrigada pela atenção.

Resposta:

A barreira entre os adjetivos qualificativos e os adjetivos relacionais nem sempre é fácil de estabelecer, até porque, ocasionalmente, um adjetivo relacional pode ser usado como qualificativo.
Em relação a vencedor, vale a pena ter em conta que se trata de uma palavra deverbal (e não denominal, como costumam ser os adjetivos relacionais...) que oscila entre uma utilização como nome («O vencedor é o João») e como adjetivo («A equipa vencedora é a azul»). Mesmo quando pode ser interpretado como adjetivo, assume estruturas sintáticas próximas das que encontramos nos nomes, tendo, por exemplo, uma estrutura argumental reflexo da do verbo de que deriva:


1. «A equipa azul venceu a taça.»
2. «A equipa vencedora da taça foi a azul.»

Note-se que esta estrutura é uma das que permitem identificar o complemento do nome, como nos exemplos seguintes:


3. «Construíram um prédio.»
4. «A construção do prédio foi demorada.»

Se compararmos 2 e 4, veremos que o constituinte que desempenha nas frases 1 e 3 a função de complemento direto assume a função de complemento da palavra que deriva do verbo.
Podemos, nestes casos, questionar-nos sobre a real classe da palavra em causa. Será um adjetivo «puro»? Será um nome com um tipo de construção peculiar que lhe permite ocorrer junto de outro nome, como acontece com os nomes de acidentes geográficos (rio Tejo…)?

Por outro lado, se compararmos este adjetivo com outros também deverbais e com o mesmo sufixo, verificamos que há comportamentos distintos. Veja-se, por exemplo, acolhedor (do verbo acolher). Creio que não temos dificuldade em aceitar acolhedor como qualificativo. Mas já teremos dificuldade em o aceitar com valor nominal…

Pergunta:

Já estive a ler as vossas entradas relacionadas com este assunto e continuo com dúvidas em relação à identificação dos adjetivos relacionais, nomeadamente no que se refere às suas propriedades sintáticas. Um dos "truques" sugeridos para a identificação desta subclasse de adjetivos é o facto de não poderem desempenhar uma função predicativa. No entanto, em enunciados como «O meu amigo Hans é alemão», o adjetivo alemão é relacional e está a desempenhar a função de predicativo do sujeito. Como este, ocorrem-me muitos outros exemplos.

Tenho imensas dificuldades em compreender esta subclasse dos adjetivos e não sei como fazer os alunos do 7.º ano compreenderem...

Obrigada pela ajuda.

Resposta:

Nem sempre é fácil delimitar, ou identificar, o adjetivo relacional, até porque o mesmo adjetivo poderá ser, num dado contexto, relacional e, noutro, qualificativo. Na definição de adjetivo da Infopédia (consult. em 25-10-2012) pode ler-se:

«Os valores relacional ou qualificativo que os adjetivos apresentam pode variar de acordo com o contexto: dantesco é um adjetivo relacional [= de Dante] mas pode ser usado qualificativamente, numa construção predicativa ou atributiva graduável [ex: "história (mais) dantesca (do que)"; "este assunto é dantesco*"].»

No mesmo artigo pode ler-se ainda que os adjetivos relacionais (o negrito é nosso):

«Podem ser traduzidos por uma paráfrase construída com um genitivo do nome de onde provêm (ex.: paterno = do pai; americano = da América);

Podem estabelecer relações de:
a) origem ou procedência (ex.: vinho alentejano, presidente americano, casa paterna)
b) propriedade (ex.: plataforma petrolífera)
c) finalidade (ex.: palácio presidencial, reforma estudantil) etc.»

Se tivermos em conta os exemplos das alíneas b) e c) acima, facilmente verificamos que nem sempre os adjetivos que identificamos como relacionais graças a umas características encaixam bem noutras. Por exemplo, creio que nem todos os falantes aceitariam que «plataforma petrolífera» pudesse ser parafraseada por «plataforma do petróleo» E, todavia, petrolífera, adjetivo provindo de um nome por derivação sufixal, é considerado relacional…

Assim, os adjetivos relacionais:

I  – Do ponto de vista da morfologia, poderemos dizer que:
a) ...