Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Em consulta à pergunta Orações adversativas vs. orações concessivas, tive dificuldade de entender a relação de sentido que foi registrada em relação às orações abaixo (reproduzo a numeração que as acompanhava, pois ela será retomada em seguida:

«(6) «Ela era bela, mas, principalmente, rara.» In Nova Gramática do Português Contemporâneo.

[...] há muitas frases em que ocorre, preferencialmente, a adversativa, e outras em que é, mesmo, a única possibilidade, como creio ser o caso em (5), (6) e (7).»

No meu entendimento, mas estabelece uma relação de adição. Sei que devo estar equivocada, por isso gostaria de obter uma explicação que me auxiliasse a perceber essa adversidade registrada como «a única possibilidade».

Antes de encerrar, gostaria de agradecer pela enorme contribuição que vêm dando a pessoas que, como eu, estudam a língua portuguesa e a utilizam como ferramenta de trabalho.

Obrigada.

Resposta:

Fico na dúvida, prezada consulente, se, para si, mas estabelece sempre uma relação de adição, ou se restringe essa interpretação ao exemplo que cita.

Partindo do princípio de que é o exemplo que cita que lhe causa problemas de interpretação, devo dizer, antes de mais, que as frases, ou, melhor, os enunciados, se atualizam em contexto, podendo, à falta dele, como é o caso do exemplo em análise, cada falante imaginar um determinado contexto que atualize ou reformule a interpretação.

Por outro lado, e da mesma forma, as respostas dadas neste espaço nem sempre podem ser interpretadas fora da questão que as desencadeou. E a questão-base da resposta a que os exemplos pertencem insere-se numa tentativa de explicitar em que situações pode uma adversativa transformar-se numa concessiva, ou vice-versa. Nesse contexto, os exemplos (5), (6) e (7)

(5) «O João não foi ao cinema, mas ao teatro.»
(6) «Ela era bela, mas, principalmente, rara.» In Nova Gramática do Português Contemporâneo, p. 580
(7) «Vim, vi, mas não venci.»

não me parecem, independentemente do valor veiculado, passíveis de dar lugar a uma frase complexa em que se estabeleça uma relação de subordinação concessiva em vez de uma relação de coordenação adversativa.

Por isso se diz que nesses exemplos só é possível a adversativa — por não ser possível a concessiva. Talvez uma das razões que impedem o uso da concessiva seja o facto de o sentido veiculado poder não ser o prototípico da adversativa, como é o caso do exemplo (6), que veicula, e aí estamos de acordo, um sentido de adição, ou copulativo. E, por isso, no mundo da coordenação, esta adversativa até poderia ser copulativa: «Ela era bela e, principalmente, rara.»

Pergunta:

Antes de fazer a minha pergunta, quero dizer-vos que vos visito quase todos os dias e que estou muito mais tranquila desde que soube que o Ciberdúvidas não vai acabar.

A minha dúvida é a seguinte: na frase «Empresta-me o teu dicionário, que deixei o meu em casa», a segunda oração é coordenada explicativa, ou subordinada causal? Porquê?

Já consultei respostas do Ciber, o Dicionário Terminológico, quatro gramáticas, alguns colegas... Ainda não consegui decidir-me, embora me incline para a explicativa. Podem ajudar-me?

Obrigada.

Resposta:

Ora aí está, prezada consulente, um bico de obra que está longe de solução consensual. De qualquer forma, seguindo o Dicionário Terminológico (DT), que admite a existência de coordenadas explicativas (contrariamente a muitos estudos e nem todos muito recentes…), o exemplo que apresenta é semelhante ao que ilustra esse subtipo de coordenação no mesmo DT: «O João está com medo, que estou a vê-lo a tremer.»

Uma das razões que nos podem ajudar a decidir se uma dada oração é subordinada causal ou coordenada explicativa prende-se com o facto de, na coordenação, a oração que é introduzida pela conjunção não poder dar início à frase complexa em que se insere («*Que deixei o meu em casa, empresta-me o teu dicionário»), contrariamente ao que acontece com as subordinadas causais.

Pergunta:

Devemos considerar a frase «Ó mãe, não queres vir comigo ao centro comercial?» de polaridade afirmativa, ou negativa [ver o Dicionário Terminológico, para apoio do ensino da gramática nas escolas básicas e secundárias de Portugal]?

Resposta:

Tendo em conta o Dicionário Terminológico, o que atribui polaridade negativa (ver Textos Relacionados) é a presença do advérbio negativo e não, necessariamente, o sentido que um dado contexto atribui a uma frase. Assim, a frase em apreço tem polaridade negativa.

O problema que se coloca, em contexto pedagógico, é saber se os alunos entendem e distinguem a classificação gramatical, digamos assim, do sentido que a frase veicula. Aí, o cuidado a haver prende-se com o trabalho a desenvolver com os alunos, eventualmente dependente do nível de análise metalinguística que eles estejam em condições de realizar.

Só o conhecimento concreto de uma turma pode ajudar a decidir se um determinado exemplo, por muito válido que seja, é oportuno e adequado.

Pergunta:

O adjetivo infantil é qualificativo, ou relacional?

Resposta:

Uma das características do adjetivo relacional é que ele, geralmente, é denominal, ou seja, deriva, por sufixação, de um nome. Além disso, raramente aceita graduação e também raramente pode ocorrer em posição predicativa.

Infantil chegou até nós do latim infantile. Permite flexão em grau («O João é muito infantil») e permite, como se vê no exemplo dado, posição predicativa.

Não me parece que tenhamos argumentos para o considerar relacional.

Pergunta:

A frase «Para de comer as nossas alfaces!» é imperativa. Contudo, a dúvida surge na polaridade, uma vez que não tem as palavras-chave de uma frase negativa; daí considerarmos a frase com polaridade afirmativa. Contudo, o sentido da frase remete-nos para uma frase com polaridade negativa, pois se substituirmos pela palavra não estamos a negar: «Não comas mais as nossas alfaces!»

Qual o tipo de polaridade mais correto?

Resposta:

Uma das vantagens das línguas naturais, neste caso, da portuguesa, é que elas nos oferecem diversas formas de dizer a mesma coisa. Todavia, ao optarmos por uma determinada estrutura na enunciação, estamos condicionados a analisar essa estrutura, e não aquelas que a podem substituir.

Pensemos, por exemplo, na frase irónica «Estás bonito, estás…», que, normalmente, tem um sentido contrário e pode não remeter para o aspeto exterior de um dado indivíduo…

Na situação em apreço, se a frase é «Para de comer as nossas alfaces», a frase é afirmativa, e podemos, mesmo, construí-la com uma polaridade negativa: «Não pares de comer as nossas alfaces.»
Se optássemos por fazer passar a mensagem através de outro verbo, como em «Não comas mais as nossas alfaces», estaríamos perante uma frase de polaridade negativa.

Ambas as frases estão certas, apesar de terem polaridade distinta e veicularem um sentido muito próximo.