A frase em apreço, de grande beleza, não é de fácil análise, até pelo valor avaliativo que veicula e que pode, de algum modo, condicionar a classificação, já por si difícil...
Importa dizer, antes de mais, que as orações comparativas não reúnem consenso entre os investigadores, havendo quem as aproxime quer das estruturas subordinadas em que, tradicionalmente, estão incluídas, quer das estruturas coordenadas.
Para a sua aproximação à coordenação, concorre uma das características que são mais comuns às comparativas e que, se assumirmos que é, de alguma forma, comparativa, a estrutura em apreço não cumpre: a impossibilidade de vir em início absoluto o elemento introduzido pelo conetor…
Gabriela Matos ilustra a proximidade entre coordenadas e comparativas na Gramática da Língua Portuguesa de Mira Mateus e outras, p. 746 (aqui, numerada como 1):
1. «O Luís é mais inteligente do que o João é trabalhador.»
1.1. *«Do que o João é trabalhador o Luís é mais inteligente.»
Note-se que, em 1, a construção contém um elemento correlativo quantificador (advérbio de quantidade na gramática tradicional…), mais, presente no primeiro elemento relacionado (do ponto de vista tradicional, a subordinante).
Ora, o exemplo que estamos a analisar e que numeramos como 2 parece ser uma variante deste e caracteriza-se por ter o quantificador adjacente ao conetor (chamemos-lhe assim, pelo menos por enquanto). Menos relevante é a presença ou não da preposição:
2. «Mais (do) que um simples participante, ele era um vencedor.»
Esta situação parece ser condição necessária para que possa haver uma deslocação do elemento introduzido pelo conetor para início absoluto de frase.
Se procedermos desta forma face a 1, obteremos um conjunto potencialmente aceitável:
1.2 ?«Mais do que o João é trabalhador, o Luís é inteligente.»
Vejamos outros exemplos:
3. «O dia está mais ventoso (do) que frio.»
3.1. «Mais do que frio, o dia está ventoso.»
Poderemos dizer que «mais (do) que» constitui, do ponto de vista morfológico uma locução conjuncional correlativa em que, na maioria dos casos, o advérbio é integrado no primeiro elemento relacionado.
Violeta Virgínia Rodrigues, in As construções comparativas em língua portuguesa (acesso em 21-2-2014), afirma que «Não há consenso quanto à classificação do introdutor das orações comparativas».
Curiosamente, a autora foge à classificação típica (conjunção)… como aqui se fez, umas linhas acima. Do ponto de vista tradicional, os elementos que permitem relacionar, ou ligar, orações são as conjunções. Há, todavia, outras abordagens. Evanildo Bechara, na Moderna Gramática Portuguesa, por exemplo, distingue conjunções (coordenativas) de transpositores (subordinativos). Por sua vez, Gabriela Matos, no artigo sobre as orações comparativas integrado na Gramática da Língua Portuguesa citada acima, considera conjunções as coordenativas, e complementadores os subordinativos. No mesmo artigo a autora prova que «os conetores de comparação não se qualificam como complementadores de subordinação» (p. 740). Mais à frente, refere que os dados que expõe ao longo do artigo sugerem que «as estruturas comparativas são um caso particular de coordenação, pelo que os conetores de comparação como e (do) que podem ser, no português actual, caracterizados como conjunções de coordenação comparativas» (p. 747).
Se considerarmos a estrutura da frase em apreço, registada acima como 2, poderemos dizer que ela se aproxima do que Gabriela Matos, no mesmo artigo (pp. 750 a 754), identifica como «estruturas pseudocomparativas», mais propriamente das «pseudocomparativas corretivas», que se caracterizam por exibirem o elemento que contém a conjunção no início da estrutura e por não veicular um indiscutível valor comparativo:
4. «Mais do que um bom livro(,) você adquiriu um amigo.»
Em síntese, gostaria de realçar que a expressão, ou locução, «mais (do) que» carece, ainda, de estudos aprofundados que nos permitam classificá-la de forma inequívoca, ou inquestionável (se é que tal coisa existe), havendo mesmo abordagens que defendem a sua exclusão do mundo das subordinativas. Do ponto de vista mais tradicional, no exemplo em apreço, estaremos perante uma locução subordinativa comparativa, ou, segundo alguns, perante uma conjunção correlativa subordinativa, com a característica de estar incluída numa estrutura inovadora, ou distinta, em que o sentido avaliativo é realçado pelo recurso a uma apresentação não-convencional dos elementos relacionados, com o aparecimento do elemento subordinado, chamemos-lhe assim, em início de frase, o que, sendo comum na maioria das estruturas subordinadas, o não é nas estruturas comparativas. Poderemos ainda, de uma forma mais genérica, considerar que, em 2, «mais (do) que» perde o seu valor conjuncional para adquirir um valor mais vasto, no âmbito da análise do discurso, integrando os conetores, mais ou menos associados à classe morfológica dos advérbios considerados conetivos…